Solenidade de São Pedro e São Paulo, apóstolos – 3 de julho

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste domingo nos convida a refletir sobre duas testemunhas fiéis à missão apostólica de anunciar Jesus Cristo ao mundo: Pedro e Paulo. Ambos foram chamados por Jesus Cristo para serem anunciadores da Palavra em contextos específicos. Pedro encontrou-se com o Senhor à beira do mar da Galileia, e Paulo, no caminho de Damasco. Tiveram pouco tempo de convivência entre si, mas partilharam a mesma fé e a mesma missão, embora em realidades diferentes. Pedro cuidou pastoralmente da Igreja-mãe, e Paulo se dedicou ao anúncio de Jesus Cristo aos gentios.

A primeira leitura nos mostra os desafios da missão da Igreja primitiva e como Pedro assume seu ministério em uma realidade de hostilidade e perseguição. Deus sempre cuida de seus eleitos em todas as circunstâncias. A ação divina se revela em favor de Pedro; o apóstolo é o protagonista da leitura. O autor do livro dos Atos dos Apóstolos mostra a solicitude de Deus pela sua Igreja e por seus servidores que testemunham sua fidelidade na alegria não só quando são acolhidos, mas também quando sofrem rejeição.

A segunda leitura é retirada da carta de Paulo ao seu irmão na fé, Timóteo. É escrita em forma de testamento, como se Paulo estivesse fazendo um balanço final de sua vida apostólica. A carta recorda o chamado de Paulo e sua resposta generosa ao Senhor, que foi para a vida inteira. Ele foi fiel à sua vocação, aceitando todas as consequências de seu sim no caminho de Damasco. Essa leitura é comovente e, ao mesmo tempo, questionante, pois nos convida a percorrer, com entusiasmo e perseverança, nossa vocação de discípulos missionários, a viver de forma radical nosso batismo.

O Evangelho nos mostra Jesus atuando nas periferias da Galileia, perto do rio Jordão, em Cesareia de Filipe, cidade construída por Herodes em honra ao imperador César Augusto. O texto nos exorta a seguir Jesus, o Messias, Filho de Deus. Diante dos questionamentos da época acerca de que autoridade seguir, de quem é que daria segurança ao povo, Pedro tem clareza profunda de que somente Jesus pode apontar caminhos de vida. Somente ele tem a capacidade de organizar ao redor de si uma comunidade de fé, formada por discípulos que vivem a fraternidade e a solidariedade e estão abertos para acolher a salvação que Jesus oferece a todos.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 12,1-11)

No texto proposto para a primeira leitura deste domingo, o evangelista Lucas narra a dupla hostilidade e perseguição à Igreja: da parte do rei Herodes Agripa I, neto do famoso rei Herodes, o Grande, e da parte das autoridades judaicas. Herodes era fiel às autoridades romanas, que, em reconhecimento, lhe ofereceram antigos territórios confiados aos seus antecessores (Itureia, Traconítide, Bataneia, Gaulanítide e Auranítide). A retirada ou concessão de governo sobre as regiões dependiam da fidelidade ao imperador.

Como autoridade política, Herodes procura conciliar as pazes com autoridades romanas e judaicas. Por isso, diante das hostilidades dos judeus contra os cristãos, permite a perseguição a estes, considerados uma seita ilícita por parte das autoridades judaicas. O martírio de Tiago provavelmente se deu por esse motivo. A perseguição atingiu todos os membros da comunidade assistida por Pedro, incluindo Jerusalém. É nesse contexto que Pedro foi preso e, posteriormente, liberto de forma milagrosa. A comunidade permaneceu unida em oração pelos seus membros perseguidos.

O livro dos Atos dos Apóstolos nos relata os caminhos da expansão da Igreja em tempos difíceis, ressaltando a atuação da graça de Deus em seus membros e como perseveraram no testemunho. Deus não abandona seus escolhidos à própria sorte. No entanto, a ação evangelizadora da Igreja em favor da vida gera confronto com as forças de opressão e de morte. Essa realidade não deve surpreender a comunidade de fé, pois foi a causa que levou Jesus à morte. A missão dos discípulos é a mesma do Mestre.

Permanecendo unida em oração, a comunidade se faz presente na missão de Pedro. A maravilhosa libertação do apóstolo da prisão mostra a presença efetiva de Deus na caminhada da Igreja. O projeto de salvação divina não é interrompido pelas autoridades deste mundo. O discipulado instituído por Jesus não se fecha sobre si mesmo; fiel aos ensinamentos do Mestre, organiza-se como comunidade fraterna, unida e comprometida com a transformação do mundo, testemunhando a fé com palavras e obras.

2. II leitura (2Tm 4,6-8.17-18)

O autor da carta dirigida a Timóteo se apresenta como Paulo, prisioneiro em Roma. Talvez tenha sido escrita por uma pessoa que auxiliava o apóstolo. Timóteo era um cristão nascido na cidade de Listra, pertencente à província romana da Ásia Menor. Seu pai era de origem grega e sua mãe, de origem judaico-cristã. Ele se encontrou com Paulo durante sua atividade missionária e, a partir daí, tornou-se seu companheiro inseparável de missão. Segundo a tradição, Paulo confiou-lhe o cuidado pastoral de comunidades cristãs muito importantes, entre as quais a comunidade de Éfeso.

A carta retrata a realidade eclesial em que as perseguições eram debatidas na comunidade. Essa situação afetava o ânimo de muitos membros, que perdiam o entusiasmo diante das perseguições, adversidades e incompreensões das autoridades. Ao recordar a figura de Paulo, o autor da carta quer encorajar a todos a perseverar no testemunho. Eles receberam a fé desse apóstolo, que gastou sua vida pelo Evangelho. Ele lutou até o fim, apesar das inúmeras injúrias e rejeições que sofreu. Por amor a Jesus Cristo e sua Palavra, considerou tudo como perda.

Como se fosse Paulo em pessoa falando, o texto, apesar de desenvolver-se em forma de lamento e desilusão, expondo o cansaço de alguém abandonado pelos irmãos que esmoreceram na fé, também expressa seu louvor. Esta é a atitude final da carta: reconhecer que Deus age por meio dos sacrifícios a ele oferecidos. E é isto que o autor pede à comunidade, apesar do desânimo, do sofrimento, da tribulação: que possa descobrir a presença de Deus e confiar na sua ação.

3. Evangelho (Mt 16,13-19)

O texto do Evangelho apresenta duas partes importantes: a primeira situa a atuação de Jesus em determinado contexto histórico e geográfico, centrando-se na sua identidade; a segunda tem um caráter mais eclesial, centrando-se na Igreja, particularmente na figura de Pedro. A passagem une a pergunta de Jesus e a resposta de Pedro, revelando que Jesus é, de fato, o Messias. Ele atravessa a região de Cesareia de Filipe, localizada ao norte da Galileia, uma região pagã. Esse episódio ocupa lugar central no Evangelho segundo Mateus, uma vez que, com ele, o relato começa a indicar que Jesus passará por morte de cruz. A oposição das autoridades judaicas à sua atuação já é cheia de intolerância.

A primeira pergunta de Jesus refere-se ao consenso popular acerca de sua identidade. A resposta dos discípulos indica que há especulações sobre expectativas messiânicas a seu respeito. O próprio Herodes Antipas havia identificado Jesus como novo João Batista. Outros o identificam como um profeta que voltou, como Elias ou Jeremias, pois não entenderam que ele é alguém que, em suas palavras e ensinamentos, supera todas as figuras importantes do Antigo Testamento.

A segunda pergunta é dirigida ao grupo dos discípulos, e Pedro toma a palavra, confessando que Jesus é mais que um profeta: é o Messias que esperavam. A resposta de Jesus a Pedro é uma bem-aventurança, pois, em meio à confusão popular, o apóstolo não tem dúvidas a respeito da identidade de Jesus. Devido à sua clareza de fé, Jesus constitui Pedro uma autoridade na Igreja. No entanto, a resposta do apóstolo não vem de uma sabedoria pessoal, mas por revelação divina.

Diante da confissão de Pedro, que o proclama Messias em nome da comunidade, Jesus lhe entrega nova missão. Confia-lhe um papel de liderança em relação aos demais: tal responsabilidade consiste em cuidar da Igreja, o que não é privilégio, mas tarefa. Jesus promete que o mal não irá triunfar sobre a comunidade de fé. Segundo o relato de Mateus, Pedro é modelo de discípulo; nele está representada a comunidade que segue Jesus e o proclama Senhor e Messias. Nela Pedro foi figura muito lembrada, pelo seu testemunho de fé cristã. Ele foi aquele que também se pôs à frente nos momentos de hostilidade e perseguição, encorajando os irmãos e irmãs a perseverar.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

As leituras propostas para esta solenidade nos recordam que, no início de nossa Igreja, houve pessoas que assumiram papéis importantes no testemunho de Jesus Cristo, por isso seus nomes foram registrados na história. Pedro e Paulo foram modelos de fé para os primeiros cristãos. Nossa história sugere também que a perseverança na comunhão e na oração fortalece a comunidade para resistir a muitos sofrimentos, adversidades, rejeições e perseguições. Pedro e Paulo não agiram sozinhos, mas tiveram comunidades que os apoiaram de muitas formas e foram solidárias a eles. O agir cristão supõe um agir eclesial, uma vez que não somos indivíduos isolados, mas pertencemos a uma comunidade de fé. Por isso nosso agir é sempre eclesial.

Também nós somos questionados hoje a responder: quem é Jesus para nós? Quem ele é para a multidão comum? Somos capazes de dar uma resposta diferente da maioria das pessoas que vivem fora da comunidade de fé?

Para muitos de seu tempo, Jesus era apenas um homem bom e generoso que foi sensível aos sofrimentos de seus contemporâneos. Outros o consideravam um mestre que ensinava com sabedoria, mas não conseguiram ver nele o Messias, Filho de Deus. Somos convidados a ir além em nossa resposta de fé. Para nós, seus discípulos e discípulas, ele é o Senhor que transformou nossa vida. O que é ser Igreja? Comunidade do Senhor? Que lugar ele ocupa em nossa caminhada de fé? A comunidade dos discípulos de Jesus é chamada a se organizar e estruturar para desempenhar um papel de autoridade a serviço da vida, a exemplo de Jesus, o Messias, Filho de Deus. Sobretudo, é uma autoridade que deve procurar discernir, em cada momento, as propostas de Cristo e a interpelação que ele lança aos discípulos e a todas as pessoas.

Isabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]