Roteiros homiléticos
A GRANDEZA E A HUMILDADE DO MENINO-REI
INTRODUÇÃO GERAL
Isaías anuncia o nascimento de um menino que será o rei através do qual Deus realizará plenamente sua salvação nesta terra. Esse menino é, no Evangelho, Jesus, que, na humildade de seu nascimento, revela a glória de Deus. A segunda leitura apresenta como deve viver o cristão entre o nascimento e a vinda gloriosa do Senhor no fim dos tempos.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 9,1-6)
O texto de Isaías se inicia descrevendo o aparecimento de uma grande luz que elimina as trevas nas quais o povo se encontrava (v. 1). Essa luz traz grande alegria (v. 2). Os motivos dessa alegria mostram de que luz se trata:
– v. 3: Deus domina o opressor (o rei assírio que dominava o norte de Israel: cf. Is 8,23). Lembra-se o “dia de Madiã”, quando as tropas de Gedeão venceram os inimigos à luz de tochas (cf. Jz 7);
– v. 4: a guerra é eliminada, possivelmente devido ao afastamento do opressor;
– v. 5: nasce um menino que possui poder de governar. Como Deus realizou a dominação do opressor (v. 3), assim a vinda desse menino-rei será dom e obra do Senhor (v. 6).
Esses motivos estão numa gradação, de modo que o ponto alto é o terceiro motivo. Fala-se de nascimento, mas o menino já recebe o cetro de comando. Trata-se assim, de fato, não de seu nascimento, mas de sua subida ao trono (também no Sl 2,7, o nascimento indica o momento em que o rei assume o poder). O v. 6 menciona os títulos que o rei recebe e que lhe eram dados durante a cerimônia de sua coroação.
O primeiro título, “conselheiro maravilhoso”, fala do rei como aquele que possui sabedoria, conselho, prudência. A referência à “maravilha” lembra os feitos prodigiosos, as ações do Senhor em favor de Israel, sobretudo aquelas realizadas por ocasião da libertação do Egito (cf. Ex 15,11). O menino-rei é, assim, alguém que estabelece planos capazes de realizar as maravilhas que Deus quer operar em favor de seu povo. O segundo título, “Deus forte”, indica que, através desse menino, Deus manifestará sua força, que realiza o direito, a justiça e a paz. O título “pai eterno” fala que o rei deverá ser como um pai para o povo (cf. Is 22,21), e isso deverá ser permanente, durar para sempre. Por fim, “príncipe da paz” indica que, por sua autoridade, ele estabelecerá a tranquilidade política (cf. Is 39,8), eliminará toda angústia (cf. Is 38,17) e trará o total bem-estar, que inclui a comunhão com Deus (cf. Is 27,5).
A obra desse menino-rei será o oposto da obra do opressor: o opressor domina pela força (v. 3), pela violência (v. 4); o menino-rei agirá segundo o direito e a justiça e dominará estabelecendo a paz (v. 6). Como terá fim a opressão do inimigo, assim será perpétuo o reino inaugurado pelo menino: ele instituirá uma paz sem fim (v. 6a), seu trono será estável para sempre (v. 6b). Tudo isso acontecerá em favor do povo: ele nasceu para nós; ele nos foi dado – por Deus.
Deus realizará, assim, através do menino-rei da casa de Davi, uma radical transformação da situação em que vivia o povo.
2. Evangelho (Lc 2,1-14)
O Evangelho faz uma releitura do texto de Isaías, apresentando o nascimento de Jesus com solenidade, como o faz o texto de Isaías em relação ao descendente de Davi. Diversas menções preparam o anúncio do nascimento de Jesus e enfatizam esse caráter solene: a menção do decreto do imperador, do censo, do nome do governador, da cidade e da casa de Davi (v. 1-4). Também a menção da glória do Senhor, do anjo e da multidão do exército celeste (v. 13) contribuem para a solenidade do nascimento.
Lucas, como Isaías, dá títulos ao menino esperado. Ele é o Salvador, aquele que traz a salvação escatológica (cf. Lc 1,69), que liberta de toda ameaça (cf. Lc 1,71.74s) e comunica a mensagem da salvação (cf. Lc 1,77), realizando o perdão, a comunhão com Deus (cf. At 5,31). E é o Cristo Senhor, título de Jesus ressuscitado (cf. Fl 2,9-11), o Messias que porta o nome de Deus (Adonai, Kýrios, Senhor). Esses títulos servem para mostrar Jesus como supremo rei (contraposto ao império romano) que realiza totalmente as promessas feitas a Davi.
Alguns elementos são comuns entre o texto de Isaías e o de Lucas:
– Em ambos, o menino-rei é motivo de alegria e exultação para o povo (cf. Lc 2,10; Is 9,2).
– Em ambos, aparece a luz como manifestação da glória de Deus que vence os poderes das trevas e do caos (em Lc 2,9, a luz envolve os pastores; em Is 9,1, brilha sobre o povo).
– A paz chega ao mundo por ocasião da vinda do menino (cf. Lc 2,14; Is 9,6). Em Lucas, a paz ocorre na terra, e a glória de Deus, nas alturas. Deus é glorificado, e os homens recebem o dom da paz, a total salvação escatológica. Jesus é o “príncipe da paz” anunciado (Is 9,5). Na proclamação dos anjos, os tempos escatológicos se inauguram.
– O menino é dado para nós (cf. Lc 2,11: “nasceu para vós um Salvador”; Is 9,5).
A par das semelhanças, os dois textos apresentam também elementos contrastantes. O mais central é que o texto de Isaías põe o acento da mensagem no aspecto político (a eliminação dos inimigos de Israel) e na entronização do príncipe da paz. Lucas, ao contrário, acentua o aspecto da pobreza e da humildade de um que é Salvador e Senhor, mas que se manifesta na realidade de uma modesta família de Nazaré. Um recém-nascido que tem por berço uma manjedoura (v. 7) e é anunciado a simples pastores, durante seu trabalho noturno (v. 8-9). Tal comparação indica para o cristão que é necessário saber reconhecer e encontrar Jesus Cristo, o menino-rei, que, apesar de possuir atributos divinos, aparece nas mais escondidas condições da vida cotidiana. Ele deve ser procurado não no esplendoroso, mas nos pequenos, nos sem voz, sem reconhecimento.
3. II leitura (Tt 2,11-14)
A brevidade da segunda leitura contrasta com a densidade de sua mensagem.
A graça de Deus se manifestou (v. 11). Não se trata só de um ato de benevolência, de algo que Deus faz; mas de Alguém. A graça que se manifestou é o próprio Jesus. Ele é a graça encarnada, a visibilização tangível do amor infinito e gratuito de Deus, que realiza a salvação de todos.
Embora a salvação seja oferecida gratuitamente, ela instrui o ser humano e o orienta para uma vida que corresponda ao dom oferecido: abandonar a impiedade (que é o contrário da reverência a Deus) e as paixões, os desejos mundanos (que contrariam a santidade de Deus), e viver já aqui uma vida honesta, justa e santa. Tudo isso deve acontecer dentro de uma orientação teologal: para Deus (v. 13). Não se trata de um moralismo (cumprimento exterior de normas), mas de viver a partir da graça que se manifestou (o Senhor que se entregou por nós, nos remiu, nos purificou, v. 14) e voltados para o futuro, para sua manifestação gloriosa: “aguardamos a bendita esperança”, que é a “manifestação da glória de nosso grande Deus e Salvador” (v. 13).
Jesus é “nosso grande Deus e Salvador”. Essa é uma das confissões de fé mais concisas e, simultaneamente, de mais ampla dimensão em todo o Novo Testamento. Ao mesmo tempo, esse Deus que vem na glória é “nossa bendita esperança” (v. 13; cf. 1Tm 1,1; Cl 1,27), pois não veio, em sua encarnação, para esmagar o pecador, mas para levá-lo à verdadeira vida. Entre o Natal e a parúsia, o cristão é chamado a viver uma vida digna, insuflada e moldada pela graça de Deus que se oferece e já se realiza em nós e pela esperança da manifestação final do Senhor.
Com essa mensagem, a segunda leitura esclarece e aprofunda quem é aquele que nasceu em Belém. É o Senhor, o Messias, o Salvador, o nosso grande Deus. Convida-nos, dessa forma, a adorá-lo em sua grandeza que se revela na sua pequenez.
DICAS PARA REFLEXÃO
– Sabemos nós reconhecer Jesus no pequeno, no fraco, naquele que nos incomoda, que não tem títulos?
– Sabemos reconhecer Jesus como nosso grande Deus e Senhor? Ou ele se tornou para nós algo tão corriqueiro que já nem nos damos mais conta de sua divina Pessoa?
– “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Ele ama” (Lc 2,14). Que relação há entre Deus que é glorificado e a paz que acontece na sociedade humana? Como podemos contribuir para que a paz aconteça na terra?
Maria de Lourdes Corrêa Lima