Roteiros homiléticos

Publicado em setembro/outubro de 2024 - ano 65 - número 359 - pp. 37-40

8 de setembro – 23º Domingo do Tempo Comum

Por Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*

Criai ânimo! Não tenhais medo

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste domingo nos convida a reanimar nossa vida de esperança, sobretudo ao observarmos a práxis de Jesus. No Evangelho, Jesus liberta o surdo-mudo de seus impedimentos. Jesus é o taumaturgo do Pai, aquele que, pela palavra Efatá – que quer dizer “abre-te” –, concede ao ser humano o dom de comunicar o amor de Deus. Na primeira leitura, o profeta Isaías restaura no coração ferido da humanidade a capacidade de continuar a crer em Deus, não obstante os desafios. Tiago, na segunda leitura, convida sua Igreja, que também é nossa, a não fazer acepção de pessoas – sobretudo em prejuízo dos pobres e marginalizados, que são especialmente queridos e amados por Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 35,4-7a)

O profeta Isaías, como porta-voz de Deus, convida o povo a não se deixar sucumbir diante dos perigos da vida. Aquele que está por trás da mensagem do profeta, Deus mesmo, em voz imperativa, diz: “Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo’”. O v. 4 equivale a dizer que Deus deseja ver seu povo com um novo espírito que possa aniquilar o medo que o envolve. Esse espírito é como uma vingança que vem, uma recompensa. Deus mesmo se levanta para salvar seu povo. Em consequência, o Senhor abrirá tanto os olhos dos cegos quanto os ouvidos dos surdos (v. 5). O coxo saltará como um cervo e a língua do mudo se soltará; da mesma forma, a água brotará no deserto, e torrentes no ermo jorrarão. Tudo o que parece impossível acontecer, acontecerá (v. 6). A terra árida se transformará em lago e a região sedente, em fontes de água (v. 7). Trata-se de verdadeira reviravolta escatológica e profética a partir do momento em que o povo acolher e praticar a mensagem de seu Deus.

O ambiente em que se encontra o profeta, antes do exílio, é de verdadeiro marasmo, no qual o pecado parece dominar. Contudo, é necessário crer na Palavra de Deus e esperar que ele venha em favor de sua gente. O povo, de sua parte, deve crer e não temer.

2. II leitura (Tg 2,1-5)

Tiago lidera a comunidade de Jerusalém, dividida entre ricos e pobres. Os ricos menosprezam os pobres. Essa aversão crescente contamina a fé e desalicerça a comunidade. Por isso, o apóstolo recomenda que, pela fé em Jesus Cristo, não haja acepção de pessoas (v. 1). Ele apresenta uma casuística: numa assembleia, possivelmente eucarística, está um rico bem-vestido, com um anel de ouro no dedo, símbolo do poder, e um pobre com sua roupa surrada (v. 2). O escritor sagrado diz: “e vós” – referindo-se aos cristãos daquela comunidade que dedicam maior atenção ao que está bem-vestido (v. 3), em detrimento do pobre, deixado de pé, enquanto o rico se senta. Com base nesse caso, o apóstolo questiona: “não fizestes, então, discriminação entre vós?” (v. 4). E conclui no v. 5: “Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?” Tiago é enfático, pois não é possível nos dizermos cristãos se deixamos de lado os pobres deste mundo, abandonados à própria sorte.

3. Evangelho (Mc 7,31-37)

Jesus, em Marcos 7, está em missão fora da Galileia. Ele deixou a casa da mulher siro-fenícia, após ter aprendido com ela que sua ação messiânica devia estar também destinada aos pagãos (Mc 7,24-30). Então, o Senhor continua seu caminho em direção ao mar da Galileia, atravessando a Decápole (v. 31). Trouxeram-lhe um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram a ele que lhe impusesse as mãos (v. 32). Impor as mãos simboliza, na tradição judaica – e também, posteriormente, na cristã –, transmitir a bênção ou o poder. Trata-se da cheirotonia. Jesus, por sua vez, conduz o homem à parte (v. 33), toca-lhe com o dedo os ouvidos, cospe e toca sua língua com a saliva. Tal gesto é repleto de significado, pois rememora o ato criador de Deus, que modela o ser humano por ele criado, como em Gn 2,7. Jesus continua a recriar o que está adoecido e decaído. O v. 34 traduz essa ação por meio do olhar de Jesus ao céu e a bênção pronunciada: “Efatá”, que quer dizer “abre-te” (v. 34).

Um ato transformador se percebe no v. 35: os ouvidos do surdo se descerraram e sua língua se soltou. Ele começou a falar sem dificuldade, explica o narrador. Jesus pediu-lhes que nada contassem sobre o assunto (v. 36), pois se trata do segredo messiânico daquele que revelará sua glória na cruz (Mc 15,39). Esse segredo deve ser preservado a fim de que Jesus continue a agir, mas eles contavam o que ele havia realizado. No v. 37, lemos uma exclamação de fé por parte dos auditores de Jesus, daqueles que testemunham sua exousia, o poder autorizado que vem de Deus: “ele tem feito bem todas as coisas”, concluem. “Aos surdos faz ouvir, aos mudos faz falar”, insistem. Jesus comunica a atenção e o cuidado pastoral de Deus, o Pai. Ele vem romper a surdez, que impede a pessoa de ouvir a Palavra, e a mudez, para que seja plena a comunicação de que Deus tem amor para com toda a humanidade e deseja reanimá-la, de modo que não seja derrotada pelo medo.

Dessa maneira, o Evangelho deste domingo nos convida a livrar nossos ouvidos de toda surdez espiritual, que nos impede de acolher a voz de Jesus. A taumaturgia de Jesus, na cura do surdo, revela-nos ainda que somos chamados a ouvir e proclamar sua Palavra. O Éfata por ele pronunciado tem força dinâmica de abrir nossos ouvidos e nossa boca, pois nossos sentidos favorecem o conhecimento da Palavra, a intimidade com ela, a fim de que outros também a possam ouvir.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Desenvolver com a comunidade a compreensão de que Deus cuida da humanidade e a convida a reanimar-se, não ter medo, mesmo quando o mundo parece um lugar inóspito. Perceber que na comunidade cristã, ainda hoje, existe aporofobia, aversão aos pobres, e conscientizar-se de que eles devem ser respeitados e tratados com caridade, não podendo ser humilhados. Ajudar a comunidade cristã a acolher as pessoas com deficiência, buscando incluí-las em nossa catequese, na transmissão da fé, na convivência, participação e missão.

Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas e pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. E-mail: [email protected].