Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 54-57

5º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 6 de fevereiro

Por Izabel Patuzzo

Chamados por Deus para uma missão

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste domingo nos recordam que Deus continuamente chama pessoas para sua messe. A resposta positiva daqueles que respondem ao chamado conduz ao caminho do discipulado. Deus tem seus próprios critérios para chamar pessoas para os diversos ministérios na Igreja. Ao apresentar diferentes chamados, como o do profeta Isaías, de Pedro e de Paulo, a liturgia nos dá a conhecer que eles respondem com generosidade, embora se encontrassem diante de acontecimentos tão desafiantes para a própria vida. Também nós somos desafiados pela Palavra de Deus a examinar nosso chamado pessoal, nossa resposta de conversão e adesão ao caminho do discipulado.

Na primeira leitura, o profeta Isaías, diante do chamado divino, sente-se uma pessoa inadequada para a missão que Deus lhe apresenta. Mesmo assim, porém, ele se dispõe a responder aos apelos de seu chamado. De forma simples e questionadora, coloca-se diante de Deus, disposto a servir, apesar de suas limitações humanas.

Na segunda leitura, Paulo apresenta uma reflexão sobre a ressurreição. Em sua catequese, afirma que a certeza de uma vida eterna na comunhão com Deus deve moldar a vida cristã. Viver nessa esperança deve nos encorajar a vencer o medo da morte e da injustiça.

O Evangelho apresenta as primeiras atividades de Jesus, ainda no início de seu ministério na Galileia. A figura de Pedro começa a se destacar como alguém que se põe no caminho do seguimento de Jesus, pondo-se a serviço dos irmãos e irmãs. E os frutos da pregação de Jesus são evidentes. Ao redor do Mestre começa a se formar o grupo dos primeiros apóstolos e dos discípulos que acolhem sua proposta.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 6,1-2a.3-8)

 O texto de Isaías narra sua visão no templo antes da destruição. O profeta recebeu o chamado quando estava em oração. A experiência do chamado marcou a vida do profeta, a ponto de ele situar historicamente o acontecimento: foi no ano da morte do rei Ozias. Estamos por volta do ano 740 a.C. Portanto, Isaías era ainda muito jovem. O relato do profeta deixa claro que sua vocação é obra de Deus. O Senhor é santo, infinitamente perfeito, acima de qualquer criatura humana, mas chama pessoas de lábios impuros – como diz Isaías –, indignas de receber tão nobre missão.

O texto enfatiza a objeção inicial de Isaías, porque ele não se sente apto para ser enviado por Deus para uma missão especial. Em sua humildade, o profeta exprime a consciência de seus limites pessoais. Responder positivamente a Deus requer aceitar o caminho de purificação. A vocação exige sair da zona de conforto e deixar-se modelar por Deus, que, no decurso de toda a vida, capacita os que ele chama. No final da leitura, temos a aceitação da missão por parte do profeta. Ele se põe à disposição do Senhor para ser enviado. Com uma disponibilidade generosa, apresenta-se com a resposta: “Eis-me aqui, envia-me, Senhor”. Essa é a resposta que Deus espera de cada um de nós.

2. II leitura (1Cor 15,1-11)

A segunda leitura apresenta uma reflexão sobre a ressurreição. Para os cristãos de origem grega, tal doutrina era ainda desconhecida. Os membros da comunidade que vinham do judaísmo já tinham incorporado essa doutrina à sua fé. O grande desafio de Paulo é conciliar a mentalidade grega e judaica em uma mesma comunidade. A diversidade cultural se apresentava como um dos grandes desafios à unidade. A cultura grega era fortemente moldada pelas suas concepções filosóficas, com uma visão dualista do ser humano. Os gregos acreditavam que o corpo e a alma eram duas realidades antagônicas. O corpo era visto como prisão da alma, como a sede dos desejos carnais, residência dos sentimentos menos dignos, enquanto a alma era o centro dos sentimentos mais nobres.

O apóstolo indica que nossa ressurreição decorre não do fato de termos uma alma, mas da ressurreição de Cristo. Paulo recorre à experiência da ressurreição que as primeiras comunidades cristãs fizeram com o próprio Cristo ressuscitado. Ele recorda que Jesus se manifestou primeiro a Pedro, depois aos Doze e, por fim, a muitos discípulos. A presença de Jesus ressuscitado é sentida como real por aqueles que abraçaram a fé. Essa presença é acompanhada por muitos sinais. Embora seja histórica, ultrapassa o fato real, o espaço e o tempo, pois é uma experiência de fé. Isso é algo que vai além da compreensão da ciência, pois pessoas movidas pela fé passaram por mudanças radicais em sua vida. O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida de Paulo; ele se transformou em um apóstolo totalmente dedicado ao serviço dos irmãos e irmãs porque acreditou na ressurreição.

3. Evangelho (Lc 5,1-11)

O texto do Evangelho deste domingo apresenta a missão de Jesus, que vai se ampliando aos poucos. Nos episódios anteriores, Jesus realiza suas ações sozinho, mas agora Pedro inicia sua caminhada de discipulado, tornando-se um colaborador ativo na missão de Jesus. Pedro recebe um ministério novo; agora, é por causa da Palavra de Jesus que ele lança as redes. O chamado que recebe terá grandes consequências não apenas em sua vida, mas também na de seus companheiros.

Os discípulos passaram a noite inteira pescando e nada apanharam. É Jesus quem ordena lançar as redes. A obediência à sua palavra acarreta algo extraordinário: a pesca tem resultados impressionantes. O efeito da pesca suscita em Pedro o reconhecimento de que está diante do Senhor. Por isso, Pedro se põe no caminho do seguimento de Jesus e outros fazem o mesmo. A rede cheia de peixes simboliza o êxito da ação missionária de Jesus com seus discípulos. Os atos de embarcar e desembarcar indicam o contínuo movimento missionário. Jesus forma ao redor de si um grupo de pessoas que está sempre em saída.

No relato de Lucas, a pesca milagrosa é claro exemplo de transformação na vida desses pescadores. Antes de serem chamados por Jesus, realizavam essa atividade como simples trabalho do dia a dia; agora, as margens do lago da Galileia se tornam lugar de missão. Ao serem atraídos por Jesus, Pedro e seus companheiros irão chamar outras pessoas a fazer o mesmo. É o discipulado por atração, e não por proselitismo. O evangelista apresenta os vocacionados ao anúncio do Reino de Deus. O testemunho da pesca milagrosa irá levar Pedro, ao final do Evangelho segundo Lucas, a ser também testemunha da ressurreição. O chamado que recebe à beira do lago será para a vida inteira. A cena deste dia, narrada por Lucas, mostra Jesus no início de sua pregação, revelando toda a força de sua Palavra. Aqueles que a escutam e a põem em prática conseguem contemplar as maravilhas que o ensinamento do Mestre provoca em sua vida.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Quando refletimos sobre a vida de Isaías, Pedro e Paulo em relação à resposta que deram ao chamado de Deus, algo comum que se destaca é o sentimento de inadequação ao chamado, por um lado, e a resposta cheia de generosidade e confiança naquele que chama, por outro. É isso que qualifica a pessoa para a missão. Reconhecer os próprios limites, mas responder positivamente e deixar a graça de Deus agir. Como nos fala o papa Francisco, os orgulhosos e soberbos nunca irão se colocar diante dos seus como servos humildes, mas, quando deixamos a graça de Deus agir em nós, então descobriremos o chamado especial que ele reserva a cada um.

Ao falar sobre o chamado à santidade, o papa Francisco lembra que essa meta não atingimos pelas próprias forças, mas é fruto da graça, da ação de Deus em nós. Cada um de nós segue seu próprio caminho de santidade, abraçando as fadigas do dia a dia. Responder à nossa vocação de batizados implica a consciência de que precisamos estar intimamente ligados a Jesus Cristo, como os ramos da videira ao tronco. O caminho que todo discípulo é chamado a percorrer é o da santidade, como resposta ao dom de Deus, assumindo as responsabilidades e deveres cotidianos e procurando fazer tudo com amor e caridade.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]