Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2022 - ano 63 - número 345 - pág.: 47-49

5º DOMINGO DA PÁSCOA – 15 de maio

Por Rita Maria Gomes, nj*

Eles serão o seu povo!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia do domingo passado nos convidava a pensar a identidade do rebanho do Pastor-Cordeiro, e a deste dia nos convoca para lançarmos mais profundamente o olhar para a ação de Deus na vida do Cristo, dos apóstolos e de todos nós, cristãos. As leituras nos levam a perceber Deus agindo e conduzindo-nos a ele, para sua maior honra e glória. E esse louvor aparece na boca do salmista, ao dizer que seu louvor a Deus será eterno.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 14,21b-27)

A primeira leitura nos traz um relato, aparentemente apressado, da missão de Paulo e Barnabé. Esse é o trecho final da primeira missão deles. Com isso, continuamos a acompanhar o trabalho missionário dos apóstolos, especialmente de Paulo e Barnabé. Nessa leitura são mencionadas pelo menos sete cidades ou regiões.

No caminho, os apóstolos exortam os discípulos a permanecerem firmes na fé. Essa exortação, porém, está ancorada na afirmação: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (v. 22). Tal afirmação só tem sentido se nos remetemos à paixão de Cristo.

Os discípulos seguem seu Senhor, cujo caminho foi de cruz. Sua glorificação foi a exaltação na cruz. O discípulo deve entender que sua vida não será diferente. Ao final, encontramos a “prestação de contas” da missão, com a nota de que tudo que fizeram, na verdade, foi Deus que fez por meio deles. E junto ao “tudo que Deus fizera” está a abertura da porta da fé aos pagãos (v. 27).

2. II leitura (Ap 21,1-5a)

A segunda leitura, tirada do livro do Apocalipse, traz a visão da nova Jerusalém que vem de junto de Deus. De acordo com a leitura, a primeira coisa que João vê é “um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (v. 1). Essa afirmação só tem sentido com o conhecimento do imaginário do mundo antigo, que concebia a criação como domínio do caos primordial, sendo o mar a imagem desse caos, que ameaçava constantemente a criação.

Ao dizer que “o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe”, o autor anuncia uma realidade totalmente nova, que vem diretamente de Deus e, por isso mesmo, é a realidade definitiva.

Nada mais deve nos amedrontar. E a visão continua: “Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para seu marido” (v. 2). A imagem diz muito. Lembra o esplendor de uma festa de bodas. “Esta é a morada de Deus entre os homens” (v. 3): a nova Jerusalém representa a comunhão plena com Deus. Por isso, já não há espaço para dor, sofrimento, lágrimas, pois estas são realidades antigas, fazem parte de um passado imperfeito.

3. Evangelho (Jo 13,31-33a.34-35)

O Evangelho desta celebração tem uma aparência sapiencial em algumas de suas construções. Ele começa pela indicação da saída de Judas do cenáculo, referência velada à traição desse discípulo ao, até então, seu mestre. Até esse momento, não há nada de novo ou de intrigante. A sequência do texto, porém, traz uma mudança na expressão e no conteúdo.

A fala de Jesus parece um enigma. O texto é construído com base nestas palavras: glorificar, Filho do Homem e Deus. A primeira frase está construída com o tempo passado, e a segunda com o futuro. O tema da glória, no Evangelho de João, ocupa praticamente toda a segunda parte e indica que, para o evangelista, a glorificação é uma exaltação “às avessas”, pois remete à paixão do Cristo.

A frase no passado indica que o primeiro ato – no caso, a traição de Judas – já iniciou o processo de glorificação do Filho do Homem e, nele, a do próprio Deus que o enviou. A segunda, no futuro, aponta para o ápice dessa glorificação, que ainda será narrada: a cruz. Novamente, a glorificação do Filho é também a de Deus. Deus e seu enviado estão juntos no momento da exaltação na cruz.

O texto continua e mostra que o Senhor, sabendo que lhe resta pouco tempo com os seus, se despede deles, deixando a seus filhinhos uma “herança espiritual”: o novo mandamento do amor. O amor com que eles deverão amar-se está alicerçado no amor com que o Cristo os amou, e esse amor será também o critério para que se saiba que eles são discípulos de Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O vínculo entre as leituras desta celebração não é facilmente detectável, mas é de uma profundidade impressionante. O sofrimento, a perseguição, a incompreensão e, por vezes, a morte são aquilo que liga o Cristo, crucificado e ressuscitado, com seus discípulos na continuação de sua missão. Todavia, a “paixão” que une o Mestre aos discípulos pela fidelidade a Deus é vista como “glorificação”, exaltação e motivo de alegria.

Essa íntima relação do Mestre com os discípulos se faz perceber também, conquanto seja uma “coincidência litúrgica”, no fato de que a primeira coisa que os apóstolos fazem, na primeira leitura, é exortar à permanência na fé (cf. v. 22). “Permanecer” é verbo caro ao evangelista João, utilizado para falar da relação de intimidade que se estabelece com o Mestre e também com Deus Pai.

A permanência na fé uma vez abraçada tem sua recompensa. Ainda que não seja esse o motivo da sua fidelidade, aqueles que perseverarem gozarão a plenitude da vida, expressa aqui na visão da nova Jerusalém, a realidade totalmente nova que vem de junto de Deus. É a essa realidade nova que devemos aspirar.

Rita Maria Gomes, nj*

*é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]