Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2025 - ano 66 - número 361 - pp. 40-43

5 de janeiro – EPIFANIA DO SENHOR

Por Gisele Canário*

A revelação do mistério divino

I. INTRODUÇÃO GERAL

A festa da Epifania celebra a manifestação de Jesus Cristo ao mundo, simbolizada pela visita dos magos do Oriente. Este evento é uma revelação do mistério divino: Jesus é o Messias não apenas para Israel, mas também para todas as nações. Os textos bíblicos da Epifania nos convidam a refletir sobre a universalidade da salvação trazida por Cristo e sobre o papel da luz divina, que atrai todas as pessoas, independentemente de sua origem.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 60,1-6)

O capítulo 60 integra o núcleo do Terceiro Isaías. Aqui, a busca é por um novo êxodo e uma sociedade nova, e as pessoas se voltam para Jerusalém. No entanto, algo acontece: a elite judaica, apoiada pelos persas, impõe seu projeto de reconstrução do templo e da sociedade teocrática. Nesse momento, o templo e a lei do puro e do impuro imperam, tornando-se meios de arrecadação de tributos para o custeio das autoridades de Jerusalém, aliadas ao Império Persa na opressão e exploração do povo. A grande novidade, contudo, é que o sonho de uma nova sociedade continua vivo, um “novo céu e uma nova terra”, baseados no direito e na justiça. É esse projeto de liberdade que o grupo do Terceiro Isaías procurará manter a partir de agora.

Isaías 60,1-6 é parte de um hino que exalta Jerusalém e a situa como centro religioso e econômico para todos os povos (cf. Is 33,17-24). É uma cidade do futuro, descrita em Isaías 54-55, e será um ambiente de justiça e paz, onde haverá segurança, felicidade e bem-estar, tanto econômicos quanto espirituais. Nessa cidade já não haverá violência nem destruição (cf. Ap 21). É preciso entender que, no contexto dos períodos exílico e pós-exílico, é compreensível o sonho de uma Jerusalém restaurada e tornada centro do universo, mas pregar essa visão atualmente provocaria exclusão e violência.

O que fica desse texto é a ênfase na permanente presença de Deus, que não se restringe a um grupo específico, mas é destinada a toda a humanidade.

2. II leitura (Ef 3,2-3a.5-6)

Em Efésios, grande parte dos membros da comunidade cristã era formada por não judeus convertidos, mas havia também membros judeus que eram antigos tementes a Deus. Isso significa que o problema da relação entre judeus e não judeus ainda persistia. O que muda aqui é que, antes, os judeus viviam distantes e sofriam com a muralha da separação pela lei da pureza; agora, porém, eles são aproximados pelo “sangue de Cristo” (Ef 2,13) para continuar a viver em paz.

No final do século I, as comunidades estavam às voltas com um problema: cristãos influenciados pelas “religiões gnósticas”. A carta aos Colossenses havia alertado: “Tomem cuidado para que ninguém os escravize com filosofias enganosas e vazias [...], que se baseiam [...] não em Cristo” (Cl 2,8). A insistência era apenas no conhecimento da divindade por meio dos esforços humanos, com raciocínios filosóficos. Efésios 3 descreve o mistério de Cristo, o projeto salvador de Deus, por meio do Evangelho. Mostrando o Evangelho como o anúncio da salvação de Jesus Cristo, provavelmente a intenção de Efésios fosse prevenir contra outros evangelhos: o evangelho da pax romana, o do grupo judaizante e o do grupo gnóstico. Estes estavam comprometendo, com suas ações, o jeito de ser dos cristãos, dessa nova comunidade que se empenhava pela fraternidade e pela paz.

Enfim, no trecho deste domingo, Paulo destaca que os gentios estão inclusos no plano de salvação, quebrando a separação entre judeus e não judeus. O apóstolo é prático e afirma que essa inclusão é essencial para quem deseja viver o Evangelho, buscando participar do projeto de Jesus.

3. Evangelho (Mt 2,1-12)

Mateus fala de uma estrela para indicar o nascimento do menino Jesus. Havia uma crença, na perspectiva dos orientais, de que uma pessoa especial nascia quando uma estrela surgia. Com isso, o grupo pertencente às comunidades de Mateus queria dar ênfase ao nascimento de Jesus e à sua importância, mostrando que a presença de Deus conosco pode ser esperança para alguns e ameaça para outros.

Simbolizando as diversas nações, os magos do Oriente saem em busca do Messias. Partem rumo a Jerusalém, o centro político, religioso e econômico da Palestina, com o objetivo de buscar informações sobre o Messias, pois querem homenageá-lo (v. 2). Esse é o tempo em que Roma governa por meio do rei Herodes, que oprimia e marginali- zava o povo. Com a notícia do nascimento de Jesus, Herodes e seu grupo elitista ficam apavorados (v. 3). Os sacerdotes e escribas são convocados para verificarem as Escrituras (v. 4). Eles confirmam, por meio do profeta Miqueias (Mq 5,1), que nasceria em Belém de Judá o rei dos judeus. Logicamente, com essa informação, Herodes se apavora ainda mais, pois o nascimento desse menino é grande ameaça para os opressores do povo.

Por trás dessa história, está a experiência da comunidade de Mateus, que luta por sua libertação (cf. Mt 10,23). Herodes traça um plano e pede aos magos que o mantenham informado sobre o que descobrirem, para que ele também possa prestar homenagem ao novo rei (v. 8). Os magos encontram o me- nino e sua mãe (v. 11). O encontro com Jesus acontece na casa, e nela há lugar para todos.

Os magos presenteiam Jesus, em reconhecimento de que ele é realmente o Messias, justo e misericordioso, rei que, por causa de seu projeto e sua prática em favor da vida, será capaz de morrer, ressuscitar e ser reconhecido por todos como Filho de Deus (Mt 27,54). Os estrangeiros da história de Mateus sabem discernir os sinais. Despistando as elites, os magos voltam para sua terra e cultura de origem por caminhos diferentes (v. 12).

A realeza e a divindade de Jesus são manifestadas desde o início, sendo reconhecidas por gentios que representam as nações do mundo. A atitude de Herodes contrasta com a adoração genuína dos magos. A narrativa sublinha a oposição entre o poder mundano, simbolizado por Herodes, e a verdadeira realeza de Jesus, que se manifesta na humildade e na simplicidade.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A diversidade como dom. A luz de Deus é para todos, não importando a origem étnica ou social ou qualquer diferença em meio à diversidade cultural em que vive- mos. A Epifania nos provoca a reconhecer e acolher a diversidade. Nossas comunidades devem ser espaços inclusivos, onde todos sejam acolhidos.

A busca pelo amor. Os magos representam aqueles que buscam viver intensamente e com muita coragem o projeto de Jesus. Deus se revela a todos os que estão abertos à sua mensagem, independentemente de sua história e trajetória.

Contraste entre o poder que ama e o poder que destrói. As lideranças governamentais e religiosas do tempo de Jesus, cegadas pela busca de status e poder, não reconheceram o Messias. Em contraponto a essa realidade, os magos, simples, buscam algo diferente: Jesus. Essa realidade nos convida a repensar nossas atitudes e prioridades.

O valor da simplicidade. Jesus se revela na simplicidade. A verdadeira grandeza está na capacidade de amar e servir. É protegendo os vulneráveis e marginalizados que reconhecemos a constante presença do nosso bom Deus, que acolhe a todos sem distinção.

A conversão que cura e salva. Quando os magos encontram Jesus, voltam por outro caminho. Ou seja, houve uma mudança de comportamento diante da vida. A Epifania é um convite a abraçar a universalidade do amor de Deus; a viver o projeto de Jesus com coragem e autenticidade; a valorizar a simplicidade e toda forma de vida; a despertar para o cuidado com nosso planeta.

Gisele Canário*

*é mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.