Publicado em novembro-dezembro de 2021 - ano 62 - número 342 - pág.: 56-59
4º DOMINGO DO ADVENTO – 19 de dezembro
Por Izabel Patuzzo
O desafio de Maria
I. Introdução geral
Neste último domingo antes do Natal, o Evangelho nos prepara para sermos testemunhas do nascimento de Jesus, mostrando-nos como reconhecê-lo como o Messias esperado por tantas gerações de Israel. O relato de Lucas nos chama a atenção para a passagem do ministério de João aos eventos precedentes que manifestam a chegada do enviado prometido. O encontro entre Maria e Isabel ressalta a profunda conexão entre o ministério de João e o de Jesus.
No Evangelho segundo Lucas, o Espírito Santo nos ajuda a distinguir e compreender a identidade de Jesus. Isabel descreve Maria como a primeira discípula: “Bem-aventurada és tu que acreditaste, porque se cumprirá o que te foi dito da parte do Senhor” (v. 45). Maria é, para nós, um modelo de fé. Ela foi a primeira que acreditou que Deus cumpre sua promessa; ela permite que, na sua pessoa, a Palavra de Deus se realize. Torna-se portadora da graça de Deus para seu povo.
Na primeira leitura, o profeta Miqueias nos fala do novo tempo que será inaugurado por Deus, o verdadeiro pastor do povo. O texto sugere que Jesus é esse novo e verdadeiro pastor. Ele vem para apresentar a nova proposta de um reinado de paz e de amor. Seu Reino não será construído com base em forças militares; não se assemelha aos poderes políticos deste mundo, mas será construído e acolhido no coração das pessoas.
A segunda leitura nos ensina que a missão libertadora que Jesus veio realizar tem por fim último estabelecer uma relação fraterna e de comunhão entre os seres humanos e de proximidade com Deus. O encontro entre criatura e Criador não será realizado por meio de rituais, mas sim por Jesus, que se encarna no meio de nós.
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (Mq 5,1-4a)
O profeta Miqueias é alguém preocupado com os desvios e pecados de Israel, pois o povo escolhido se afastou de Deus. É nesse contexto que ele dirige uma mensagem de esperança. Miqueias viveu por volta do século VIII a.C., numa realidade em que os pequenos camponeses eram vítimas dos grandes donos da terra. Havia muita disputa pela terra, violência, forte presença militar, altos e excessivos impostos, roubos, trabalhos forçados... Enfim, era um tempo difícil para a maioria do povo.
Entretanto, em meio a toda essa situação de sofrimento, a mensagem do profeta é de esperança. O texto desta liturgia situa-se na segunda parte do livro. A leitura ressalta que Deus é fiel às suas promessas. Miqueias anuncia a chegada de um enviado de Deus; novo futuro desponta para o povo que sofre. O enviado de Deus irá restabelecer a paz. A mensagem profética salienta que há sinais da presença divina em meio ao povo, pois Deus não se esquece de sua vinha, mas ele mesmo é que dela vai cuidar. Ele visitará seu povo escolhido, que renovará a aliança, prometendo nunca mais se separar de seu Deus.
2. II leitura (Hb 10,5-10)
A carta aos Hebreus foi escrita por um autor anônimo, por volta do ano 70 d.C. No século II da era cristã, ela foi atribuída a Paulo, pois seus ensinamentos revelam traços da teologia paulina. A mensagem é dirigida a uma comunidade cristã constituída, na sua grande maioria, por cristãos de origem judaica. Por isso, a carta apresenta Jesus como o sumo sacerdote da Nova e Eterna Aliança, que faz a mediação entre as pessoas e Deus. Fazendo uso de uma linguagem litúrgica, muito familiar ao mundo judaico, o autor, após apresentar Jesus como o sacerdote que expiou todo o pecado do povo, convida a comunidade a exercer sua missão sacerdotal.
Na tradição judaica, fundamentada no Antigo Testamento, a pessoa – para expressar arrependimento, pedir perdão, celebrar a comunhão com Deus, fazer memória dos eventos salvíficos – oferecia um sacrifício de animal por meio de um sacerdote, que fazia a oferta a Deus. No entanto, muitos profetas já haviam dito que tais sacrifícios não tinham valor quando constituíam apenas rituais externos, e não gestos de um coração sincero. O autor da carta exprime um ponto central da fé cristã: Jesus é o verdadeiro sacerdote porque ofereceu a si mesmo como oferta para perdoar nossos pecados. Por sua encarnação e entrega total da vida para realizar a vontade do Pai, redimindo a humanidade, seu sacrifício restabeleceu para sempre a aliança com Deus. O encontro com o Senhor se realiza na prática do amor, numa vida digna de filhos e filhas de Deus, mais do que num ritual que não conduz à prática da justiça.
3. Evangelho (Lc 1,39-45)
O texto do Evangelho do dia tem um significado muito especial para o evangelista Lucas. Sua narrativa retrata a inauguração da fase final da história da salvação: Deus concretiza sua promessa, enviando seu Filho ao mundo. O relato da visitação reúne duas futuras mães, de modo que juntas possam louvar o Deus vivo e atuante na vida de ambas. O filho de Isabel terá a missão de preparar o coração das pessoas para acolher o Messias. Assim como as duas mães têm um relacionamento de parentesco, afetivo e espiritual, também os filhos de ambas terão um relacionamento profundo na história da salvação.
Para Lucas, Jesus é o Deus que une as pessoas, promove o encontro. O primeiro sentimento que a presença de Jesus traz às pessoas é a alegria; aqueles que esperam pela salvação divina têm uma resposta de amor. É a alegria de quem sente que Deus é presente, se faz próximo e não abandona a obra de sua criação. Somente quem olha para a história do povo e vê sua fidelidade pode exultar. Isabel, a exemplo de muitas outras pessoas de Israel, aguardava por sinais do cumprimento das promessas de salvação anunciadas pelos profetas. Isabel e Maria se sentem bem-aventuradas por contemplarem a salvação, por serem instrumentos nas mãos de Deus para a realização dessas promessas. A resposta de Maria será o cântico do Magnificat, por meio do qual ela expressa seu louvor por Deus ter se lembrado da promessa feita a Israel. Chegou o tempo da libertação, da salvação.
O diálogo de Isabel e Maria faz memória das Escrituras no que se refere à fidelidade amorosa do Senhor, que sempre acompanha seu povo. A alegria de Isabel, Maria e João no ventre materno é uma resposta apropriada daqueles que conseguem discernir o cumprimento da promessa de Deus em Jesus. A presença de Jesus neste mundo é claramente a concretização das promessas de salvação realizadas por Deus em favor de toda a humanidade. Com a vinda de Jesus, anuncia-se o fim da opressão, da injustiça, da fome e de todos os sofrimentos que roubam a alegria dos que temem a Deus.
III. Pistas para reflexão
A presença de Jesus na vida das pessoas é sinal de alegria, de cumprimento das promessas divinas; transforma realidades de sofrimento em esperança, fraternidade, justiça e diálogo. Jesus, ao nascer entre nós, teve como missão trazer a paz, a justiça, a solidariedade, a partilha, o acolhimento. Como sermos portadores dessa Boa Notícia aos outros? Seguindo o exemplo de Maria, como levá-la aos outros? Como a presença de Jesus em nossa vida pode nos ajudar a ser pessoas que dialogam com os outros, pondo-o no centro de nossos diálogos?
Assim como João Batista estremeceu de alegria no ventre de Isabel com a chegada de Jesus, muitas pessoas esperam ansiosamente pela visita de Deus na própria vida. Somos o rosto de Jesus neste mundo. Como levamos essa Boa Notícia àqueles que nos rodeiam, que fazem parte de nossa vida?
Em um contexto sociocultural patriarcal – que tratava as mulheres como seres inferiores, sem direito à mesma dignidade que os homens e postas à margem em tantos aspectos –, por meio da fragilidade de uma mulher, Maria, a salvação é oferecida à humanidade, porque o projeto de Deus para libertar a humanidade oprimida pelo pecado tem caminhos diversos dos caminhos humanos. Os limites e fragilidades daqueles que acolhem a proposta divina não são empecilhos para o Senhor realizar maravilhas.
Maria se apresenta como instrumento nas mãos de Deus; permite que o Senhor cumpra, na sua pessoa, as promessas anunciadas pelos profetas. Que, a exemplo de Maria, possamos ter um coração generoso, disposto a dizer a Deus: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”.
Izabel Patuzzo
pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]