4º DOMINGO DA QUARESMA – 27 de março

I. INTRODUÇÃO GERAL

Hoje celebramos o domingo Laetare, uma alegria em meio à observância quaresmal. A penitência cristã não é um fim em si mesma, mas deve levar à felicidade e à exultação, frutos do Espírito de Deus. Nosso itinerário quaresmal conduz a uma vida melhor, mais plena e realizada, conforme o Evangelho. Uma penitência que fecha a pessoa em si mesma não é inspirada por Deus.

O episódio da primeira leitura ocorre na Terra Prometida, com o entusiasmo de nova realidade, diferente daquela da escravidão do Egito. O povo celebra a Páscoa e se alimenta do pão novo dado por Deus. Paulo, na segunda leitura, trata de novidade que acontece na pessoa humana, e não em um lugar. Cristo faz novas todas as coisas, reconciliando-nos com Deus. No Evangelho, temos uma das cenas bíblicas mais conhecidas, o “filho pródigo”, que se alegra por voltar aos braços do pai e tornar a viver.

O tempo quaresmal não pode se caracterizar por tristeza, sofrimento e mera recordação do pecado, pois é celebração da ação misericordiosa de Deus no ser humano. Por isso, haja mais risos do que prantos, mais festejos do que lamentos e mais comunhão e partilha do que isolamento. Deus nos ama e nos perdoa. Ele é a causa da nossa alegria!

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Js 5,9a.10-12)

As primeiras leituras dos domingos da Quaresma no Ano C seguem a ordem cronológica da aliança de Deus com o povo. Passamos por Abraão e Moisés e, neste dia, lemos um relato que se passa com Josué na nova terra dada por Deus.

Após a circuncisão dos israelitas em Guilgal (Js 5,2-9), eles finalmente “repousam” no lugar e se instalam definitivamente, gozando do dom de Deus (Js 5,8). Então, o Senhor diz a Josué que livrou Israel da desonra do Egito (v. 9a) e, finalmente, o povo se encontra numa situação digna, conforme a promessa feita aos antepassados. Aqueles que viveram a opressão dos egípcios experimentaram a força libertadora de Deus, mas ficaram no deserto e não desfrutaram do novo lugar. Os que entram na Terra Prometida constituem um povo renovado.

Para recordar as maravilhas de Deus, celebra-se a Páscoa (Ex 12,1-14), desta vez nas planícies de Jericó (v. 10). No dia seguinte à festa, o povo se alimenta do pão e do trigo do novo lugar, representando as primícias e indicando que os israelitas verdadeiramente se fixaram na terra nova.

O maná, alimento dado por Deus no deserto (Ex 16,35), cessou quando o povo provou dos novos alimentos na Terra Prometida. Portanto, a etapa da travessia fora vencida e já se podia experimentar a realidade nova. Depois de tantas pelejas e provações, os hebreus podiam comemorar a conquista e perceber a fidelidade de Deus a eles.

Na celebração deste domingo, não entramos em nova terra, mas em nova condição, se nos deixamos conduzir por Deus. Adentramos na comunhão com ele por seu amor e perdão. Não se trata de um lugar, mas de uma experiência de fé. A alegria deve ser celebrada sempre.

2. II leitura (2Cor 5,17-21)

O motivo da alegria, na segunda leitura, é a reconciliação com Deus. Se, na primeira leitura, se celebrava por causa da nova terra, no texto aos coríntios se destaca a nova condição humana para quem está em Cristo. Uma realidade renovada se apresenta, superando as coisas antigas (v. 17).

Logo Paulo explica o processo pelo qual o amor salvador de Deus atinge as pessoas. Deus é o autor e o princípio da reconciliação (v. 18), que age por meio de Cristo. O apóstolo exerce seu ministério proclamando essa ação divina nas pessoas que se deixam reconciliar. Ele se diz um “embaixador” de Deus, pois o próprio Senhor o exorta para tal finalidade (v. 19-20). Os ministros da comunidade cristã eram continuadores da missão realizada por Jesus (1Cor 1,17; Rm 10,15).

Por fim, Paulo apresenta o papel de Cristo na obra reconciliadora de Deus (v. 21). Embora Jesus seja reconhecido como sem pecado (Hb 4,15; 1Pd 2,22; Jo 8,46; 1Jo 3,5), torna-se parte da humanidade pecadora para vencer o próprio pecado na sua fidelidade ao Pai (v. 19). A palavra “pecado” pode ter, nesse contexto literário, o sentido de “sacrifício pelo pecado” (Lv 4,1–5,13). Sendo assim, Cristo expia, em sua doação de si a Deus e à humanidade, as infidelidades humanas.

A novidade da obra reconciliadora de Deus na pessoa humana não poderia ficar contida. Ela deve ser comunicada e gerar novo modo de viver. Quem experimenta a Boa-nova de Cristo se dispõe a relações humanas mais fraternas, justas e livres. Portanto, nossa alegria não nos isola, mas nos desloca para vivê-la em comunidade. 

3. Evangelho (Lc 15,1-3.11-32)

A alegria contida no Evangelho deste domingo se encontra narrada em uma parábola. Lucas tem preferência pelo tema da misericórdia em seu escrito, e o episódio em foco é considerado um dos prediletos por muitas pessoas.

A passagem começa com uma introdução literária para melhor compreensão do que será contado (v. 1-3). De um lado estava Jesus, com seu jeito de ser, de passar pelos lugares e se relacionar com os excluídos da sociedade: coletores de impostos, prostitutas, pecadores, soldados etc. Todos queriam ouvi-lo e acompanhá-lo, pois sua presença agradava, fortalecia, aliviava. Já os fariseus e escribas, estando do “outro lado”, murmuravam como o povo no deserto, odiavam Jesus até a morte e tramavam uma maneira de eliminá-lo.

A parábola que Jesus conta é a de um pai com dois filhos (v. 11). O mais jovem dos filhos se aproximou e pediu-lhe sua parte na herança. Conforme o costume judaico, o filho mais velho ficaria com os direitos da casa paterna (propriedades, bens etc.), enquanto os mais jovens receberiam uma porção menor e teriam de se arranjar fora de casa. O pai assim fez, e o filho partiu para uma terra distante, aventurando-se na sorte (v. 13). Ele se entusiasmou com aquela possibilidade e foi esbanjando todo o dinheiro.

O tempo foi passando, veio a fome à região em que o filho mais jovem habitava, e ele passou por privações (v. 14). Desesperado, para não morrer de fome, empregou-se como criador de porcos. No entanto, a carestia era tanta, que nem sequer conseguia comer os alimentos dos animais. Em meio à angústia e à desolação, momento favorável para bons questionamentos, o filho cai em si, pensa mais seriamente sobre o sentido da vida e em alguma solução que poderia adotar. Então, recorda-se da casa do pai, onde os empregados comiam com fartura, e decide voltar, para ser tratado ao menos como um desses empregados (v. 18-20). Já seria uma situação de maior dignidade do que aquela em que ele se encontrava.

O filho ainda estava longe quando o pai o viu. Este correu ao seu encontro, encheu-se de compaixão e cobriu-o de beijos. De acordo com o que pensara, o filho que retornava para casa faz sua confissão de pecado contra Deus e contra o pai e pede que seja tratado como um empregado (v. 21). Surpreendentemente, o pai não age como o esperado, com punições ou revolta contra o filho, mas o trata com honras (melhor túnica, anel nos dedos e sandália nos pés) e manda preparar uma festa, porque o filho estava morto e voltou a viver (v. 24).

O filho mais velho surge na narrativa contrariado com o que estava se passando. Ele trabalhava no campo e ouviu as músicas e a agitação de festa quando se aproximou de casa. Conforme lemos: ele ficou com muita raiva e não queria entrar; seu pai saiu para pedir que entrasse na festa (v. 28). O filho mais velho resistia ao apelo paterno e se vangloriava porque trabalhava havia muito tempo com o pai, fazendo economia, sem nunca o ter desrespeitado em nada, e ainda assim nunca tivera um cabrito para festejar com os amigos (v. 29).

A parábola se encerra com a atitude do pai (v. 31-32). Ele não se zanga com o filho mais velho, nem discute com ele. Prefere sublinhar sua relação íntima e única com os filhos, ora o mais novo (v. 20-22), ora o mais velho (v. 31). O pai continua paciente e benevolente, mas, ao mesmo tempo, não cede em nada. Diz ser preciso festejar e alegrar-se.

É evidente a alegria da acolhida pelo retorno do filho mais novo, apesar de o mais velho não compreender bem. Embora haja inúmeros detalhes do texto a destacar, a mensagem do Evangelho é a misericórdia de Deus e a alegria que ela provoca.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Neste domingo da alegria, cabe destacar esse aspecto da fé cristã e aproveitar as leituras para proclamar que Deus se alegra conosco, como o pai da parábola. Muitas vezes, o discurso cristão se fixa nas exigências e na severidade, esquecendo-se da beleza e do júbilo – valores estes que não são pretexto para descompromissos.

A Eucaristia pode ser pensada como grande banquete preparado por Deus para nós. Somos filhos e filhas que nos distraímos do amor, tomamos descaminhos, experimentamos desamores e sempre temos mais uma chance para retornar aos braços do Pai. Ele não nos pune, mas se dispõe a nos encontrar, acolhe-nos em seu abraço e festeja o retorno. Celebremos com alegria a misericórdia de Deus por nós todos e não nos fechemos, enciumados ou preocupados com tantas tarefas. A festa é disposta a quem deseja se saciar do corpo e sangue de Cristo.

Assim como nos alegramos, comuniquemos aos outros o que festejamos. Há muitos entristecidos e abatidos por diversas razões. A alegria do Evangelho deve ser transmitida a quem precisa.

Marcus Mareano

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]