Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2024 - ano 65 - número 358 - pp.: 51-54

4 de agosto – 18º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Marcus Mareano*

Alimentar-se com o pão da vida

I. INTRODUÇÃO GERAL

Iniciamos o mês de agosto, o qual, para a Igreja no Brasil, é dedicado às vocações. Toda vocação é um chamado de Deus a algo. Fomos chamados à vida, à fé em Cristo, à santidade, e ainda somos chamados continuamente para novas missões. Que apelos do Senhor você tem sentido?

As leituras evocam a imagem do pão, alimento básico humano para muitas culturas. Deus deu um pão no deserto para o povo saciar a fome e seguir adiante até a Terra Prometida (primeira leitura). Jesus dá um pão superior, sua própria vida, que sacia para sempre e conduz à eternidade (Evangelho). A pessoa nova em Cristo, alimentada por esse pão, deve viver distante da velha vida e renovar-se continuamente (segunda leitura).

Qualquer vocação nasce da escuta e é alimentada na Palavra e na Eucaristia. É tempo de reservar-nos para um exercício de silêncio e acolhida da vontade de Deus em nós. A chama do seu amor não pode se apagar, pois é dela que nasce o ardor para o servir e o cuidar dos outros.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ex 16,2-4.12-15)

O livro do Êxodo narra a libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Nessa travessia, a partir dessa experiência de fé, aquelas pessoas se constituem como o povo de Deus. O episódio do maná, na primeira leitura deste domingo, demonstra a ternura e o cuidado de Deus com o povo eleito.

A leitura se inicia com a ambientação da narrativa (v. 2-3). O povo se encontrava no deserto, percorrendo-o com confiança na promessa de Deus. No entanto, as pessoas se cansaram e começaram a murmurar contra Moisés e Aarão. Diziam ser melhor terem morrido escravas no Egito, onde tinham alimentos, do que perecerem no deserto. A reclamação por comida comportava também uma ingratidão à ação divina e uma nostalgia pela vida velha.

Deus respondeu ao clamor do povo. Prometeu um “pão do céu” para o povo recolher e se alimentar. Então, foram dadas as orientações sobre como aconteceria essa “prova” do Senhor para seu povo (v. 12-15). Os israelitas se fartariam do alimento oferecido por Deus por meio das codornizes, diariamente. Não se sabia muito bem o que era. Tratava-se de algo misterioso, quase instantâneo, que satisfazia os famintos. O importante era compreender que aquilo constituía “o pão que o Senhor deu para comer” (v. 15).

Esse alimento dado por Deus no deserto ainda é provisório e sustenta apenas por um tempo breve. Outro alimento superior será apresentado e alimentará eternamente, como verdadeiro alimento. O maná é apenas sombra de uma realidade maior, apresentada por Jesus.

2. II leitura (Ef 4,17.20-24)

As orientações práticas da segunda parte da carta aos Efésios continuam (Ef 4,1-6,20). Os costumes e as práticas pagãs anteriores à fé em Cristo parecem influenciar ainda o comportamento dos efésios. A experiência de fé deve levar a viver de novo modo.

O texto possui a terminologia de uma catequese batismal semelhante a Cl 3,1-17. A comunidade se distanciava dos ensinamentos principais do início da conversão. Diante disso, o autor afirma que a verdade está em Jesus (v. 21) e, portanto, os outros ensinamentos que se infiltram na comunidade são mentirosos, geradores de confusão e divisão.

Na sequência, lemos a orientação para a renúncia às coisas velhas (v. 22), a necessidade de renovação interior (v. 23) e a ordem para revestir-se da novidade evangélica (v. 24). Esses versículos demonstram um programa de vida cristã, que não se aplica apenas aos neófitos, mas destina-se sobretudo aos que caminham há mais tempo no seguimento de Jesus e esfriaram o compromisso de fé. Tanto assim que os primeiros destinatários se compunham de pessoas mais experientes, que voltavam às práticas pagãs.

Nessa leitura se contrapõem o antigo e o novo, a vida velha no paganismo e a novidade da experiência com Cristo. Essas realidades se fazem também presentes em nós e precisam ser percebidas e integradas. A liturgia constitui um momento oportuno para uma autoavaliação.

3. Evangelho (Jo 6,24-35)

O discurso do “pão da vida” se inicia após o episódio da caminhada sobre as águas (Jo 6,16-21). Jesus desenvolve e explica o significado do “sinal do pão” (Jo 6,1-15), ensinando sobre sua identidade de Filho enviado do Pai.

A multidão segue Jesus e chega até ele em Cafarnaum. As pessoas perguntavam espantadas quando Jesus havia chegado (v. 24-25). O mistério em torno de sua identidade permanecia e se complementava com sua resposta, que denunciava a procura de muitos não por terem visto sinais, mas porque encheram a barriga de pão. Eles perceberam o milagre apenas como meio para saciar a fome, e não como sinal de algo além. Não entenderam que era uma manifestação da presença de Deus por meio da distribuição realizada por Jesus.

Em seguida, Jesus lhes ensina o significado do seu sinal (v. 27). Devem empenhar-se pelo alimento que não se acaba como o maná e é oferecido pelo “Filho do Homem”. Esse título é uma maneira comum na Bíblia de se referir a um ser humano qualquer (p. ex., Ez 2,1), mas, na boca de Jesus e dos evangelistas, quase sempre lembra a visão em Dn 7,13-14, em que aparecem primeiro os reinos deste mundo, representados por quatro feras, e, depois, o Reino de Deus, representado por um ser humano. No tempo de Jesus, acentuava-se muito que esse Filho do Homem tinha autoridade para proferir o juízo em nome de Deus.

Aquelas pessoas que seguiam Jesus perguntaram-lhe sobre as “obras de Deus” (v. 28). Sua resposta foi que a “obra” que agradava a Deus era acreditarem naquele que ele havia enviado. Há um jogo de palavras e de compreensão, pois os interlocutores perguntavam no plural e Jesus respondia no singular. Eles pensavam nas ações, e Jesus pedia uma atitude de fé (v. 29).

A seguir, Jesus foi questionado a respeito de suas obras e de qual sinal daria (1Cor 1,22). Os antepassados comeram o maná no deserto (Sl 78,24; Ex 16,15), alimento que legitimava a atuação de Moisés (e Aarão) como enviado por Deus. Agora, eles pediam uma prova da autoridade de Jesus, apesar de terem presenciado, no dia anterior, um sinal que deveria falar por si. Logo, não compreenderam bem o gesto do pão.

A resposta de Jesus apela para uma autoridade superior à de Moisés. O Pai foi quem deu aquele alimento no deserto e continua a dar um “pão verdadeiro” vindo do céu. O novo “maná” que Jesus tenta explicar dá vida ao mundo. Chegou o tempo de um pão que gera vida eterna sem a mediação de Moisés.

Novamente, há o desentendimento entre Jesus e seus interlocutores. Ele falava de um pão metafórico, e os ouvintes entendiam outro pão, o material. Por isso, Jesus fala explicitamente: “Eu sou o pão da vida” (v. 35). Quem se aproxima dele sacia a fome e a sede que nada nem ninguém pode saciar. Trata-se da eternidade, que nenhuma matéria pode satisfazer.

Há uma pedagogia de Jesus no ensinamento deste domingo. Ele parte de um evento vistoso e abundante para explicar uma realidade silenciosa, misteriosa e oculta. Enxergar a fartura dos pães não é o suficiente; é preciso reconhecer que Jesus é o verdadeiro “pão do céu” enviado por Deus para a salvação da humanidade. É necessário passar do evento à fé em Deus, que atua na história humana.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Que alimento temos buscado em nossa vida? Quais são nossas fomes e sedes? A liturgia deste domingo propõe um alimento para a vida eterna.

Apegamo-nos a tantas coisas materiais e passageiras e nos esquecemos da presença de Deus. Ele está por trás de tudo, sempre junto de nós, sustentando-nos nas alegrias e nas tristezas, nos sofrimentos e no gozo, nos problemas e nas soluções, nas conquistas e nas comemorações. Se ele está nos bons momentos da vida, mais ainda permanece conosco nos desafios cotidianos.

Quando Deus deu o pão para que aquele povo se alimentasse, queria alimentar muito mais que o estômago. Queria dar o conforto por meio da presença, do carinho, do amor, da entrega, da revelação de quem ele era. Jesus deu àquele povo um pão comum, mas afirmando que era Ele o pão da vida! Da mesma maneira, nossa fome de vida encontra saciedade em Jesus.

Os ministros ordenados, recordados neste domingo, exercem o serviço de transmitir a presença de Deus por meio de seus gestos, entre os quais a distribuição do pão da vida. Eles oferecem uma matéria que representa algo eterno. Receber o “pão da vida” significa também tornar-se pão, preparado, abençoado, partilhado e distribuído para saciar a fome de muitas pessoas.

Pe. Marcus Mareano*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte, doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) e pela Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven). Professor de Bíblia em alguns seminários. No momento, desenvolve uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven).