Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 49-51

3º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 23 de janeiro

Por Izabel Patuzzo

Tuas palavras, Senhor, são espírito e vida

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste domingo nos fazem o convite para que, em nível pessoal e comunitário, a Palavra de Deus seja o centro de nossa vida. O povo de Deus sempre se nutriu da Palavra de Deus e por ela se orientou. Para a comunidade cristã, as Escrituras não são um livro de doutrinas, mas um caminho de vida, exatamente como nos apresenta esta liturgia. Essa é a mensagem do anúncio libertador de Jesus na sinagoga de Nazaré, no início de sua vida pública.

A primeira leitura nos apresenta um texto do livro de Neemias no qual a comunidade dos fiéis é reunida em torno da Palavra de Deus. Com o exílio na Babilônia, os israelitas se dispersaram; após a destruição do templo, a comunidade perdeu a liberdade de se reunir ao redor da Palavra. Com o retorno dos exilados, a vida comunitária começa a ser reconstruída, tendo por base a proclamação da Palavra. A força geradora da Palavra de Deus traz esperança e alegria para a comunidade dos fiéis no pós-exílio. A reconstrução do povo se faz por meio do compromisso assumido diante das Escrituras, proclamada de viva voz para todos.

Na segunda leitura, vemos que a comunidade de Corinto nasce e se alimenta da Palavra que Paulo anuncia aos irmãos e irmãs. O apóstolo orienta a comunidade a superar todas as formas de divisão por meio da Palavra. Não sendo possível estar presente em pessoa, ele se comunica por intermédio de uma mensagem escrita, como forma de falar à comunidade, exortando-a à unidade, à comunhão e ao serviço.

O Evangelho combina duas passagens separadas do início do Evangelho segundo Lucas. Os primeiros versículos nos fazem conhecer o objetivo do relato de Lucas: dar testemunho da fé em Jesus Cristo ao enigmático Teófilo, nome que significa “amigo de Deus”. Na visão do evangelista, todo aquele que acolhe seu testemunho de Jesus Cristo é um amigo de Deus. A segunda parte da leitura nos apresenta Jesus em seu primeiro discurso na sinagoga de Nazaré. Ao proclamar um texto de Isaías, ele faz o anúncio profético e libertador acerca de sua missão.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ne 8,2-4a.5-6.8-10)

A primeira leitura retrata o período do pós-exílio, entre os séculos V e IV a.C. Os habitantes de Jerusalém e seus arredores ainda contemplavam a destruição da guerra. Era um tempo de miséria e desolação. O povo de Deus estava desorientado e com dificuldades de reconstruir a vida em todos os sentidos. A comunidade dos fiéis se enfraqueceu e se desorganizou com a destruição do templo. Neemias nasceu no exílio e, como judeu, serviu como alto funcionário na corte de Artaxerxes, rei da Pérsia. Ele alcançou o privilégio de ter um cargo de confiança na corte e gozar de boa relação diplomática com o rei. Isso lhe permitiu expressar sua preocupação com seu povo e o desejo de colaborar com o projeto de reconstrução do novo rei. Artaxerxes se apresentou mais respeitoso com as colônias, atribuindo cargos de confiança aos povos que lhe eram submissos.

Neemias recebeu a autorização para visitar Jerusalém e contribuir para a reconstrução da cidade e do templo como emissário do rei da Pérsia, que havia conquistado o território da Palestina, derrotando a Babilônia. É nesse contexto que Neemias reúne os israelitas ao redor do que tinham de mais sagrado: as Escrituras. Ele reúne o povo na praça, pois o templo estava em ruínas, e faz a leitura de textos da Lei, recordando que Deus estabeleceu com Israel uma aliança que não se rompeu com o exílio. A mensagem central do texto é recordar que a Palavra de Deus tem um lugar central na comunidade dos fiéis. É dela que a comunidade deve se alimentar, e com base nela é que deve buscar respostas para se organizar e reconstruir Jerusalém, o templo e a si própria.

2. II leitura (1Cor 12,12-30)

A segunda leitura da liturgia deste dia é a continuidade do texto lido no domingo passado. Para falar da importância dos carismas na comunidade cristã, Paulo recorre a uma comparação alegórica com o corpo humano. Ele recorre à imagem dos diversos membros que formam o corpo, os quais, na sua diversidade de funções, formam uma unidade. Da mesma maneira que todos os membros do corpo são essenciais e a falta de um só deles faz todo o corpo sofrer, assim ocorre na comunidade, onde a diversidade dos carismas concorre para o bem de todos. Não existe hierarquia entre os carismas. Todos são dons do Espírito Santo para a riqueza e o crescimento da comunidade. Por isso, a diversidade dos carismas e serviços na comunidade não deve ser motivo de competição, mas de ajuda mútua para o bem de todos.

A comunidade cristã, como corpo de Cristo, é uma comunidade de irmãos e irmãs que recebem os dons do Espírito Santo para serem partilhados na fraternidade. Sendo ela plural, no sentido de haver uma diversidade de funções, todos os membros são chamados à corresponsabilidade, à solidariedade e ao serviço mútuo. A mensagem central do texto é a unidade na diversidade. O apóstolo dá um destaque especial aos carismas relacionados com o anúncio e o ensinamento da Palavra, como os de profetas, apóstolos e doutores. Assim, Paulo recorda que a comunidade nasce e cresce ao redor da Palavra e todas as funções devem ser exercidas no equilíbrio e na harmonia, assim como vivem os membros do corpo.

3. Evangelho (Lc 1,1-4; 4,14-21)

Os dois trechos do Evangelho deste domingo pertencem à primeira seção do relato de Lucas sobre a vida e a obra de Jesus. Nos primeiros quatro versículos, o evangelista esclarece que o objetivo de sua narrativa, endereçada a certo Teófilo – que pode ser qualquer leitor, de qualquer tempo –, é apresentar a vida e a obra de Jesus Cristo. A segunda parte da leitura descreve a atuação de Jesus na sinagoga de Nazaré, no início de sua vida pública, logo depois de vencer as tentações no deserto. Jesus toma o rolo do livro do profeta Isaías que lhe foi entregue e proclama exatamente o texto que define sua missão. Ele evidencia que sua obra está em continuidade com esse anúncio profético; portanto, com o que já havia sido anunciado nas Escrituras.

Por meio de uma citação do profeta Isaías, Jesus anuncia que seu ministério inclui a boa notícia da salvação para os pobres, a redenção dos cativos, a recuperação da vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos e a proclamação do ano da graça, com o perdão de todas as formas de dívidas. Como todos os judeus piedosos de seu tempo, Jesus frequentava a sinagoga, a casa da Palavra para a comunidade dos fiéis. E nesse ritual comum da leitura da Lei e dos Profetas, seguida da explicação dos mestres, Jesus segue a tradição das sinagogas, instruindo seus ouvintes acerca de sua missão, que era cumprir as Escrituras.

Ao apresentar o programa de Jesus, Lucas descreve o início da sua missão, nas periferias da Galileia, e depois a conclusão dela em Jerusalém. O projeto libertador de Jesus está em conformidade com as promessas divinas, anunciadas pelos profetas nos tempos antigos. Jesus leva a pleno cumprimento todas as profecias acerca do Messias enviado. Ele tem plena consciência de que é ungido e conduzido pelo Espírito Santo. Dessa forma, Lucas recordará tudo que sucede a esse anúncio profético. O que Jesus proclama na sinagoga de Nazaré se tornará realidade. Ele cura os doentes, acolhe e perdoa os pecadores, liberta toda sorte de marginalizados, como as mulheres, os considerados impuros e os estrangeiros.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O texto do Evangelho deste domingo é uma preparação para compreender todas as ações e ensinamentos de Jesus na perspectiva da comunidade lucana. Nossas comunidades já conhecem a essência do projeto de Jesus, mas têm muitas dificuldades de pôr em prática sua proposta de vida. As formas de opressão, marginalidade e abandono dos pobres continuam a se multiplicar pelo mundo afora. A libertação que Jesus veio trazer continua tão necessária como no seu tempo. O anúncio profético da sinagoga de Nazaré deve nos interrogar: Quais situações à nossa volta oprimem as pessoas? Como acolhemos o pobre, o estrangeiro migrante, os doentes que carecem de tratamento digno, os órfãos abandonados, sobretudo pela situação de pandemia?

Todo batizado é chamado a percorrer o caminho de fidelidade trilhado por Jesus. A missão do cristão consiste em abraçar o mesmo projeto de Jesus ao longo da história. O papa Francisco lembra as crianças e os idosos abandonados pela sociedade; os migrantes que não sabem para onde se dirigir porque falta acolhida e solidariedade. Existem também aqueles que vivem nas prisões das drogas, do álcool, do tráfico humano. Essa mensagem é dirigida aos discípulos de todos os tempos. Como expressamos nossa preocupação e envolvimento com a libertação de tantos irmãos e irmãs oprimidos de tantas maneiras? O que posso fazer de concreto para continuar a missão libertadora de Jesus hoje?

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]