“Alegrai-vos, o Senhor está próximo”: esta é a mensagem de esperança que ecoa neste terceiro domingo do Advento (II leitura). Alegria que nasce da certeza de que Deus nos perdoa e nos liberta do mal. Alegria porque aquele que esperamos já está conosco. Assim, diante das dificuldades, da angústia, da preocupação, possamos nos deixar contagiar pelo apelo do profeta Sofonias, que nos exorta a não temer e não nos deixarmos levar pelo desânimo (I leitura). Por outro lado, como nos recorda João Batista, não há alegria profunda sem o retorno a Deus de todo o coração, sem nos deixarmos conduzir por Ele (evangelho).
II. Comentário dos textos bíblicos- I leitura: Sf 3,14-18a
O texto da primeira leitura de hoje é atribuído a Sofonias, mas, conforme os estudiosos, Sf 3,9-20 foi inserido posteriormente no livro desse profeta, tendo sido escrito provavelmente por um discípulo dele, possivelmente no final do século VI e início do século V a.C. Os verbos utilizados para expressar a alegria (v. 14) são típicos dos anúncios de salvação. De fato, essa salvação será anunciada nos vv. 15.17, que descrevem as razões para tal alegria. O convite a esta é motivado pela ação de Deus de reunificar os israelitas dispersos e restaurar Jerusalém. Sua finalidade é animar um pequeno resto, que sobreviveu à destruição e agora, sustentado por Deus, tem a possibilidade de construir nova sociedade. O primeiro verbo, “canta de alegria”, no v. 14, é típico do contexto cultual (cf. Lv 9,24; Sl 71,23; 98,4; 95,1). Esse verbo, em hebraico, geralmente expressa a alegria pelo retorno do exílio, tem como contexto a confirmação da soberania divina e, ao mesmo tempo, cria a expectativa pela imediata irrupção do reinado universal de Deus, conforme podemos perceber no v. 15, que afirma que o rei de Israel é o Senhor.
O verbo “rejubila”, no v. 14b, também pode ser traduzido pelos verbos “gritar” e “aclamar” e é utilizado para expressar a alegria pela vitória contra o inimigo, a qual será outro motivo para o júbilo no v. 15. Outras razões são a revogação da sentença que Deus tinha decretado contra alguns moradores de Jerusalém (cf. Sf 3,8) e a reedificação do Templo. Tais motivos são a garantia de que o povo não verá mais a desgraça. O motivo principal, porém, é a presença do Senhor no meio do povo como rei de Israel (v. 15b).
O título de rei atribuído a Deus é típico do período exílico e pós-exílico, como uma crítica à queda da monarquia davídica (cf. Sl 89), à infidelidade dos líderes (reis) e à ruptura da aliança estabelecida com Ele. Assim, Deus assume o papel de rei e é visto como aquele que age contra os adversários internos e externos (rei-guerreiro, v. 17) de seu povo e como aquele que restabelece a ordem social e ética. A realeza do Senhor, nos textos bíblicos, une-se, por conseguinte, às suas manifestações salvíficas (defesa contra os adversários externos e salvação) e ao controle das forças hostis (v. 15). Ao proclamar essa realeza, o texto anuncia a inconsistência do agir dos opressores. Alude também à necessidade do reconhecimento da soberania do Senhor na história, não somente sobre Israel, mas sobre todas as nações e em todos os âmbitos (religioso, político, social).
A exortação a “não temer” visa a animar e encorajar o povo, partindo da confiança na presença, na proteção e na ação salvífica (vv. 16-18), pois os pobres serão governados por Deus, que também será seu defensor (guerreiro). Ele realizará tudo isso por amor, porque deseja estabelecer com o povo nova aliança (vv. 17-18a), por fidelidade às promessas. Desse modo, ele também é o esposo que renova seu amor para com seu povo, e por isso será um amor permanente.
- Evangelho: Lc 3,10-18
A passagem do Evangelho segundo Lucas dá continuidade à narrativa do domingo passado, quando o autor introduz João Batista e sua missão de preparar a vinda do Messias, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados e anunciando a salvação de Deus.
Nos vv. 10-18, várias categorias de pessoas (a multidão, os cobradores de impostos, os soldados) vão até João Batista e perguntam sobre o que é necessário fazer. João Batista não pede que façam penitência, práticas ascéticas, ritos especiais, e sim que tenham uma vivência autenticamente humana, baseada em valores éticos, como a solidariedade, a justiça, a partilha, a comunhão dos bens, o não abuso de poder. A primeira instrução dirigida à multidão acentua o amor para com o próximo, baseado em Is 58 e Ex 22,25.
Os cobradores de impostos eram vistos como aqueles que contribuíam para manter o poder e a riqueza do império romano, por isso eram discriminados, considerados ladrões e injustos. Assim, João os exorta a não aproveitar do trabalho que realizam para enriquecimento injusto.
Os soldados recebem três recomendações: não tomar à força dinheiro de ninguém, não fazer falsas acusações (não caluniar as pessoas) e se satisfazer com seu salário, ou seja, não abusar do seu poder e estar satisfeitos com a sua porção.
Diante da pregação e da ação de João Batista, o povo se pergunta se ele não seria o Messias, mas João nega e responde, apresentando as características do verdadeiro Messias (vv. 16-17). No v. 16, anuncia a vinda iminente do Messias e o caracteriza como o “mais forte”, designação que qualifica Deus em Dt 10,17, 2Mc 1,24 e Ap 18,8. Provavelmente, João Batista concebe a vinda do Messias como uma intervenção divina, manifestada pelo envio de um ser celeste ou de um mensageiro (um profeta ou um descendente de Davi).
A expressão “não sou autorizado (não tenho a capacidade de exercer o direito) a desamarrar a correia de suas sandálias” é jurídica e refere-se à lei do levirato (cf. Dt 25,5-10; Rt 4; Is 54). João Batista está afirmando que ele, por não ser o Messias, não é o esposo detentor do direito de assumir a noiva (comunidade) para estabelecer com ela nova aliança (I leitura). A pessoa autorizada para exercer tal direito, por ser o esposo legítimo, é Jesus. Portanto, para João Batista, o Messias vem como esposo para renovar a aliança com o povo.
A segunda característica do Messias é que ele batizará no Espírito e no fogo. Há duas possibilidades de interpretação dessas palavras de João Batista. A primeira as considera como uma alusão aos juízos de salvação ou de condenação. A salvação seria representada pelo envio do Espírito de Deus ao coração das pessoas para renová-las por dentro. O fogo devastador seria uma referência ao juízo de condenação. Essa compreensão do v. 16 é reafirmada com as imagens da “pá na mão” para limpar a eira, recolher o trigo e queimar a palha, no v. 17. A segunda interpretação compreende o batismo no Espírito e no fogo como alusão ao batismo cristão, ao considerar a presença dessas imagens em Pentecostes (cf. At 2,3). Desse modo, o v. 17 seria uma advertência ao cristão para produzir frutos (cf. Sl 1,4-5; Ml 3,19; Is 4,4), a fim de sublinhar a seriedade da conversão e a novidade do batismo cristão.
- II leitura: Fl 4,4-7
Na passagem da segunda leitura de hoje, Paulo, inicialmente, renova o convite à alegria, um dos temas principais da carta aos Filipenses (cf. Fl 1,18; 2,17.18.28; 3,1). A alegria no Senhor é aquela vivida e fundamentada na experiência de comunhão com Cristo, não obstante o sofrimento e as dificuldades que a comunidade precisa afrontar. Isso é explicitado quando o apóstolo afirma ser necessário estar alegre em todas as circunstâncias (cf. 1Ts 5,16).
Em seguida, convida os filipenses a ser bondosos (v. 5), no sentido de ser benevolentes, tolerantes, amáveis com todas as pessoas, sem discriminação. A expressão “o Senhor está próximo” pode ser entendida no sentido espacial, indicando que o Senhor está do lado daquele que deposita nele sua esperança, e também como referência àqueles que, no seu agir, expressam os atributos do Senhor benevolente e compassivo (Sl 34,19; 119,151; 145,18; Dt 4,7). Essa frase pode ainda ser interpretada no sentido temporal, aludindo à proximidade do “dia do Senhor” (cf. Sf 1,7.14; Is 13,6; Jl 1,15). Em todos os sentidos, o apóstolo exorta a comunidade a confiar em Deus, presente em seu meio agora da mesma forma que estará no fim dos tempos. Ao carregar essa certeza, a comunidade não deve se preocupar e ter o coração inquieto, mas confiar no Senhor com simplicidade e ter sempre como meta estar em comunhão com Ele por meio da oração.
Àqueles que confiam em Deus é prometido o dom da paz, que não é uma paz externa, mas atinge a profundidade de cada fiel, a sede das decisões de cada pessoa (coração e o entendimento); uma paz que não se reduz aos limites dos esquemas humanos.
III. Pistas para reflexão
A liturgia deste terceiro domingo do Advento é marcada pela alegria, porque aquele que esperamos está conosco e é ele que conduz a história.
A alegria é uma das características dos tempos messiânicos e da vida cristã, pois é fruto da certeza de que o Deus da salvação se manifesta em Cristo. Não há, porém, possibilidade de alegria sem profunda conversão, conforme proclama João Batista no evangelho de hoje. Conversão que supõe uma mudança radical do nosso modo de proceder em vista da caridade e da justiça. Que neste domingo, aproximando-nos de João, possamos perguntar: “O que devemos fazer?” e ter a coragem de ouvir sua resposta, que nos convida a reassumir o nosso batismo e retomar o exercício radical do nosso discipulado (evangelho).
Zuleica Aparecida Silvano
Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]