Roteiros homiléticos
“Criai ânimo, não tenhais medo!” (Is 35,4)
I. Introdução geral
“Alegre-se a terra que era deserta e intransitável, exulte a solidão”: essa é a mensagem de esperança que ecoa neste terceiro domingo do Advento (I leitura), o domingo da alegria. Alegria que nasce da certeza de que o próprio Deus nos salvará, da percepção dos sinais do Reinado de Deus nos gestos libertadores de Jesus e no anúncio da Boa-Nova aos pobres (evangelho). Alegria que é sustentada pela certeza da vinda do Senhor. Para vivermos este tempo novo do Reino e da graça, somos convidados também a exercitar a audácia profética de João Batista (evangelho), buscando discernir os sinais divinos mesmo em meio aos conflitos, cultivar a comunhão e viver a alegria de experimentar o grande amor de Deus, que sempre nos exorta a criar ânimo e não ter medo.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura: Is 35,1-6a.10
O texto de Is 35 faz parte do primeiro livro de Isaías (1-39), porém tem grande afinidade com o Dêutero-Isaías (40-55). A alegria por causa da salvação realizada por Deus é o tema central dessa passagem. O autor convida os exilados, que estão desanimados e sem esperança, a confiar no Senhor, pois ele intervirá e a terra será transformada, gerando a alegria em toda a criação. Essa salvação não se restringe à libertação do exílio na Babilônia, mas envolve a participação na nova criação realizada por Deus e a libertação de tudo aquilo que oprime as pessoas. Os verbos utilizados para expressar a alegria (cf. v. 10) são típicos dos anúncios de salvação. De fato, essa salvação é anunciada nos versículos anteriores. O primeiro verbo, “cantar os louvores” (v. 10), é próprio do contexto cultual. Tal expressão geralmente remete à alegria pelo retorno do exílio e tem, como contexto, a confirmação da soberania divina; ao mesmo tempo, cria a expectativa pela imediata irrupção do reinado universal de Deus, como podemos perceber em todo esse trecho de Is 35, no qual se fala da majestade e da glória divina (cf. v. 2).
A majestade divina é manifestada nas ações salvíficas de Deus, principalmente contra os adversários de Israel, conforme é expresso no v. 4. Por isso, o povo é exortado a “criar ânimo” e a “não temer”. É convidado a confiar na presença, proteção e ação salvífica de Deus, o aliado do povo, sobretudo das pessoas mais vulneráveis (cf. vv. 5-6).
2. Evangelho: Mt 11,2-11
Mateus 11 pertence ao bloco das narrativas que têm como tema a rejeição do messianismo de Jesus. Percebe-se uma afinidade entre a I leitura e o evangelho. Na I leitura, o profeta anuncia a promessa de uma transformação na natureza e da manifestação da salvação de Deus, sobretudo aos mais vulneráveis. No evangelho, essa promessa se cumpre em Jesus Cristo, o verdadeiro Messias enviado por Deus. Outro tema retomado no elogio de Jesus a João Batista é o ser profeta.
O evangelista enfatiza a dúvida de João Batista sobre a identidade de Jesus, ao mostrar o profeta enviando discípulos para obter uma confirmação, dado que estava preso e sua descrição do Messias era conforme as expectativas apocalípticas. Jesus não responde simplesmente à pergunta que lhe foi feita, mas elucida os sinais da manifestação do Reino de Deus, retratado em seu ministério misericordioso e dirigido aos marginalizados. Tais sinais se evidenciam ao libertar as pessoas das suas enfermidades, dos seus males, ao restaurar a vida e anunciar a Boa-Nova da libertação aos pobres. Essa resposta também indica que acreditar no Messias não consiste em saber quem ele é ou ter um conhecimento intelectual sobre Jesus, mas em contemplar a manifestação do Reinado de Deus entre os mais pobres. Desse modo, as palavras e gestos de Jesus atestam sua identidade e sinalizam o cumprimento da justiça de Deus, a qual se expressa na benevolência, na misericórdia e na compaixão do Messias para com os marginalizados, os pobres, os aflitos, os sem vida. É a manifestação das bem-aventuranças.
Jesus termina seu discurso proclamando uma bem-aventurança: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim”. Quem é esse? É aquele que se abre à manifestação do Reino de Deus em Jesus Cristo. Feliz é aquele que não se escandaliza nem tenta fazer que o Reino de Deus seja moldado segundo seus interesses e critérios ou se ajuste às expectativas messiânicas triunfalistas, mas está disposto a acolher o projeto do Pai, que nos surpreende, nos desacomoda, pois não segue os critérios humanos.
Os discípulos de João partem para informá-lo sobre a identidade de Jesus, o qual, agora, passa a desvelar a identidade do Batista diante das multidões (cf. vv. 7-10), pois compreender a identidade e a missão desse profeta significa entender a identidade e a missão de Jesus. Nesse discurso, Jesus afirma que a missão de João Batista é preparar o caminho para a vinda do Messias. As perguntas e imagens empregadas por Jesus para descrever a identidade de João Batista (“Que saístes para ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? [...] Alguém vestido em roupas finas?”) remetem-nos ao início do Evangelho segundo Mateus, que apresenta as pessoas indo para o deserto a fim de ouvir a exortação de João. Ele pregava a necessidade do arrependimento para acolher a vinda do Messias, indicando que essa preparação já testemunhava que o Reino vindouro não se adequava às expectativas da sociedade daquele tempo. De fato, a postura profética de João acenava para um Reino voltado para os pobres, marcado pela presença misericordiosa de Deus e anunciado por alguém que tinha convicção e autoridade, porque realmente vivia aquilo que anunciava e não era um “caniço agitado pelo vento”. Essas descrições entram em contraste com a imagem de Herodes Antipas, que tenta abafar a profecia de João, assassinando-o.
Em conclusão, Jesus diz que João Batista é mais do que um profeta, por ser escolhido por Deus para realizar sua vontade – preparar os caminhos para a vinda do verdadeiro Messias (cf. Ml 3,1 e Ex 23,20). E é também o maior dos homens, porque soube ser o menor, estar a serviço, doar a vida e realizar a missão dada por Deus. Assim, João Batista preparou o caminho para a epifania da obra salvífica de Deus, a qual se manifestou por meio dos gestos libertadores de Jesus.
3. II leitura: Tg 5,7-10
A carta de Tiago, presente no Novo Testamento, faz parte das “cartas católicas”, chamadas assim por conterem uma mensagem para todos. O autor da carta exorta os batizados a assumir certas atitudes antes da vinda do Senhor. A primeira é a espera paciente, confiando na ação de Deus. Essa espera não é passiva, mas consiste numa fidelidade ativa. Para ilustrar, o autor se serve da imagem do agricultor. O agricultor faz sua parte, dá sua contribuição; sabe, porém, que quem faz crescer a semente e nascer o fruto é o próprio Deus. Outra mensagem que podemos tirar da imagem agrícola utilizada pelo redator é que Deus não abandona seu povo nos momentos de maior dificuldade; julgará com justiça e dará ao seu povo o que é necessário para viver (chuvas de outono ou de primavera – cf. Dt 11,14; Jr 5,24; Jl 2,23), mas é importante este ter paciência e ouvir os sinais dos tempos, para poder julgar com sabedoria.
A segunda atitude é ter os corações fortalecidos, isto é, saber discernir, decidir com prudência e ser perseverantes no caminho assumido, mesmo diante dos conflitos e do sofrimento. A expressão “a vinda do Senhor está próxima” (v. 8) pode ser interpretada como a vinda do Senhor no fim dos tempos, na parusia, mas também como a intervenção de Deus na história, tal como anunciavam os profetas e se manifestou na vida de Jesus Cristo (cf. Am 1,2-2,16; 3,1-8; Ml 3,1; Is 35,4).
A terceira atitude incentivada pelo autor da carta é a comunhão e o viver com alegria, ajudando o outro em sua caminhada, não julgando, pois o julgar pertence a Deus, o justo juiz. Por fim, exorta-se o/a batizado/a a ter audácia profética e ser mensageiro/a da ação salvífica de Deus.
III. Pistas para reflexão
A liturgia deste terceiro domingo do Advento nos impele a nos alegrarmos e a não ter medo diante das dificuldades, pois a vinda salvadora de Deus transforma todo o universo, liberta o povo do cativeiro e se manifesta na ação libertadora de Jesus. Além de acolhermos o convite à alegria pela imensa manifestação da bondade e da ternura de Deus, somos convidados a nos perguntar: para nós, que importância tem a resposta dada por Jesus aos discípulos de João Batista? Que Boa Notícia nos traz? Das atitudes elencadas na carta de Tiago, qual nos chama mais a atenção? Como estamos preparando o coração para celebrar a encarnação de Jesus na celebração do Natal que se aproxima?
Zuleica Aparecida Silvano
Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFRGS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte.