Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 40-42

3 de novembro – TODOS OS SANTOS E SANTAS

Por Pe. Maicon André Malacarne*

Ser santo é ser inteiro!

I. Introdução geral

Quando rezamos a oração do creio, dizemos: “Creio na comunhão dos santos”.  A santidade está intimamente ligada à comunhão. Ninguém é santo sozinho! A comunhão é o exercício mais profundo de amor e de felicidade. Quem ama está em comunhão com quem ama. Pessoas que não se conhecem, quando amam, estão conectadas. Nem mesmo a morte consegue separar o amor!

Jesus chamou de “bem-aventurados” os que formam a multidão próxima dele:  “Bem-aventurados sois vós...”. Não se trata dos outros, dos que estão longe, dos superpoderosos. O caminho que Jesus propõe é para todos nós, muito cotidiano e humanizador, superando a ideia de um heroísmo inalcançável. A comunhão, portanto, também é um reconhecimento da fragilidade.

O livro do Apocalipse, na primeira leitura, fala de “uma grande multidão que ninguém podia contar”. Desde as primeiras comunidades cristãs, muitos viveram a fidelidade na comunhão com Jesus e com o povo; perseguidos, caluniados e martirizados, eles “lavaram as suas roupas e a alvejaram no sangue do Cordeiro”. Estão na comunhão mais profunda, pelo sangue derramado, porque “colocaram a esperança em Jesus”, assumindo serem filhos de Deus, como afirma a primeira carta de João.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Ap 7,2-4.9-14)

O livro do Apocalipse guarda a memória do grande sofrimento e das difíceis tribulações que as primeiras comunidades passaram. A narrativa afirma que, no céu, um anjo toma nota das lágrimas das pessoas em um livro lacrado com sete selos. Nenhuma pessoa tem acesso, senão o Cordeiro, a única esperança, que quebrará um por um os selos e abrirá o livro.

A leitura deste domingo se situa logo em seguida ao rompimento do sexto selo. O quadro é impressionante: 144 mil pessoas, uma imensidão daqueles que se mantiveram fiéis. O número revela a plenitude da comunidade cristã (12x12x1.000). Não se trata de privilegiados, de pessoas que tiveram méritos individuais, mas dos “sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (v. 14). A fidelidade de uma multidão abre a porta para o significado mais profundo da santidade: viver tudo e assumir tudo, com os olhos fixos no Cordeiro!

“Lavar as vestes e alvejar no sangue” significa oferecer-se inteiro, entregar-se por completo, tomar as próprias lágrimas, dores, cruzes, a própria humanidade, para ser renovada no sangue do Crucificado-Ressuscitado. Mergulhadas no sangue, elas continuam brancas, porque em Deus tudo é novo, tudo é luz!

Jesus, o Cordeiro, foi quem primeiro doou a vida por amor, suportou os maiores sofrimentos e o abandono dos mais próximos. Mesmo assim, manteve-se fiel ao Pai, derramou seu sangue, partilhou suas lágrimas de medo e enfrentou as contradições daqueles que não suportavam a força da luz.

2. II leitura (1Jo 3,1-3)

Ser filho de Deus não é uma conquista, mas uma graça! Recebemos este grande presente: “sermos chamados filhos de Deus” (v. 1). Aqui está o primado fundamental da fé: antes de tudo, somos amados! Somos filhos e filhas do amor! Responder ao amor de Deus é nossa vocação à santidade, uma vida configurada ao amor. É interessante perceber a inversão: o estilo de vida que assumimos não deve ser uma forma de convencer a Deus de que somos bons, mas sim uma resposta ao Deus que ama gratuitamente e antes de qualquer coisa!

A primeira carta de João faz o paralelo entre a filiação divina e a santidade. À medida que vivemos como filhos, crescemos na vida santa. A santidade é a tomada de consciência de uma relação de amor que cresce como dom de Deus! A filiação e a santidade são como que ascendentes – têm início com o início da vida e caminham na direção da plenitude, na promessa futura de sermos totalmente filhos no Filho: “desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porquanto o veremos tal como ele é” (v. 2).

3. Evangelho (Mt 5,1-12a)

Os santos são pessoas bem-aventuradas, felizes, não obstante os sofrimentos e tribulações que precisam enfrentar. Não têm redomas, não têm proteção especial, mas assumem a vida de outra maneira que não aquela da autorreferencialidade e do individualismo – os bem-aventurados descobriram que a vida é plena quando vivida em abertura, em comunhão!

Uma nova comunidade santa, beata, ganha sua “carta magna” no alto da montanha, no primeiro discurso de Jesus no Evangelho de Mateus. A imagem lembra Moisés, que da montanha estabelecia uma experiência de proximidade e comunicação com Deus. O Evangelho das bem-aventuranças é como que o desenho da comunidade “inteira”, perfeita, não porque não comete erros, mas porque é convidada a abrir-se ao Pai e ao Filho, no Espírito, como modelos de santidade.

As bem-aventuranças não são um manual exterior, o cumprimento de uma lista de itens, mas sim a configuração de um “novo” estilo de vida de comunhão, de inteireza na relação com Deus, com os irmãos e com toda a Casa Comum. Meditar cada uma das bem-aventuranças de Mateus significa compreender todo o Evangelho de Jesus, sua vida, paixão, morte e ressurreição: “Bem-aventurados os que tem um coração pobre” (v. 3); “Bem-aventurados os que choram” (v. 4); “Bem-aventurados os mansos” (v. 5); “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (v. 6); “Bem-aventurados os misericordiosos” (v. 7); “Bem-aventurados os puros de coração” (v. 8); “Bem-aventurados os pacíficos” (v. 9); “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça” (v. 10).

Os bem-aventurados são aqueles que, com uma espiritualidade do cotidiano, conseguem fazer a opção pela comunhão, por caminhar juntos, por viver de forma sinodal. Entendem que para isso é necessário diminuir o passo, peregrinar mais lentamente, sem deixar ninguém “para trás”, mas vivendo “de frente” as contradições do mundo, para servir no mundo!

III. Pistas para reflexão

A Lumen Gentium, constituição do Concílio Vaticano II, afirma que “a santidade é a vocação comum de todos os cristãos” (n. 5). Todos são convidados à santidade, e está superada a ideia de que alguns estão mais “destinados” a ela do que outros.  A santidade não é um troféu individual, como mérito dos esforços, mas uma graça, um dom, um sopro, um presente que Deus coloca no nosso coração.

Christoph Theobald, um dos maiores teólogos do nosso tempo, fala em “espírito de santidade” como uma espécie de equilíbrio entre o conteúdo e a forma da nossa vida. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, tudo o que falamos exprimem a inteireza da vida, e esse é o lugar da santidade. Santos não são os que nunca erram, os que nunca caem, os que se escondem do mundo; santos são aqueles que, de olhos bem abertos, com as mãos marcadas pela história, são capazes de discernir, amadurecer, converter e amar sempre mais, na direção de Deus, modelo de santidade.

Pe. Maicon André Malacarne*

*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]