Solidariedade e perseverança na construção da comunidade
I. Introdução geral
Moisés, Aarão e Ur formam uma unidade não somente de corpos reunidos e próximos. A unidade se realiza principalmente porque estão ao redor de um mesmo projeto, de um mesmo povo, de um mesmo Deus. Não desejam o sucesso pessoal nem muito menos avançar na vida subindo nas costas dos outros. Consideram a missão sempre como de todos e jamais veem as lutas e conflitos como se fossem desafios a enfrentar sozinhos. Juntos somam, divididos se enfraquecem; juntos perseveram e olham para o mesmo alvo. A perseverança, quando assumida pela comunidade, vai mais longe, projeta-se para o futuro e faz o que, sozinhos, nunca seria possível realizar.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (Ex 17,8-13): a solidariedade forma e salva a comunidade
Certa vez os amalecitas, inimigos tradicionais do povo de Deus, encontravam-se em Rafidim para combater contra Israel. Moisés deu ordens precisas de combate a Josué, que foi para o campo de batalha. Enquanto isso, Moisés, Aarão e Ur subiram ao topo de uma colina. Ali, enquanto as mãos de Moisés permaneciam erguidas, Israel vencia; quando abaixava as mãos, os amalecitas venciam. Como interromper o ciclo de vitória e derrota causado pelo cansaço de Moisés, que não conseguia permanecer o tempo todo com as mãos erguidas? Nesse momento em que o povo de Deus enfrentava enorme dificuldade, a atitude de Aarão e Ur mostrou-se fundamental. Ao perceberem o cansaço de Moisés, fizeram-no sentar e, em seguida, agindo como fiéis escudeiros, um de cada lado, como se fossem uma única pessoa e um único projeto, cada qual passou a sustentar uma das mãos de Moisés, até que o inimigo fosse derrotado no campo de batalha. Pode-se dizer que a derrota dos amalecitas ocorreu não quando Josué investiu contra eles com um grupo de soldados, e sim desde o momento em que Moisés, Aarão e Ur subiram à colina.
Você já experimentou ficar com os braços levantados durante certo tempo? Começamos bem, mas aos poucos nossos braços também se tornam pesados e desmoronamos por completo. Moisés se esforçou sobremaneira, mas já não encontrava forças em si mesmo. Nesse momento ele contou com olhos perspicazes que a tudo observavam. Aarão e Ur vieram até ele e colocaram uma pedra para que pudesse sentar e, quem sabe dessa forma, recuperar a energia. A ideia, por um momento, parecia boa, mas não resolvia nada. Moisés não precisava de uma pedra. Precisava, antes, de companhia ou, por assim dizer, de outros braços. Quando Aarão e Ur se aproximaram dele, o braço de um tornou-se a extensão do braço do outro. Um apoiava o outro, e juntos conseguiam aquilo que não poderiam obter sozinhos.
O ensinamento é fundamental: a força não reside em apenas um. Ela está presente na unidade e no projeto comum a todos. A guerra não era de Moisés e não atingia apenas ele. O inimigo não se levantava contra um do povo de Deus, mas contra todo o povo. Moisés, Aarão e Ur, juntos, formavam uma unidade. Juntaram-se porque, separados, não possuíam força alguma. Devemos entender que, isolados, podemos obter uma vitória parcial aqui e outra ali, mas nunca obteremos a vitória definitiva. Quando nos voltamos para a comunidade é que podemos emprestar nossos braços a fim de construir a vitória. Qual braço alcançou a vitória nessa leitura? Sem sombra de dúvida, foi o braço da comunidade. As mãos erguidas converteram-se em símbolo não só da presença de Deus, mas também do seu apoio na batalha. Eles não estavam lutando sozinhos. Na verdade, aquele que os libertou da escravidão continuava lutando a seu lado, sem cessar. Moisés, Aarão e Ur trabalhavam em equipe. Não se viam isoladamente como melhores do que os outros ou superiores a todos, mas como pessoas que possuíam uma missão em comum. Ao formar uma equipe e pensar como uma, construíram uma unidade que dificilmente podia ser quebrada. A palavra de Deus proverbialmente nos ensina: “O cordão de três dobras não se rompe com facilidade”. Juntos, eles não percebiam uns aos outros como inimigos e/ou competidores que deviam ser vencidos. Juntos, viam-se como comunidade, e por ela e a ela se dedicavam. Existem obstáculos que somente podem ser vencidos com a união e a unidade de todos.
2. II leitura (2Tm 3,14-4,2): aprender, crescer e permanecer firme na fé
A exortação feita a Timóteo para que permaneça fiel aos ensinamentos recebidos é enfatizada com rápida alusão a quem transmitiu tais ensinamentos. A expressão que pode ser traduzida como “Sagradas Letras” (v. 15) se refere aos livros que conhecemos como Antigo Testamento, certamente na versão dos Setenta, usada pelos judeus na diáspora, tal como se percebe em 1 Macabeus 12,9 e em Romanos 1,2 com a denominação de Escrituras Sagradas. A primeira afirmação sobre a finalidade dessas Escrituras é que elas não se relacionam com meros conceitos, mas sim com algo realmente vital, denominado no texto como “salvação”, mediante a aceitação pessoal de Jesus Cristo. Há, pois, uma relação entre Sagradas Letras e salvação mediante a fé em Jesus, implicando que o Antigo Testamento também estaria direcionado para Jesus. O apóstolo Paulo exorta Timóteo a ficar firme na fé aprendida desde a infância com a mãe e a avó. Ponto central e determinante na exortação paulina é o aprendizado da Sagrada Escritura, que, inspirada por Deus, transmite segurança e prepara o fiel para toda boa obra. A perenidade e atualidade da Palavra são acentuadas com o tema da aparição de Jesus. Nesse contexto da vinda de Jesus para o julgamento, a Palavra exerce uma função admirável, por isso a orientação imperativa para que Timóteo “proclame a Palavra, insista em tempo oportuno, convença, repreenda, encoraje com toda paciência e doutrina” (v. 2).
3. Evangelho (Lc 18,1-8): a perseverança na oração
Existe, de fato, a necessidade de rezar sempre e nunca desanimar? Para exemplificar sua mensagem, Jesus insere na parábola duas figuras conhecidas na época: um juiz sem escrúpulos e uma viúva pobre, símbolo de todos os pobres e indefesos. Trata-se de personagens atualíssimos numa época em que os pobres não tinham quem os defendesse. Contudo, o sofrimento da viúva não é passivo. Ela não se conforma com a injustiça diária e interminável que sofre. E a insatisfação e a não conformidade geram nela a perseverança. Ela vai ao juiz até que este atenda à sua demanda. O juiz injusto é vencido pela perseverança da viúva pobre. “E Deus não fará justiça a seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Irá demorar para atendê-los?” (v. 7). O chamado à perseverança na oração faz referência à tradição de um Deus que escuta o clamor de seu povo. A experiência fundamental de libertação no êxodo acontece, de fato e de verdade, pela oração/clamor. Quando os escravos clamam a Deus desde seu ambiente marcado pela degradação da vida, são os ouvidos de Deus, em primeiro lugar, que entram em ação para que a realidade que machuca e oprime seja alterada. Não nos cansemos de orar e nunca nos faltará a fé; e, depois de haver ofertado a Deus nossas orações e pedidos, acrescentemos humildemente a oração perfeita: seja feita a tua vontade.
III. Pistas para reflexão
1) A primeira leitura surpreende porque mostra que a resposta para muitos dos problemas vividos é a solidariedade. Moisés, Aarão e Ur não trabalham isolados e individualmente. O projeto de um é o projeto de todos. Um fio de três dobras não se rompe com facilidade!
2) No Reino de Deus somos sempre aprendizes. Por isso, todos os dias são imprescindíveis para viver, crescer e amadurecer na fé. O conselho de Paulo a Timóteo continua válido para nós: crescer para sermos fiéis para toda boa obra.
3) Perseverar em períodos de bonança é fácil. Difícil é perseverar quando enfrentamos inúmeras dificuldades e a derrota se apresenta com frequência. Nesses casos, a tendência é desistir de tudo. Todavia, a viúva pobre nos ensina que a perseverança é irmã gêmea da esperança.
Luiz Alexandre Solano Rossi
Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.