Roteiros homiléticos

29 de março – DOMINGO DE RAMOS

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Amar desinteressadamente

I INTRODUÇÃO GERAL

Jesus não hierarquiza as pessoas entre melhores e piores, puras e impuras, maiores e menores. Por onde ele passa, as pessoas já não podem continuar do mesmo jeito ou assumir a indiferença como projeto de vida. Jesus vê o ser humano em toda a sua plenitude e não se deixa contaminar pelos preconceitos já enraizados na sociedade, que causam separação e desunião. Ao reconhecer os seres humanos como iguais, ele está indicando o caminho do serviço desinteressado que devemos seguir como discípulos e missionários dele. Em oposição à tendência que temos de construir preconceitos e agir de forma intolerante, Jesus nos convida a trilhar um estilo de vida onde caibam todos!

II COMENTÁRIOS AOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. I leitura: Is 50,4-7

A primeira leitura se refere ao terceiro cântico do servo. Nesse cântico, é retratada de maneira cristalina a missão do servo. Missão marcada pela escuta da Palavra de Deus, pela fidelidade ao anúncio, pela perseguição e pela resistência. O texto insiste na condição do servo como discípulo. Por uma vez ele é retratado como discípulo que possui uma língua “dada” por Deus e, por três vezes, é retratado como alguém que ouve. E notemos que Deus é sempre o autor da ação. Nada se inicia no servo. Sempre é Deus que age, tanto para o discípulo falar quanto para ouvir. Todavia, o ouvir se apresenta como de primordial importância.

Ouvir tem a ver com obediência. O discípulo, portanto, faz-se numa caminhada de obediência e de esperança ativa. Não basta se autoproclamar discípulo e permanecer na mesma condição indefinidamente pelo resto da vida. A imobilidade não faz parte do perfil daquele que segue Jesus. A figura do servo sofredor abre uma perspectiva nova. O personagem profético designado com o nome de servo padece o sofrimento porque veem nele a consequência dos pecados do povo. Ele carrega as dores dos outros. Todavia, o martírio vivido pelo servo se apresenta como a cura para os demais. Visto que justificou a multidão, o Senhor o exaltará e aceitará seu sacrifício.

  1. II leitura: Fl 2,6-11

O texto de Paulo em Filipenses 2 é contracultural. Um texto que subverte a lógica da sociedade e produz um projeto de vida na perspectiva dos menores. Jesus renuncia ao direito de ser tratado como Deus para ser tratado como ser humano e, entre os humanos, ser tratado como um entre os seus menores. Ele se apresenta como obediente. Não importa se essa obediência o levará à morte. O que mais importa é a presença dele entre as muitas cruzes que o Império Romano disseminava naquela época e as muitas cruzes que o nosso povo hoje precisa carregar. Bem que ele poderia ter se encarnado como um membro do Sinédrio judaico, um senador romano, quem sabe um proprietário de terras, ou ainda como um César. Mas como poderia ele se assemelhar a todos aqueles que usavam de seus espaços de poder econômico, religioso e político para oprimir o povo? Necessariamente o projeto de Jesus nasce desde baixo. Ele se encontra na base da pirâmide social do Império Romano. No entanto, ele não se encontra sozinho. Junto a ele estão milhares de escravos que sofrem na esperança de libertação.

Jesus se esvazia porque somente vazio pode se preencher, preenchendo os outros. Que lógica invertida: somente vazios é que podemos ser bênçãos para os demais. Nesse belíssimo texto, temos dois movimentos brilhantes: um descendente e outro ascendente. Jesus, num movimento descendente, esvazia-se e humilha-se e Deus, num movimento ascendente, eleva à condição de Senhor aquele que havia chegado à mais baixa humilhação. No entanto, devemos observar que Jesus, elevado à condição de Senhor, não se apresenta como um César. Jesus sempre se apresentará como um Senhor que é, ao mesmo tempo, um servo.

A mensagem de Jesus ofereceu aos homens e mulheres uma esperança capaz de curá-los de sua miséria mais profunda. Se de um lado temos a salvação, de outro temos as várias faces do pecado. E, nesse sentido, a paixão de Jesus se encontra misteriosamente ligada ao pecado da humanidade. Entendendo o pecado como a recusa do amor, podemos dizer, por conta disso, que Jesus sofreu o martírio como verdadeiro servo de Deus. Aos olhos de Deus, a pior desgraça possível se verifica quando homens e mulheres impõem a si mesmos a traição à sua própria vocação, isto é, amar desinteressadamente. E Jesus vai morrer justamente porque se comprometeu até as últimas consequências com os oprimidos, com os pobres e com os pecadores. Pode-se dizer, portanto, que a paixão de Jesus tem um sentido eficaz por causa da relação dela com sua missão divina e com a libertação de seus irmãos e irmãs.

Os títulos dados a Jesus em Marcos vão ganhando progressivamente densidade: Filho do homem, Messias, rei dos judeus e, finalmente, Filho de Deus. E é um centurião romano que outorga a Jesus o mais importante dos títulos: “Realmente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). A morte de Jesus é uma consequência do plano dos líderes políticos e religiosos daquele tempo. Em Marcos, a boa-nova aparece como a prática de Jesus que provoca reações em cadeia desde o início. Não há como ficar do mesmo tamanho diante da presença dele. Sem dúvida, somente a paixão do profeta mártir galileu seria capaz de dar um sentido à paixão que sofrem milhões de homens e mulheres empobrecidos e oprimidos em nossa terra. Ao nos apresentarmos como discípulos missionários de Jesus crucificado, devemos assumir um combate sem trégua contra as raízes humanas do mal.

A cena de Marcos 14,1-9 é inusitada. Dois personagens se destacam: um leproso, denominado Simão, e uma mulher anônima. Personagens sem importância na estrutura social da época que se tornam protagonistas da missão de Jesus. Diante dos leprosos, havia que manter boa distância. A impureza dos leprosos contaminava a todos os que deles se aproximavam. Jesus, que é puro, reúne-se inacreditavelmente com aqueles considerados impuros sem se tornar ele mesmo impuro. A ação de Jesus é traumática. Sua ação não tem lógica alguma na estrutura religiosa que rege o comportamento de todos quantos estão naquela casa. Naquele ambiente, a tensão deveria ter sido grande. O leproso era percebido como grande perigo, porque era veículo inevitável de contágio. A pureza estava com os minutos contados. Contudo, Jesus inverte a lógica de uma sociedade que dividia as pessoas entre puras e impuras, hierarquizando as relações e transformando os impuros em uma subcategoria de humanos. Jesus não somente caminha em direção àqueles que viviam na periferia da vida, mas com eles faz questão de viver e de se relacionar. Nesse sentido, não há para Jesus impureza, e sim solidariedade e amor que transforma todas as pessoas numa grande família.

E na casa já marcada pela impureza, uma mulher dele se aproxima. Novamente o inusitado chama a atenção. Numa sociedade em que a mulher não poderia se apresentar sozinha e sem o senhorio de um homem, a anônima faz um dos maiores gestos já pensados em toda a história humana. Desde a periferia da vida em que se encontrava, ela reconhece em Jesus o Messias que vai morrer. Para muitos, o que ela faz é um desperdício. Mas para ela e para Jesus, trata-se de entrega desinteressada. Jamais uma anônima teve sua história perpetuada através de toda a história da humanidade. Em Jesus, novo tipo de protagonismo teve início, ou seja, ele devolve às pessoas aquilo que delas havia sido retirado, a dignidade de ser e de viver; devolve-lhes o direito de ir e vir, devolve-lhes a palavra e o direito de ser sujeitos numa sociedade que os havia coisificado. Naquela casa, Jesus desafia as barreiras secularmente construídas que discriminavam e marginalizavam os pequeninos.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Quais são os anônimos que nos rodeiam? Como nos relacionamos com eles? Muitas vezes nos esquecemos de que, como Igreja, precisamos ser a voz daqueles que não têm voz e a esperança daqueles que já não conseguem esperar nada da vida. Já não é possível fazer da indiferença o alimento diário da Igreja.

– Jesus nos apresenta um modelo de vida contracultural para viver em sociedade. Ele não busca o privilégio pessoal nem muito menos as melhores posições. Não se preocupa com o status, e sim com o serviço. Nossa sociedade faz o caminho inverso e estimula cada um de nós a buscar incessantemente o privilégio pessoal, mesmo que machuquemos o próximo. Nessa lógica, mais valeria o meu bem-estar do que o do próximo. Será realmente assim?

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUCPR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]