Roteiros homiléticos
A aproximação evangelizadora derruba os muros que nos separam
I. Introdução geral
Fé e gratidão são como irmãs siamesas. Sempre juntas, elas fazem o mesmo caminho. Assim, cada passo dado traz a marca de uma e de outra. É preciso, por meio da fé, sempre estarmos abertos à ação graciosa de Deus a nosso favor; não sabemos quando ele irá agir, mas, pela fé, sabemos que agirá. E da expressão de fé assume-se, como necessária e inevitável, a expressão de gratidão. A fé faz que os passos dados sejam em direção àqueles que necessitam de socorro. A cada passo, ela pavimenta o caminho, fazendo que os encontros sejam evangelizadores e os muros sejam derrubados. Caminhar por ela deve ser compreendido como uma ação encarnada na própria realidade em que se vive. Nesse sentido, a fé é histórica. Reveste-se das múltiplas histórias que vivemos e partilhamos uns com os outros a cada dia. É na história que Deus se revela, assim como é na história que vivemos de fé em fé.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (2Rs 5,14-17): Deus está acima de todos os deuses
Naamã era o chefe do exército arameu, que representava uma grande força na geopolítica da região. Não era raro que os arameus e os israelitas estivessem em disputa territorial. Nosso texto se inicia com o general sendo obediente à orientação do profeta Eliseu a fim de que pudesse ser curado da lepra. Após mergulhar obedientemente por sete vezes nas águas do rio Jordão, Naamã viu, inacreditavelmente, que sua pele havia ficado completamente limpa, como a de uma criança. Após a constatação, ele faz bela confissão de fé: “Agora sei que não há outro Deus na terra, a não ser em Israel” (v. 15b). Sua cura e conversão são contadas a fim de mostrar que Deus é, de fato, um Deus universal e está acima de todos os outros deuses. A história destaca, portanto, que a ação salvífica de Deus não estava limitada a Israel. Deus quer que todos saibam que ele é o verdadeiro Deus.
2. II leitura (2Tm 2,8-13): a palavra de Deus não está algemada
A segunda leitura é centrada na pessoa de Jesus Cristo ressuscitado dentre os mortos, o que, para qualquer cristão, constitui uma recordação de seus sofrimentos e de seu triunfo final. É justamente essa recordação de Jesus a motivação afetiva e teológica que anima o cristão para a superação de toda e qualquer dificuldade. A declaração de Paulo é fundamental para compreender o alcance da palavra de Deus. Ela não está algemada e, por isso, nada a impede de anunciar a salvação. Pode a testemunha do evangelho se encontrar aprisionada, todavia a palavra de Deus, livre, anuncia a libertação. Até mesmo o sofrimento é visto de outra perspectiva. Ele representa o mais legítimo testemunho de amor e de solidariedade para com as pessoas por meio do anúncio da salvação. O hino parece enfatizar a participação do cristão nos destinos do próprio Cristo. Devemos compreender, porém, que o destino não é automático, mas depende da opção de cada um. Por causa disso é que o hino é marcado pela ação condicional, indicando que se exige algo do discípulo.
3. Evangelho (Lc 17,11-19): fé e gratidão como princípio da alegria
Neste evangelho, vemos como a enfermidade e a miséria reúnem dez homens e os fazem esquecer o tradicional ódio existente entre judeus e samaritanos. Eram excluídos por todos, e havia até mesmo uma legislação própria para eles: “Quem for declarado leproso deverá andar com as roupas rasgadas e despenteado, com a barba coberta e gritando ‘impuro, impuro’. Ficará impuro enquanto durar sua doença. Viverá separado e morará fora do acampamento” (Lv 13,45s). Jesus está em missão e, enquanto atravessa a Samaria e a Galileia com o objetivo de chegar a Jerusalém, é interrompido aos gritos por dez leprosos. Eles guardam certa distância de Jesus. Não havia uma distância definida, mas ao menos uma autoridade tinha estabelecido que, quando o vento soprasse do leproso em direção à pessoa sadia, aquele devia ficar a pelo menos 50 metros de distância. Nada poderia demonstrar melhor a solidão total em que viviam os leprosos. Afinal, eram considerados impuros e eram impedidos de se aproximar de todos os reconhecidos como puros. Após o pedido – “tenha piedade de nós” –, os dez são instruídos por Jesus a se apresentar aos sacerdotes. Mas que surpresa: enquanto percorrem o caminho que os levaria aos sacerdotes, percebem-se curados. Nesse momento, o grupo se divide. Já não eram dez. De um lado, um grupo de nove, que seguiu adiante, e, do outro, apenas um, que voltava todo feliz pelo caminho já percorrido para agradecer a Jesus. A gratidão era e continua sendo um artigo raro de encontrar. Três perguntas são feitas por Jesus, perguntas retóricas que procuram elogiar a fé daquele que retornou: “Não eram dez os purificados? Onde estão os outros nove? Não voltou ninguém, além desse estrangeiro?” (v. 17).
O episódio dos dez leprosos é clara demonstração de que a fé rompe barreiras e preconceitos seculares. Aquele que volta é um impuro, e é justamente o considerado impuro e, por isso, inadequado que reconhece que Jesus lhe concedeu o dom da vida. A graça de Deus, por meio de Jesus, é, porém, completa. Não se trata de uma ação superficial que cura o corpo do enfermo. Naquele momento, também se realizava a superação da marginalização em que os leprosos se encontravam. Jesus torna visível o poder e a misericórdia de Deus. É interessante recordar outro samaritano, cheio de compaixão, que estava no caminho do evangelho e do Reino de Deus, fazendo o bem àquele que se encontrava à margem da vida e sem futuro. Agora, o samaritano que volta também encontra o caminho do Reino, mas, neste momento, pela gratidão.
No samaritano é desenhado, de forma bastante clara, o caminho do evangelho que chega até os pagãos. Somente aquele que se considerava fraco e sem condição é que retorna. Trata-se, todavia, de retorno que mostra por completo quem ele é essencialmente, e assim encontramos nele gratidão, louvor e confissão de pobreza e limitação. Já os outros não retornam para dar graças, pois consideram os dons de Deus inevitáveis. Em Jesus, o caminho da salvação está completamente aberto a estrangeiros, pecadores e gentios. O que de fato salva é a fé, isto é, a decisão por Jesus e a entrega à sua palavra e à ação salvadora de Deus por meio de Jesus – chamado de Mestre. É importante ressaltar que, até esse momento, somente os apóstolos haviam chamado Jesus de Mestre.
III. Pistas para reflexão
1) Qual é o alcance do testemunho cristão? Quais seriam seus limites? Não podemos pensar no testemunho como ação restrita a fronteiras delimitadas. A Palavra jamais se encontra algemada. Por isso, o discipulado é constante exercício de anúncio da Palavra.
2) O evangelho nos apresenta Jesus rompendo definitivamente barreiras e preconceitos seculares. Ele não via um impuro, e sim um ser humano que precisava ser acolhido e amado. Não construía barreiras que impediam o acesso de outras pessoas. Construía, isso sim, pontes de ligação. E nós, somos construtores de quê?
3) Dos dez abençoados, apenas um retornou para agradecer a Jesus e se alegrar com ele. Saberíamos contar a quantidade de vezes em que fomos abençoados e voltamos a Jesus para agradecer-lhe?
Luiz Alexandre Solano Rossi
Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.