Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 58-61
22 de junho – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Pe. Francisco Cornélio*
Confessar Jesus para segui-lo e revestir-se do seu amor
I. Introdução geral
O centro da liturgia deste domingo é o reconhecimento da identidade de Jesus como o Cristo de Deus, ou seja, o Messias, com as implicações concretas que seu seguimento exige. É disso que trata precisamente o Evangelho, com o episódio da confissão de Pedro. Na primeira leitura, a misteriosa figura messiânica, marcada pelo sofrimento até a morte e apresentada pela profecia de Zacarias, prefigura a identidade de Messias sofredor que o próprio Jesus revela de si. Na segunda, o apóstolo Paulo recorda a condição do cristão a partir do batismo: revestido de Cristo, todo batizado compartilha da sua mesma identidade e missão. Por sua vez, o Evangelho ensina que isso implica trilhar um caminho semelhante ao de Cristo, com a disposição de amar sem medidas, com a coragem de carregar a cruz. Confessar Jesus, portanto, é comprometer-se com seu projeto e tornar-se sujeito ativo na construção do seu Reino.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (Zc 12,10-11; 13,1)
Na obra atribuída ao profeta Zacarias, estudiosos identificaram um fenômeno semelhante ao observado no livro de Isaías: a presença de mais de um livro dentro do texto que leva o nome do profeta. Enquanto, porém, em Isaías foram identificadas três seções autônomas, consideradas verdadeiros livros, a obra de Zacarias apresenta apenas duas, chamadas respectivamente de Primeiro Zacarias (Zc 1-8) e Segundo Zacarias (Zc 9-14), o que é compreensível, dada sua menor extensão. De acordo com essa divisão, o trecho empregado na liturgia deste domingo pertence ao Segundo Zacarias, obra de um autor desconhecido, que viveu provavelmente entre o final do século IV e o início do III a.C., período que coincide com o começo da dominação grega na Palestina. Isso justifica o forte acento messiânico e apocalíptico que permeia o escrito.
A leitura compreende uma das passagens mais difíceis do livro, tanto do ponto de vista gramatical quanto teológico. Faz parte de uma seção literária marcada pela expectativa messiânica (12,1-14,21). O texto traz um anúncio de salvação e libertação, cujo protagonista é apresentado de forma ambígua: ora como o próprio Deus, ora como um enviado seu, como sugere a mudança repentina da primeira para a terceira pessoa, logo no início (12,10a). O mais importante, no entanto, é a promessa de mudança no destino do povo que sofria sob o jugo da dominação estrangeira, sendo a primeira mudança necessária a conversão interior. Para isso, é anunciado o derramamento, pelo Senhor, de um espírito de graça e oração, a fim de que o povo olhe para Ele, o que pode ser compreendido como um “voltar-se”, sinal de arrependimento e renovação.
Na sequência, o texto fala de uma figura misteriosa, tão enigmática quanto o Servo sofredor do Segundo Isaías (Is 42,1-7; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12). A morte desse personagem provoca uma comoção geral (12,10b). O mesmo povo que o traspassou, ferindo-o de morte, chora profundamente pelo ocorrido, o que indica um princípio de conversão. Mesmo sem haver consenso, a maioria dos estudiosos identifica o acontecimento com o qual a morte desse personagem é comparada, em 12,11, com a trágica morte do rei Josias (2Rs 23,29), ocorrida em Meguido (Magedo), a qual também gerou grande comoção na população de Jerusalém. O resultado do sofrimento e morte do desconhecido personagem é a renovação do povo e a inauguração de nova relação com Deus, que se torna acessível a todos (13,1).
Desde o início do cristianismo, essa passagem de Zacarias é lida como prefiguração da paixão de Jesus, a ponto de parte dela ser citada explicitamente pelo evangelista João, na cena da crucifixão (Jo 19,37). O emprego dessa leitura na liturgia deste domingo funciona como preparação ao Evangelho, no qual Jesus antecipa aos discípulos seu destino de sofrimento, contrariando as expectativas triunfalistas deles.
2. II leitura (Gl 3,26-29)
A carta aos Gálatas, da qual é tirada a leitura, destaca-se pela tonalidade polêmica e, ao mesmo tempo, pela profundidade teológica. Acredita-se que tenha sido escrita na cidade de Éfeso, em meados dos anos 50 d.C., com a finalidade de corrigir sério problema teológico instaurado nas comunidades da Galácia pela ação de cristãos judaizantes, que estavam impondo as obras da Lei, principalmente a circuncisão, como requisitos necessários à salvação. Essa posição contradizia profundamente a pregação de Paulo, que defendia a fé em Jesus Cristo como único meio de acesso à salvação. Por isso, a carta ficou conhecida como a “carta da liberdade cristã”, sendo considerada o mais revolucionário de todos os escritos de Paulo. Por certo, a passagem lida neste domingo atesta isso. Trata-se do hino batismal, frequentemente reconhecido como a síntese e o coração de toda a carta.
Nesse texto, Paulo ensina que o batismo transforma radicalmente a pessoa. A fé em Jesus Cristo já é suficiente para tornar qualquer ser humano filho de Deus (v. 26). Ao ser batizada, a pessoa é toda revestida de Cristo (v. 27), o que significa ser impregnada dele, passando a compartilhar sua mesma identidade, dignidade e missão. Esse privilégio, contudo, traz consequências muito concretas para o cristão, pois implica assumir seu estilo de vida, com a disposição de amar sem medidas e a coragem de carregar a cruz. O resultado disso é uma nova humanidade, um mundo sem divisões, nem barreiras, nem preconceitos, uma vez que o revestimento de Cristo torna todos iguais (v. 28), na condição de irmãos uns dos outros, o que não significa cancelamento da diversidade, mas valorização das diferenças sob nova perspectiva.
É do conjunto de tudo isso que se constitui o verdadeiro povo de Deus (v. 29), pois a humanidade inteira é destinatária de suas promessas, cujo cumprimento se dá no amor de Jesus, derramado sobre todo o mundo, do qual a cruz é a confirmação.
3. Evangelho (Lc 9,18-24)
O Evangelho traz o clássico relato da confissão de Pedro sobre a identidade de Jesus, seguido do primeiro anúncio da paixão e o reforço das exigências para o discipulado. Esse episódio é comum aos três Evangelhos sinóticos, embora seja retratado em cada um de maneira diversa, de acordo com as respectivas intenções teológicas e as necessidades das comunidades destinatárias. Não obstante, em todos eles, trata-se de um acontecimento central da vida de Jesus e, consequentemente, dos seus discípulos, sendo considerado verdadeiro divisor de águas para a trama de cada Evangelho. De fato, nos três sinóticos, esse episódio está inserido na conclusão do ministério de Jesus na Galileia, muito próximo de iniciar seu caminho para Jerusalém.
A liturgia nos oferece a versão de Lucas, que apresenta contornos próprios desde o primeiro versículo: ele ignora a localização do episódio em Cesareia de Filipe e, de maneira única, afirma que Jesus se encontrava em oração, num lugar retirado, junto aos seus discípulos (v. 18a). A oração, como se sabe, é um dos temas mais caros a Lucas. Ele faz questão de apresentar Jesus em oração nos momentos mais importantes da sua vida, desde o batismo (3,21) até a paixão (22,39-46). Por meio da oração, Jesus cultivava a intimidade com o Pai e, assim, fortalecia-se para seguir sua missão com fidelidade. Portanto, foi em clima orante que ele perguntou aos discípulos sobre a opinião do povo a respeito da sua identidade (v. 18b). As respostas indicam uma imagem positiva de Jesus junto ao povo, mas insuficientes, pois ele era mais do que um profeta (v. 19).
Parece que a pergunta sobre a opinião do povo a seu respeito era apenas um pretexto. O que realmente interessava a Jesus, naquele momento, era a imagem que os discípulos tinham dele e do seu projeto. Daí a pergunta dirigida a eles e prontamente respondida por Pedro, na condição de porta-voz do grupo, em forma de confissão: “o Cristo de Deus” (v. 20). Apesar de correta, a confissão de Pedro ainda refletia uma visão limitada do messianismo de Jesus, que não era o Messias glorioso e guerreiro esperado, mas o Messias Servo, destinado ao sofrimento, à rejeição, à morte e à ressurreição. Por isso, Jesus ordenou que não contassem a ninguém (v. 21) e, logo em seguida, fez o primeiro anúncio da paixão, a fim de corrigir as expectativas distorcidas que tinham dele e do seu messianismo (v. 22), apresentando-se, implicitamente, como Messias sofredor, ao invés de glorioso, como queriam os discípulos. O sofrimento anunciado por ele não era predestinação, mas consequência de sua fidelidade ao Pai e seu projeto de Reino.
Na sequência, Jesus apresenta as exigências do discipulado: renunciar a si mesmo, tomar a cruz cotidianamente e segui-lo (v. 23). Renunciar significa abandonar egoísmos e projetos desalinhados com o Reino; tomar a cruz implica assumir os desafios e rejeições que a vivência do Evangelho implica. Tudo isso exige fidelidade, perseverança e, acima de tudo, uma mentalidade nova, para acolher e seguir um Messias tão “às avessas”, comparado ao que previa a tradição. O texto conclui com uma afirmação proverbial, que ressalta a lógica subversiva do Reino: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (v. 24). Essa inversão de valores destaca que, na visão de Jesus, a verdadeira vida é encontrada na entrega e no compromisso com os valores do Reino, como amor, justiça e igualdade, mesmo sabendo que o destino de quem faz opção é a cruz. Com efeito, a salvação não é simplesmente a preservação ou repouso eterno da alma, mas sobretudo a vida e a mensagem libertadora de Jesus, o Salvador. Salva-se, portanto, quem assimila essa mensagem e a transforma em vida.
Somos convidados hoje, de modo especial, a procurar conhecer cada vez mais a identidade autêntica de Jesus, para podermos continuar no seu seguimento. Segui-lo é confrontar-se com as estruturas do mundo que impedem a realização, desde já, do Reino de Deus. O seguimento e o anúncio devem ser frutos de uma relação de intimidade com ele e com o Pai. Sem convicção e conhecimento da sua pessoa, o anúncio tende a ser distorcido.
III. Pistas para reflexão
A pergunta de Jesus aos discípulos a respeito da sua identidade continua sendo feita, todos os dias, a todos os cristãos. É pergunta decisiva, cuja resposta orienta a maneira de se relacionar com ele, com Deus e com o próximo. Na homilia, é importante estabelecer a relação entre os três textos, recordando, coerentemente, o contexto de cada um, mostrando cuidadosamente o que os une e o que os separa. É oportuno ressaltar as implicações concretas do seguimento de Jesus atualmente, motivando as pessoas a identificar em si mesmas o que deve ser feito cotidianamente para tornar o Reino de Deus cada vez mais presente na vida.
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]