Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 56-58
22 de dezembro – 4º DOMINGO DO ADVENTO
Por Pe. Maicon André Malacarne*
“Atravessar montanhas” para celebrar o Natal!
Maria de Nazaré, que “atravessa montanhas” para encontrar a prima Isabel, conduz o coração do Advento e, de maneira especial, a proximidade do Natal. Se João Batista convidou a “preparar os caminhos do Senhor”, Maria, ao dizer “sim”, torna-se o próprio caminho para o Salvador. Ela carregou a plenitude daquilo que o profeta Miqueias anunciou: “Ele mesmo será a paz”.
A paz se realiza nos encontros, na aproximação, no diálogo! Por natureza, somos seres relacionais, e o impulso missionário de Maria é sempre um horizonte sobre o qual nos cabe construir a vida cristã. Construir relações saudáveis a ponto de alcançar o perdão, de viver com misericórdia, de estabelecer vínculos de amizade sempre será a melhor forma de preparar a vinda do Senhor e “fazer sua vontade”.
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (Mq 5,1-4a)
Antes de Maria fazer da estrada sua grande companhia na direção de Isabel, o profeta Miqueias anunciava a esperança a partir de um pequeno povoado: “Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel” (v. 1). Miqueias não estava fazendo adivinhação. A profecia é a capacidade de olhar com esperança o futuro com base nos sinais presentes no cotidiano.
É verdade que, no imaginário de Miqueias, o “salvador” deveria ser um novo rei que não oprimisse e maltratasse o povo, semelhante a Davi. Mais de setecentos anos depois, com a disponibilidade de Maria e o nascimento de Jesus, descobrimos que o rei enviado por Deus foi seu próprio Filho, para cumprir a profecia: “apascentará com a força do Senhor” (v. 3).
O biblista Gianfranco Ravasi (Viviamo ogni anno l’attesa antica, 2002, p. 91, tradução nossa) faz uma reflexão interessante sobre o irrompimento da novidade de dentro da dinastia davídica:
Ainda é possível que as trevas da injustiça sejam rompidas e que uma nova e salvadora presença de Deus apareça na linhagem da dinastia de Davi, ou seja, na situação viva da história humana. É essa mesma presença que Isaías, talvez alguns anos antes, havia anunciado nas páginas comoventes e misteriosas de seu “Livro do Emanuel” (Is 7-12).
2. II leitura (Hb 10,5-10)
“Eis que venho” (v. 7) é como um refrão que deve conduzir a vida nestes dias que antecedem o Natal. O Senhor vem para “fazer a vontade do Pai”. De fato, a expressão “fazer a vontade” permeia o trecho da carta aos Hebreus. Em Cristo, a “vontade do Pai” é levada à plenitude e todos somos convidados a responder com um estilo de vida coerente e fiel à mesma vontade.
Como viver essa resposta? O autor sugere que Deus não quer “vítima ou oferenda” (v. 5), mas sim que se viva a carnalidade da sua proposta: “formaste-me um corpo”. O corpo é a síntese daquilo que somos. No corpo está a integralidade da vida, das relações, dos vínculos, dos traumas, das marcas, dos medos.
Realizar, na história, a vontade do Pai significa assumir com compromisso radical sua proposta, a exemplo de Maria, no “sim” fiel e verdadeiro de todos os dias. Um sim que a leva a atravessar o mundo para ser missionária de uma vida nova. A cruz é o ponto mais alto da doação da vida, da vivência radical do amor. Toda oferta e fidelidade exigem o enfrentamento das cruzes!
3. Evangelho (Lc 1,39-45)
No início de tudo está uma visita! Toda visita é uma forma de ampliar a vida, de alargar um círculo. A visita arrasta para fora. O texto do Evangelho deste domingo apresenta a imediata visita de Maria – depois da anunciação do anjo – à sua prima Isabel: “Maria partiu para uma região montanhosa” (v. 39). Isabel morava distante, com Zacarias. Era um casal idoso que vivia a bênção da espera por João Batista. O encontro de Maria e Isabel, o afeto de duas mulheres grávidas, compõem o cenário da visitação. Para que isso fosse possível, Maria precisou “atravessar a montanha”.
A vida nem sempre é linear, e as montanhas são uma metáfora da descontinuidade, da necessidade de amar o desnível, de dar sentido àquilo que não é “planície”. As “montanhas” atravessam nossas relações e recordam que visitar, aproximar, compreender, servir não é tarefa simples e fácil, não é fazer de qualquer jeito.
As “montanhas” impedem encontros, convivências, ofuscam a verdade do outro. São as imagens que fazemos, os preconceitos que alimentamos, o idealismo que guardamos. Maria, ao atravessar a montanha, coloca no princípio da fé a busca por aproximar-se e conhecer a identidade do outro. Não é possível fazê-lo sem escalar as “montanhas” para chegar mais perto.
Na fé mais genuína, mais bonita, não podem estar o tempo e o esforço para tornar as montanhas ainda mais altas e intransponíveis, como carregadores de pedras e de terra. Esse é o caminho oposto ao de Maria. A superficialidade da planície precisa ser provocada pela ousadia da “montanha” – eis o grande desafio de preparar a vinda do Senhor, bem próximo, no Natal. Não há fé sem visitação, não há fé sem “montanha”. Trata-se de um sair de casa contínuo. A Igreja em saída é a Igreja de Maria, de Jesus, da humanidade que não escolheu ficar pisoteando a mesma “planície”.
III. Pistas para reflexão
Miqueias recorda que o “estilo” de Deus encontra sempre o ponto de partida na pequenez, na humildade, traduzido pelo profeta como um lugar geográfico – “Belém de Éfrata”, a menor das cidades –, de onde anunciou a vinda do Salvador. Deus escolheu para mãe do seu Filho uma jovem mulher de Nazaré. Cumpriu-se a profecia da pequenez, da humildade: Maria e Belém são o “corpo”, o lugar teológico onde tudo chegou à plenitude e onde tudo se inicia de um jeito novo.
A chegada do Natal exige uma atitude ainda maior de atenção, vigilância e espera para que o Senhor não nos encontre dispersos e desatentos em realizar sua vontade. Nas correrias da vida, mais do que nunca, é fundamental diminuir o passo, silenciar, acolher a novidade que Deus vai revelando todos os dias na história e “atravessar as montanhas” necessárias para vivermos a vocação de filhos e filhas de Deus. “Eis que venho!” é o refrão que vai nos conduzindo. Ele vem! Ele vem!
Pe. Maicon André Malacarne*
*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]