Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 51-53
2 de junho – 9º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Ir. Izabel Patuzzo, pime*
O dia do Senhor a serviço da vida!
I. INTRODUÇÃO GERAL
Esta liturgia nos fala da importância do dia do Senhor, o sábado para os judeus e o primeiro dia da semana, o domingo, para os cristãos. O dia consagrado a Deus faz memória da obra da criação, e o domingo, da obra redentora de Jesus Cristo.
A primeira leitura, extraída do livro do Deuteronômio, fala sobre o estabelecimento do sábado na vida do povo escolhido. O texto recorda que o sábado é um tempo para lembrar as grandes obras de Deus em favor de seu povo; é o dia reservado para lembrar o amor de Deus e as muitas vezes em que mostrou sua presença no meio do povo. No Antigo Testamento e certamente também agora, um dos grandes desafios é o esquecimento. A segunda leitura, retirada da segunda carta aos Coríntios, faz afirmações realmente fortes; primeiro, ouvimos de Deus: “Das trevas resplandecerá a luz, e Ele fez a luz brilhar em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo”. Em seguida, ouvimos isto: “Nós, que vivemos, somos constantemente entregues à morte por causa de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal”. Para o apóstolo Paulo, as fragilidades humanas não comprometem a mensagem evangélica, pois ela é obra de Deus. Seguindo a mesma temática, o texto do Evangelho segundo Marcos nos alerta acerca dos perigos de uma interpretação rigorista acerca do descanso sabático. Jesus nos convida a recuperar o verdadeiro sentido do descanso sagrado, que é o serviço e o amor aos mais necessitados. O dia do Senhor não é simples preceito, mas tempo propício para nos aproximarmos mais de Deus e dos irmãos.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Dt 5,12-15)
O livro do Deuteronômio, em sua forma presente, é resultado de longo processo de formação. A redação do Decálogo, como é apresentada no texto desta liturgia, é muito posterior ao evento da entrega da Torá no monte Sinai, quando o povo caminhava pelo deserto. O texto final do Deuteronômio que ouvimos neste domingo divide-se em três grandes seções, com os discursos de Moisés. A primeira leitura de hoje situa-se na parte inicial do livro. Trata-se do mandamento referente ao dia consagrado ao Senhor, o sábado. O Senhor Deus dirige-se à assembleia reunida e declara que o dia do sábado deve ser guardado para a santificação da comunidade dos fiéis.
Como o sábado pertence ao Senhor, é claro que não deve ser um dia comum de trabalho. Sua observância é um elemento central para preservar a identidade do povo escolhido. O repouso sabático tinha uma função religiosa e espiritual, pois era o dia em que o povo se reunia para louvar a Deus. Mas também tinha uma função social, que consistia em manter o ideal de justiça, com igualdade de direito ao descanso para as várias categorias sociais, incluindo os escravos e estrangeiros.
O fundamento teológico da observância do sábado relaciona-se com o evento da libertação do Egito. De fato, todo o livro do Deuteronômio faz grande memória histórica da escravidão de Israel no Egito, e a libertação nela se insere como a grande intervenção divina que transformou radicalmente a vida do povo. De um grupo de escravos, Deus constituiu um povo livre para servi-lo. Portanto, o preceito do sábado funciona como símbolo dos deveres do povo para com o Senhor Deus, o libertador de Israel.
2. II leitura (2Cor 4,6-11)
O ponto central da segunda leitura é a descrição autobiográfica do apóstolo Paulo. Seus adversários interpretavam suas provações e tribulações como contradições com sua reivindicação de ser apóstolo. Tal debilidade não poderia ministrar o poder salvador de Deus. Em sua réplica, Paulo insiste que sofrer é parte integrante do apostolado autêntico e da vida cristã. Seus sofrimentos se assemelham aos de Jesus Cristo e lhe possibilitam demonstrar a verdadeira humanidade que Jesus encarnou.
A imagem simbólica do tesouro do ministério em vasos de argila enfatiza os contrastes entre os perigos da morte física e a riqueza do Evangelho anunciado. Para Paulo, a vida e a morte de Cristo estão presentes nas várias situações existenciais, mesmo nas tribulações. Isso é particularmente significativo porque esse discurso do apóstolo está situado no contexto de defesa de seu ministério contra aqueles que procuram depreciá-lo diante da comunidade. Porém, ele reitera que não anuncia a si mesmo, mas sim a glória de Deus, que reflete o rosto de Cristo. Sua mensagem destina-se a demonstrar que Cristo está vivo e presente no seu ministério, mesmo nas fragilidades que encontra em sua missão de anunciar o Evangelho.
3. Evangelho (Mc 2,23-3,6)
O texto do Evangelho segundo Marcos proposto para a liturgia deste domingo é composto de dois episódios. O primeiro deles nos dá exemplos para entender como viver o dia do Senhor, com o relato dos discípulos colhendo espigas de trigo em dia de sábado. O segundo episódio mostra outro confronto com os fariseus, diante da cura que Jesus realiza na sinagoga em dia de sábado. Desse modo, Marcos nos convida a ouvir o que Jesus nos ensina acerca da interpretação correta da instituição do sábado judaico: o sábado foi feito para o ser humano, isto é, para o serviço do bem, para promover a vida na liberdade e na justiça.
Do ponto de vista dos fariseus, os discípulos estavam quebrando a lei do sábado. Colher grãos de trigo para saciar a fome era considerado pelos fariseus como trabalho. Trabalho não era permitido no sábado; portanto, a seu ver, os discípulos estavam desobedecendo ao preceito e pecando. Essa posição dos fariseus se baseava numa interpretação equivocada da Lei mosaica, então Jesus recupera o verdadeiro sentido da observância do dia de sábado, vinculando-o ao serviço da vida. Quanto à controvérsia acerca da autoridade de Jesus para perdoar os pecados e realizar curas em dia de sábado, fica evidente, nos dois exemplos, que o critério da observância desse preceito é a prática do bem, indo ao encontro das necessidades básicas humanas – no caso, saciando a fome e curando as dores físicas em consequência da doença. É importante notar que Jesus não diminui a importância do sábado como dia consagrado ao Senhor, mas redireciona seu sentido e sua finalidade. Ele ensina seus discípulos a se posicionarem com liberdade diante das diversas interpretações que a Lei mosaica foi recebendo na história do povo escolhido.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
As leituras deste domingo não põem em questionamento a celebração do dia do Senhor, mas a reposicionam de modo que esteja em sintonia com o cuidado dos mais necessitados. A observância do dia consagrado ao Senhor, para os discípulos de Jesus, tem esta dupla função: encontrar-se com Deus, para dar graças e louvores por toda a sua obra, e servir os irmãos na pessoa dos mais necessitados.
As três leituras nos ajudam a entender o que significa a observância do dia de sábado e por que Jesus diz que esse dia consagrado foi feito para o ser humano, e não o contrário. Observar o sábado não consiste apenas em obedecer rigidamente às leis e permanecer na quietude e na dedicação à meditação da Palavra, mas também em fazer o bem aos outros e buscar sempre viver no amor de Deus.
Essa compreensão nos lembra de que é preciso reservar tempo para estar com Deus. Apenas ir à igreja no domingo, celebrar a santa missa no dia do Senhor, não é suficiente. Além de nos encontrarmos com Deus, de sermos alimentados pela sua Palavra e pela Eucaristia, é necessário dedicar tempo para as obras de caridade. Dessa forma, chegamos a conhecer o amor de Deus mais completamente e a viver como Jesus fez, seguindo seu caminho em direção ao Pai.
Ir. Izabel Patuzzo, pime*
*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]