A bênção de Deus
I. Introdução geral
As três leituras da solenidade da Santa Mãe de Deus tratam de bênção, filiação salvação (nome Jesus). A bênção de Deus sobre todos os seus filhos e filhas plenifica-se com a presença do “Deus que salva”. Jesus é a bênção de Deus por excelência! A face de Deus que resplandece no meio de nós!
II. Comentário dos textos bíblicos
- Evangelho: Lc 2,16-21
Os primeiros a receber a Boa Notícia do nascimento do Salvador foram os pastores. Estes representam duas categorias de pessoas: a) na sociedade judaica, os pastores eram pessoas que ocupavam um dos lugares mais baixos da pirâmide social. Eram analfabetos, por isso não conheciam a Sagrada Escritura, não tinham acesso à vontade de Deus expressa em suas leis. Além disso, o seu ofício impedia-os da frequência assídua à sinagoga para ouvir a Palavra de Deus. Com efeito, eram considerados pecadores! Eram desprezados por todos, pois era comum o rebanho provocar perturbação por onde passava; b) os pastores apresentados por Lucas representam todos os profetas do Antigo Testamento que esperavam o Deus Salvador! Por que os pastores foram os primeiros a receber a Boa Notícia do nascimento de Jesus?
Os pobres, privados das “boas notícias” do mundo — eles não despertam nenhum interesse nos portadores do poder – , estão sempre abertos a receber a Boa-Nova vinda de Deus. O Pai se interessa por eles! Como representantes dos profetas, eles se alegram: a esperança, nascida da fé nas promessas de Deus, nunca decepciona. Ela é sempre experimentada na alegria, pois em Deus há sempre o amanhã.
Os pastores vão “às pressas a Belém”. A alegria nascida da esperança sempre nos põe “às pressas”. Mas “às pressas” só devemos ir à Belém! Lá não há nada de extraordinário: um menino deitado na manjedoura com seu pai e sua mãe. O Deus dos profetas, aquele que se põe ao lado dos desvalidos, é um Deus Misericordioso, cujo poder está no Amor. Ora, o Amor não faz espetáculo. Para Deus, basta uma manjedoura fria, aquecida pelo amor de Maria! “Tendo-o visto, contaram o que fora dito sobre o menino” (v. 17). Aqueles que não conheciam a Palavra de Deus passam a ser anunciadores da Boa-Nova. Os pecadores anunciam a chegada de Deus! Quem recebe uma Boa Notícia e se alegra com isso não se cansa de anunciá-la para que todos participem da mesma alegria. E todos que os ouviam ficavam maravilhados. (v. 18).
As maravilhas que Deus realizou foram a Criação, a libertação da escravidão do Egito e as Tábuas da Lei, mas a maior de todas elas foi o envio do seu Filho único para nos salvar. Os pastores são os primeiros a recebê-la e os primeiros a anunciá-la! Maria já conhecia essa maravilha maior. Em seu Magnificat, já cantara que nela Deus realizou maravilhas! Todos os acontecimentos, ela guardava em seu coração (v. 19) e meditava sobre eles. Em sua postura orante, em todos os acontecimentos da vida, Maria via a presença de Deus. Rezar sobre o que nos acontece, ver nos acontecimentos a presença do divino, eis a mais bela oração que podemos fazer a Deus!
“Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido” (v. 20). Eles voltam anunciando o evangelho com alegria numa verdadeira festa litúrgica. A visita a Belém provoca neles uma verdadeira transformação: voltam como missionários da Boa-Nova, celebrando o encontro com o Deus menino, celebrando a vida.
Entre os israelitas era costume que o pai desse o seu nome ao filho. José não segue esse costume para assinalar que tudo em Jesus vem do Pai. Por vir do Pai, Jesus é a bênção por excelência de Deus sobre todos os povos! Bênção que se traduz em filiação divina; ou seja, com Jesus, toda a humanidade torna-se herdeira do Pai.
O que nos ensina o Evangelho?
a) Deus comunica-se conosco até mesmo em nossas trevas: nas nossas noites escuras, como aos pastores. Não procuramos Deus alhures, mas em nosso cotidiano, em nossa vida!
b) O Deus menino na manjedoura nos revela o modo de agir de Deus: nada de espetáculo, ele se abaixa para nos pôr de pé. Aprendamos a lição da manjedoura: devemos nos revestir de humanidade (humildade) para acolher a divindade!
c) As nossas trevas transformam-se em luz quando recebemos a Boa-Nova de Deus. Nele, o sol sempre brilha, pois temos sempre o amanhã. Que nenhuma boa notícia do mundo ofusque a alegria verdadeira que poderá vir somente do Pai.
d) Mas a Boa-Nova do Pai, se de fato nos alegra, transforma-nos: passamos a ser missionários do amor de Deus e celebrantes da vida. A nossa celebração litúrgica, quando não celebra a vida, celebra os funerais de Deus! E quando vamos à celebração com as mãos vazias, ou seja, sem ser missionários, tal como os pastores, vamos para o velório de Deus! Onde perdemos a alegria que contagiou os pastores?
e) Conseguimos encontrar na fragilidade da criança, envolta em trapos, a nossa proteção? Como esse Deus que salva choca com a salvação que o mundo oferece!
2. I leitura: Nm 6,22-27
No Primeiro Testamento, a relação entre Deus e o ser humano passava pela mediação. A bênção de Deus ao ser humano pecador só era concedida através de um mediador indicado pelo próprio Deus. Até Jesus Cristo, o único mediador, os sacerdotes eram os que exerciam a função de mediação. A bênção de Aarão, tal como nos apresenta o livro dos Números, satisfaz três desejos profundos do ser humano:
a) A bênção protetora: “O Senhor te abençoe e te guarde!” (v. 24). Ao não mais habitar o jardim –fomos criados para morar no jardim – por causa do pecado, o ser humano se expôs a toda sorte de perigo. Todo o tempo corre o risco de sofrer as consequências do pecado. Ele necessita do cuidado de Deus! Com a bênção divina, sente-se protegido, cercado pelo carinho do Pai.
b) A bênção do perdão: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti!” (v. 25). A face resplandecente do Senhor simboliza comunhão: pois “Deus se compadece de ti”! O pecador, contrito e humilhado, ao receber a bênção do Senhor, recebe o seu perdão. O coração compassivo do Pai deixa-se mover pelo coração contrito de seu filho!
c) A bênção da paz: “O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (v. 26). A az, na concepção judaica, significa celeiros cheios, gado gordo no pasto, todas as dívidas pagas... Ora, o pecado traduz-se numa dívida impagável que temos para com Deus. Apesar disso, Deus não recusa o seu perdão, a sua paz!
“Há um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus” (1Tm 2,5). Jesus é a bênção encarnada do Pai! O rosto de Deus que brilha no meio de nós! A face do Pai que se volta para todos os seus filhos e filhas! A nossa verdadeira paz: nele todas as nossas dívidas foram pagas! Nele, o coração misericordioso do Pai palpita entre nós. Em Jesus – o Deus que salva –, somos todos herdeiros do Pai!
- II leitura: Gl 4,4-7
Na plenitude dos tempos, Deus enviou ao mundo seu único Filho (v. 4). Homem no meio dos homens, Jesus trouxe-nos a filiação divina. Nascido de mulher, portanto sujeito à lei, ele liberta-nos da sua sujeição, pois nele toda lei se cumpriu: ele é a plenitude da lei. Ora, o espírito da lei ou seu fundamento consiste no amor! Jesus, cuja vida foi entrega total por Amor, expressa o espírito da lei. Por isso, ele é a sua plenitude. Nós, submissos à letra da lei, passamos a vivenciar o espírito dele. Doravante, a presença de Deus no meio de nós não se dá mais pela submissão à lei, mas pela relação amorosa: Pai e filhos! Amando incondicionalmente a Deus e obedecendo somente a ele e, ao mesmo tempo, amando a cada um de nós, Jesus nos ensinou o que, de fato, consiste em ser filhos de Deus Pai! No amor, recebemos o Espírito do Filho que clama Abbá (v. 6). É por isso que em Jesus somos herdeiros, não mais escravos. Com Jesus, o Amor é a nossa lei!
- A solenidade da Mãe de Deus
“Nascido de mulher”, Deus se faz um de nós! Maria apresenta-se como a porta aberta pela qual Deus fez sua entrada no meio da humanidade. Maria acolhe e dá à luz a luz! O cristão é chamado por Deus a ser como Maria: aquele que o acolhe permite Deus realizar nele maravilhas e dá ao mundo o seu Filho amado. Vivendo movido pelo Espírito, vive como luz e, por isso, oferece ao mundo a verdadeira luz: Cristo Jesus!
Ivonil Parraz