Roteiros homiléticos

19 de junho – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Celso Loraschi

JESUS: FÉ E SEGUIMENTO

I. INTRODUÇÃO GERAL

O Filho de Deus se fez um de nós. Revelou o rosto misericordioso do Pai. Formou uma comunidade de discípulos. Ensinou-lhes o caminho do Reino de Deus. Junto às pessoas excluídas, manifestou-lhes o poder de Deus que liberta, cura, perdoa, sacia... Jesus conta com os seus seguidores. Envia-os em missão para continuarem a sua obra. A compreensão a respeito de Jesus dá-se, porém, gradativamente. Predomina nos discípulos a ideia triunfalista de Messias. Precisam ainda tomar consciência do verdadeiro significado do seguimento de Jesus. Não basta crer que ele é o Messias. Jesus assume o caminho da cruz, e não a postura triunfalista; solidariza-se com a dor da humanidade que anseia por libertação (Evangelho). Na história de Israel, o sofrimento foi sendo entendido como processo de purificação do pecado e de encontro com o verdadeiro Deus que ouve a súplica do povo em crise (I leitura). Como filhos e filhas de Deus, somos chamados à autêntica liberdade, deixando-nos guiar pelo seu Espírito. Restabelece-se a dignidade e a igualdade entre todos, superando as barreiras de raça, gênero e classe social (II leitura). São importantes indicações para todas as pessoas de boa vontade que desejam viver uma vida nova, com renovado entusiasmo e realismo histórico.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Zc 12,10-11; 13,1): Deus ouve a súplica do povo

Os estudiosos distinguem, no livro de Zacarias, dois blocos distintos: o primeiro (Zc 1-8) teria sido escrito ao redor do ano 520 a.C., duas décadas após o exílio da Babilônia. Nesse bloco, os autores apontam os pecados do povo como causadores do exílio. Deus, porém, concede o perdão e defende os interesses dos repatriados. Jerusalém e o Templo (que está sendo reconstruído) são projetados como fonte de bênçãos e de um futuro messiânico de paz e de alegria para o povo.

O segundo bloco (Zc 9-14), escrito em torno do final do século IV a.C. e, portanto, mais recente do que o primeiro, apresenta um conteúdo centrado no messianismo. Jerusalém – a casa de Davi – é considerada como centro do mundo; é o lugar onde Deus mostra sua ternura e proteção ao povo “transpassado” pelo sofrimento, causado especialmente pelas dominações externas e por seus tentáculos internos. Desde a invasão babilônica em 587 a.C., quando a cidade e o templo de Jerusalém foram arrasados, muita gente foi morta e muitos foram expatriados de sua terra. A idolatria é reconhecida como a causa desses acontecimentos lamentáveis.

Deus mostra-se extremamente solícito com o clamor do povo que chora e se lamenta, reconhecendo seus pecados. Deus mesmo vai purificá-lo, enviando-lhe um “espírito de graça e de súplica” para que todos voltem o olhar para ele. Espírito de graça porque Deus será reconhecido como aquele que ama na gratuidade, apesar das infidelidades do povo; espírito de súplica porque o povo, em situação de extrema necessidade, se volta para Deus com fé e confiança, invocando sua ajuda e proteção.

Jerusalém, com a vida nova adquirida por intervenção divina, transforma-se em fonte irradiadora de purificação e bênção. Podemos aqui lembrar a leitura que a comunidade joanina vai fazer a respeito de Jesus, morto em Jerusalém, o “transpassado” para o qual todos voltarão seus olhos (Jo 19,37). O Messias assassinado na cruz torna-se a fonte de todas as bênçãos para a humanidade.

2. Evangelho (Lc 9,18-24): que tipo de Messias é Jesus?

A compreensão do messianismo de Jesus por parte de seus discípulos foi acontecendo lentamente. Imersos na ideologia religiosa do Templo, esperavam um Messias com poder de monarca, da linhagem de Davi, capaz de libertar o povo da dominação romana.

Portanto, se essa era a mentalidade dominante a respeito do Messias, ela deveria causar grandes problemas para os políticos da época. De fato, vários líderes messiânicos foram simplesmente exterminados antes de Jesus. Nenhuma das respostas dadas a Jesus sobre o que as multidões diziam a seu respeito contempla a ideia de Messias. Lucas reserva essa concepção para Pedro, o representante dos discípulos: “Tu és o Messias de Deus”.

Imediatamente Jesus os proíbe severamente de espalhar essa afirmação para outras pessoas. Ele conhece os seus seguidores e sabe que estão ainda fanatizados pela ideologia dominante. Podem dar azo ao seu fanatismo e comprometer a missão de Jesus. Eles sabem que Jesus é o Messias, mas ainda não compreendem que tipo de Messias é Jesus.

Segundo Lucas, Jesus vai dedicar uma caminhada inteira (novo êxodo), da Galileia a Jerusalém, ao empenho especial de educar os discípulos na verdadeira compreensão do Messias. O início dessa caminhada se dá em 9,51, quando Jesus “toma a firme decisão de partir para Jerusalém”. Antes disso, ele faz dois anúncios de sua paixão e morte. No primeiro, logo após a declaração teórica, por parte dos discípulos, de que ele é o Messias: “É necessário que o Filho do homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (9,22). No segundo anúncio (9,44-45), Jesus prepara os discípulos para o destino do Messias, alertando-os: “Abram bem os ouvidos... O Filho do homem será entregue às mãos dos homens”. O terceiro anúncio (18,31-34), Jesus o fará em plena caminhada, próximo a Jerusalém: “De fato, ele será entregue aos gentios, escarnecido, ultrajado, coberto de escarros, depois de açoitá-lo, eles o matarão...”. Apesar da tríplice insistência, os discípulos “não entenderam nada”.

A cruz e a morte estão intimamente ligadas ao messianismo de Jesus. A concepção triunfalista cai por terra: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me”. A escolha de Jesus é o caminho do “servo sofredor”, inspirado no Segundo Isaías (Is 40-55). Decorre daí que o seguimento de Jesus se concretiza por meio de rupturas e opções: rupturas com toda forma de egoísmo e poder, com toda preocupação de buscar o brilho próprio dos que dominam; opções pelo serviço humilde e abnegado em vista de uma sociedade de amor, de justiça e de paz. De fato, Jesus não anuncia a sua morte como fato definitivo. A ressurreição é o destino dos que dão a vida pelo Reino. O êxodo pelo qual Jesus tem de passar, incluindo a própria morte, vai possibilitar a entrada na terra da liberdade e da vida plena, onde já não haverá egoísmo nem dominação de nenhuma espécie.

3. II leitura (Gl 3,26-29): Revestidos de Cristo

Nesse texto, Paulo continua explicando às comunidades cristãs a importância da fé em Jesus Cristo como caminho de superação de todo legalismo. A Lei funcionou como “pedagogo” enquanto ainda estávamos num estágio imaturo. Com seus preceitos e proibições, foi útil para nos ajudar a descobrir o que pode nos levar à maldição e o que atrai a bênção. O problema é que a Lei nos tornou seus dependentes e até nos escravizou, a ponto de condicionar a salvação ao cumprimento de inúmeras normas.

Com o advento de Jesus, é-nos dado o tempo da maturidade. Então, podemos sair da dependência da Lei e abraçar a autêntica liberdade de filhos e filhas de Deus. Não se pode voltar atrás, sob o risco de anular a graça de Deus.

Pela fé em Jesus Cristo, tornamo-nos semelhantes a ele. Pelo batismo nos revestimos de Jesus, mergulhamos na sua própria vida. A Lei fazia distinção de pessoas e legitimava a exclusão de mulheres, pobres e estrangeiros. Agora nos tornamos uma unidade na diversidade. Portanto, “não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e livre, entre homem e mulher”. Ficam assim eliminadas as barreiras que nos separavam, seja de raça, de gênero ou de classe social. Pertencendo, assim, a Cristo, somos herdeiros da promessa que Deus fez a Abraão de uma descendência numerosa e feliz.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Temos a graça de conhecer a Jesus por meio do testemunho dos discípulos que o conheceram pessoalmente e também das comunidades cristãs primitivas. Constatamos que o seguimento de Jesus se dá num processo de compreensão gradativo. Assim como aconteceu com os seus discípulos, todos nós somos contaminados com falsas ideologias que vão introduzindo pseudovalores, segundo os interesses dos que dominam a sociedade.

Desde o âmbito familiar, os pais tendem a educar os filhos para serem os melhores, os mais fortes, os mais espertos. Ao entrar na escola, a maior preocupação é vencer na vida, entendendo isso como ter dinheiro, fama e poder. Num mundo competitivo como o nosso, há pouco lugar para o serviço humilde e para uma política que vise à inclusão de todas as pessoas nas condições de uma vida digna. É grande ainda a discriminação entre pessoas devido à sua condição social, à cor da pele ou ao sexo. Precisamos realizar um “novo êxodo” rumo a uma terra sem males, onde as diferenças sejam respeitadas e acolhidas; onde as relações se fundamentem na dignidade intrínseca de cada ser humano; onde a liberdade se concretize em ações a favor da vida sem exclusão.

Como filhos e filhas de Deus, podemos desenvolver sempre melhor a potencialidade divina que está em nós; como mulheres e homens, podemos exercitar cotidianamente o serviço mútuo, dando-nos as mãos para construir o Reino de Deus. Jesus nos ensinou o caminho da vida plena, caracterizado pelas rupturas com o poder que domina e pelas opções de profunda solidariedade com o povo transpassado pelo sofrimento. Somos convidados a seguir a Jesus, o Messias. Lembremos, porém, que, em seu messianismo, ele não ambicionou fama e triunfalismo, mas escolheu livremente ser fiel ao Pai, sendo servo de todos até a morte.

► Podem-se levantar algumas situações evidentes de discriminação e de exclusão na família e na sociedade. Ressaltar as atitudes de serviço humilde e anônimo de muitas pessoas normalmente esquecidas e desvalorizadas. Esclarecer quais as rupturas e as opções a serem feitas pelos seguidores e seguidoras de Jesus.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (ITESC).
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