Roteiros homiléticos

19 de abril – 3º DOMINGO DA PÁSCOA

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Testemunhando a fé no nome de Jesus ressuscitado

I INTRODUÇÃO GERAL

Somos chamados a viver como testemunhas da vida de Jesus Cristo. É possível dizer que as pessoas desejam ler a vida de Jesus refletida em nós. Nesse sentido, somos as cartas vivas do evangelho. A força da ressurreição é companheira do movimento de Jesus. O Deus conosco se faz presente agora como o Ressuscitado. O espaço que se pensava que ficaria vazio, sendo habitado episodicamente pelo sentimento de saudade, seria de novo preenchido pelo Cristo ressuscitado. A missão tanto dos primeiros discípulos quanto de todos nós – discípulos e missionários de Jesus – seguirá e se desenvolverá com base na certeza da ressurreição e na força do Espírito: “Eis que enviarei sobre vocês o que meu Pai prometeu. Portanto, fiquem na cidade, até serem revestidos da força do alto” (Lc 24,49).

II COMENTÁRIOS AOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. I leitura: At 3,13-15.17-19

Pedro, nos Atos dos Apóstolos, depois de recordar a paixão de Jesus, declara na presença de todo o povo: “Deus o ressuscitou de entre os mortos e nós somos testemunhas”. As testemunhas se apresentam de acordo com a substância da mensagem que anunciam. Os discípulos viveram essa mensagem até as últimas consequências, selando muitas vezes sua pregação com o martírio. O testemunho da vida é a prova mais incontestável da verdade do evangelho. Se somos discípulos missionários de Jesus, somos também as testemunhas preferenciais da boa-nova da sua ressurreição por meio de nossa palavra e ação. As pessoas somente acreditarão na palavra do evangelho quando virem esse mesmo evangelho refletindo e atuando em nossa existência.

O episódio aconteceu na porta do templo e causou profundo impacto tanto naquele que pedia esmola quanto nas pessoas que transitavam pelo local: “E ficaram cheios de admiração e de espanto com o que lhe havia acontecido” (v. 10). Pedro e João eram discípulos comprometidos com a oração e sabiam de sua responsabilidade de discípulos. E bem ali, no pórtico de Salomão, aproveitando a oportunidade, testemunham sobre o Ressuscitado. Todavia, Pedro faz questão de que as pessoas desviem o olhar dele, para se fixarem em Jesus. Pedro sabe que não é ele próprio o centro das atenções: “E por que ficam olhando para nós tão atentamente, como se nós, com nosso próprio poder e piedade, tivéssemos feito esse homem caminhar?” (v. 12). Pedro redireciona o olhar da multidão. Ao apontar para Jesus, Pedro e João se afastam dos holofotes e afirmam que a cura somente aconteceu em decorrência da fé no seu nome e ressurreição, mas simultaneamente indicam que a restituição da saúde daquele homem também se configurava como uma denúncia ao julgamento que condenou a Jesus.

A fé no nome e na ressurreição de Jesus provoca um estado novo nas situações de antivida. A fé em Jesus expulsa os horrores do caos que impõe medo e afasta as pessoas de gestos de solidariedade. A cura de determinado homem acontece não por meio de magia ou de algum conhecimento secreto; assim como também não acontece por causa de Pedro e João. A fonte da cura reside unicamente em Jesus: “Pela fé no nome de Jesus, é pelo seu nome que foi fortalecido este homem que vocês estão vendo e reconhecendo” (v. 16). Diante desse fato inegável, Pedro pode insistir num convite ao arrependimento e à conversão: “Arrependam-se, portanto, convertam-se, para que os pecados de vocês sejam perdoados” (v. 19).

  1. II leitura: 1Jo 2,1-5a

Na segunda leitura, João insiste no papel que a ação possui no testemunho: “E nisto sabemos que o conhecemos: em que guardamos seus mandamentos. Quem diz: ‘Eu o conheço’ e não guarda seus mandamentos, é um mentiroso e a verdade não está com ele”. O amor de Deus se realiza plenamente em quem guarda sua palavra. Não se conhece a Deus teoricamente. Não é suficiente saber que ele existe. É fundamental vivenciá-lo no cotidiano, com base na prática de seus mandamentos. A vida de Jesus não pode ser resumida a uma teoria nem muito menos a uma bela história. Discípulos verdadeiros são aqueles que engravidam o cotidiano de Jesus Cristo.

João é muito explícito quando escreve: “o amor de Deus se realiza plenamente em quem guarda sua palavra” (v. 5). A plenitude de Deus e de seu amor em nós passa pela ação e neutraliza a passividade. Um amor que nos tira da zona de conforto e nos leva em direção ao outro. A observância dos mandamentos tem como ponto mais fundamental justamente o amor entre os membros da comunidade. Plenificados do amor de Deus, rompemos com o egoísmo e o isolamento e semeamos solidariedade. No Antigo Testamento, principalmente nos profetas, o conhecimento de Deus passa pelos gestos de solidariedade e de compromisso com os mais fracos. Pode-se dizer, portanto, que tantas e quantas vezes formos em socorro dos mais pobres, também estaremos indo ao encontro de Deus e de seu conhecimento (veja Jeremias 22,13-19).

  1. Evangelho: Lc 24,35-48

De que valem as testemunhas? O relato de Lucas sugere, antes de mais nada, a insuficiência do contato visual somente. A cena impressiona: assustados, os onze e seus companheiros imaginam que veem um fantasma. A palavra do Ressuscitado é acrescentada à sua aparência e os discípulos passam a compreender melhor. No entanto, os que ouvem ficam ainda mais surpresos com a ação dele: Jesus come diante deles um pedaço de peixe assado.

Jesus ressuscitado aparece em meio ao cotidiano dos discípulos. Eles estavam conversando sobre os últimos acontecimentos quando o Mestre se apresenta. Não se tratava de um delírio ou de mera sugestão da mente. Jesus faz questão de que, diante do medo e da perturbação sentida, eles o toquem. Não, realmente não se tratava de um espírito. Trata-se, sim, da restauração da dignidade plena e total do ser humano. A morte e a ressurreição de Jesus são a leitura que a comunidade dos discípulos faz de sua solidariedade numa situação limite do ser humano. Um Deus que não abandona o ser humano numa situação crítica e ainda infunde esperança. A ressurreição é consequência de Jesus preso à cruz; e a cruz simbolicamente não está ligada a nenhum bem: nela reside o encontro da dor, do sofrimento e do fracasso. Entretanto, na ressurreição nasce a promessa e a esperança de que não haja mais pobres.

A dúvida e o receio a que Jesus faz referência: “Por que vocês estão perturbados? E por que surgem dúvidas no coração de vocês?”, certamente dizem respeito à sua inusitada presença, mas também podemos refletir sobre os medos que rondavam os discípulos relativamente às ameaças que pairavam no ar por conta do assassinato de Jesus, bem como sobre as dúvidas que povoavam os corações: “Que será de nós e de nosso movimento? Será que tudo acabou?”

Nota-se algo fundamental nas palavras de Jesus para entender a qualidade radical do seu projeto – a presença central das Escrituras: “‘São estas as palavras que eu lhes falei quando ainda estava com vocês. Tinha de se cumprir tudo o que sobre mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’. Então abriu a inteligência deles, para que compreendessem as Escrituras” (Lc 24,44-45). Definitivamente, não há como ser discípulo distanciado das Sagradas Escrituras. Nela nos alimentamos diariamente com o projeto libertador e salvador de Jesus Cristo, manifestado desde a ação solidária de Javé libertando os escravos no Egito.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Descobrimos mais sobre Jesus e seu projeto meditando nas Sagradas Escrituras. Jesus nos dá clara indicação de que devemos nos relacionar com as Sagradas Escrituras diariamente. Meditar nelas dia e noite (cf. o Salmo 1) deveria ser nosso objetivo. Mas, para alcançar esse objetivo, não basta ir à Igreja. Faz-se necessário, também, frequentar um grupo de reflexão ou um círculo bíblico, a fim de mergulhar na Palavra de Deus e, a cada dia, conhecer mais de Jesus e de seu projeto de vida.

– Ser testemunha é viver uma vida diferenciada. Mas diferenciada de quê? Basta pensarmos que, em meio a uma sociedade de morte, devemos semear vida; em meio a uma sociedade que gera medo, devemos semear esperança; em meio a uma sociedade fundamentada no acúmulo, devemos viver a prática da partilha; em meio a uma sociedade que marginaliza os pobres e cria desigualdades, devemos viver o projeto de uma comunidade inclusiva. Quando testemunhamos a Jesus, estamos dizendo à sociedade que há um modo de vivermos em grande fraternidade!

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUCPR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]