Publicado em julho-agosto de 2022 - ano 63 - número 346 - pág.: 52-54
18º domingo do Tempo Comum – 31 de julho
Por Izabel Patuzzo*
Quem acumula tesouros só para si não é rico para Deus
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras deste domingo nos fazem refletir sobre nossa relação com os bens materiais. Na primeira leitura, retirada do livro do Eclesiastes, temos bela reflexão, fundamentada na sabedoria da tradição de Israel. O texto põe em questão a fugacidade dos bens materiais. Seu autor nos exorta a depositar a esperança em Deus e nos valores humanos que não passam. É nisso que consiste o sentido de nossa existência.
A segunda leitura nos convida a buscar as coisas do alto, identificando-nos com Cristo. Ser nova criatura, na linguagem da carta aos Colossenses, significa não se deixar escravizar pelas coisas deste mundo e permitir que Cristo resplandeça sua imagem em nós. Isto é, morrer para todas as ambições terrenas e nos revestirmos de Cristo.
No Evangelho, Jesus se dirige à multidão, ensinando sobre a insensatez de acumular bens. Ao narrar a parábola do rico insensato, ele denuncia a falência de uma vida orientada apenas para o acúmulo de bens materiais. A pessoa que assim procede esqueceu sua essência e vive sem consciência do fato de que a riqueza jamais nos garante vida longa.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ecl 1,2; 2,21-23)
O livro do Eclesiastes pertence à literatura sapiencial, que se desenvolveu pelos finais do século II a.C. Essa literatura recolhe toda a sabedoria das diversas fontes literárias do Antigo Testamento. Seu autor é anônimo, mas, conforme indica o próprio significado do título original (Coélet), é alguém que participa da comunidade dos fiéis. Os sábios de Israel desse período resistiram à imposição cultural e religiosa dos impérios estrangeiros que dominavam a Palestina. A sabedoria das tradições judaicas era o grande elemento unificador do povo e exerceu uma função importante para preservar a identidade de povo escolhido.
A preocupação fundamental dos sábios que sucederam os profetas como lideranças religiosas não era tanto apontar caminhos, pois havia a Lei e os Profetas, mas perceber que as falsas seguranças prometidas pelos poderes políticos e econômicos era pura vaidade, que passava como o vento. Por isso o tom de pessimismo do texto e do livro como um todo. O pessimismo era em relação às falsas promessas das autoridades políticas e econômicas, e até da classe sacerdotal. Os sábios formavam um grupo marginal dentro do judaísmo.
O texto proposto para esta liturgia proclama a inutilidade do esforço humano em trabalhar apenas para ajuntar tesouros e depois não poder usufruir. Questiona o propósito de construir fortunas e deixá-las a outros que, no futuro, irão se beneficiar daquilo que não plantaram. A grande lição da leitura é que o esforço humano em busca de riqueza não é o que dá sentido à vida. É necessário olhar mais além e cultivar a sabedoria que vem de Deus, pois tudo que é terreno é passageiro.
2. II leitura (Cl 3,1-5.9-11)
A segunda leitura nos convida a viver segundo os valores evangélicos que Jesus nos deixou. O texto proposto é dividido em duas partes. Na primeira (v. 1-5), o autor trata da sólida união que nos cabe estabelecer com Cristo ressuscitado. Pelo batismo, somos chamados a nos identificar com o Senhor; morrer para o pecado e renascer para uma vida nova. Na segunda parte (v. 9-11), Paulo apresenta as exigências da vida cristã. O cristão deve renunciar a toda sorte de impurezas, paixões, maus desejos, desonestidade e a todos os falsos deuses da velha criatura. Revestir-se de uma nova criatura, na linguagem do apóstolo, significa abraçar a vida cristã com todas as suas exigências.
Na perspectiva da carta aos Colossenses, ser batizado significa abandonar todas as atitudes egoístas, como a ambição, o orgulho, a injustiça, a indecência, a violência e a morte. Enfim, renunciar aos mecanismos do mal, como Jesus fez. E, em contrapartida, assumir um estilo de vida em sintonia com o Evangelho, feito de amor, serviço e doação aos irmãos e irmãs. O cristão deve estar disposto a dar a vida pelas mesmas escolhas que levaram Jesus a se entregar na cruz. A identificação com Cristo, em decorrência de nosso batismo, deve ser contínuo renascimento, que nos leva a ser cada vez mais semelhantes a ele.
3. Evangelho (Lc 12,13-21)
Por diversas vezes, Jesus, em sua caminhada para Jerusalém, depara com grande multidão, como no episódio deste domingo, narrado por Lucas. Alguém, do meio da multidão, interpela Jesus para que ele interceda em uma disputa familiar por herança. É nesse contexto que Jesus conta a parábola do rico insensato. Em seu discurso, novo tema se apresenta: a advertência sobre como o discípulo deve se relacionar com as riquezas.
A contestação de Jesus à pergunta de seu interlocutor vem afirmar categoricamente que sua missão não consiste em se envolver nesses tipos de problemas legais, cuja resolução pertencia às autoridades judaicas de seu tempo. Ele recusa toda espécie de intervenção arbitrária no âmbito familiar ou em questões de economia doméstica. Parece que Jesus se sente incomodado com o fato de que membros de uma mesma família não cheguem a um acordo e se dividam por conta da partilha dos bens materiais. Em seu ensinamento à multidão, ele ressalta que não se trata de resolver um caso determinado, mas sim de desenvolver uma convicção pessoal de desapego aos bens materiais, pois o apego ou ambição por riqueza é raiz de muitas desavenças familiares e sociais.
Depois da advertência, vem a narrativa parabólica sobre o rico insensato. A avareza é um problema que atinge não somente as relações familiares, mas também as relações sociais. A mensagem da parábola mostra que o rico estava chegando ao topo de sua ambição. Estava prestes a acumular muita riqueza, a ponto de já não precisar se preocupar com o futuro. Contudo, o ser humano é mortal, e toda avareza não tem nenhum valor aos olhos de Deus. As riquezas não conquistam a entrada para a felicidade eterna. O contraste atravessa toda a narrativa; no coração do homem rico não há espaço para Deus. Essa é a conclusão da parábola! Que triste uma vida inteira dedicada a acumular bens, mas sem Deus. O rico insensato se esquece até de que é mortal e pode morrer a qualquer momento. Um dos temas teológicos importantes para Lucas é o correto uso das riquezas. O discípulo deve ter um coração desprendido das riquezas e não deve se alimentar da ambição de acumular tesouros para este mundo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
As leituras deste domingo nos questionam fortemente sobre uma realidade tão atual e presente em nossa sociedade: a lógica desenfreada de acúmulo de capital, fundamentada nos valores do mundo contemporâneo, assim como nos retrata a parábola de Jesus. O capitalismo selvagem, por amor ao lucro, explora milhões de pessoas e as obriga a trabalhar por salários indignos, a viver uma vida de miséria, como se a vida, para muitos, devesse se resumir apenas a trabalhar para fazer pagamentos de taxas e boletos, sem sobrar nada para a família no fim do mês.
Para muitos de nós, trabalhadores, a economia centrada no lucro quase não nos permite ter tempo para a família, para o serviço na comunidade, para um lazer saudável. Para muitos, a vida se resume a trabalhar até o final da velhice. Outros, para aumentar sua conta bancária, apenas se dedicam à própria carreira, em vista do êxito profissional.
Jesus não denuncia a busca dos bens necessários para uma vida digna, a que todo ser humano tem direito, mas sim a deificação do dinheiro. Como cristãos, não podemos compactuar com a ganância, que maltrata a natureza, que destrói a obra da criação. Não podemos tranquilamente consumir produtos que são frutos da escravidão e da destruição do planeta.
Izabel Patuzzo*
*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]