Publicado em julho-agosto de 2021 - ano 62 - número 340 - pág.: 50-53
18º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 1º de agosto
Por Marcus Mareano
O pão da vida é Jesus
Iniciamos o mês de agosto, que, para a Igreja no Brasil, é dedicado às vocações. Toda vocação é um chamado de Deus para algo. Fomos chamados à vida, à fé em Cristo, à santidade, e ainda somos chamados continuamente para novas missões. Que apelos do Senhor temos sentido?
As leituras evocam a imagem do pão, alimento humano básico para muitas culturas. Deus deu um pão no deserto para o povo saciar a fome e seguir adiante até a Terra Prometida (primeira leitura). Jesus dá um pão superior, sua própria vida, que sacia para sempre e conduz para a eternidade (Evangelho). A pessoa nova em Cristo, alimentada por esse pão, deve viver distante da velha vida e renovar-se continuamente (segunda leitura).
Qualquer vocação nasce da escuta e é alimentada na Palavra e na Eucaristia. É tempo de reservar-nos para um exercício de silêncio e acolhida da vontade de Deus em nós. A chama do seu amor não pode se apagar, pois é dela que nasce o ardor do servir e do cuidar.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. I leitura (Ex 16,2-4.12-15)O livro do Êxodo narra a libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Nessa travessia, aquelas pessoas se constituem como povo de Deus com base em sua experiência de fé. O episódio do maná, neste domingo, demonstra a ternura e o cuidado de Deus com o povo eleito.
A leitura se inicia com a ambientação da narrativa (v. 2-3). O povo se encontrava no deserto, percorrendo-o com confiança na promessa de Deus. No entanto, as pessoas se cansaram e começaram a murmurar contra Moisés e Aarão. Diziam ser melhor terem morrido escravos no Egito, onde tinham alimentos, do que perecer no deserto. A reclamação por comida comportava também uma ingratidão à ação divina e uma nostalgia pela vida velha.
Deus responde ao clamor do povo. Promete um “pão do céu” para o povo recolher e se alimentar. Seguem-se, então, orientações sobre como aconteceria essa “prova” do Senhor para seu povo (v. 12-15). Os israelitas se fartariam diariamente do alimento oferecido por Deus por meio das codornizes. Não se sabia muito bem o que era. Consistia em algo misterioso, quase instantâneo, que satisfazia os famintos. Interessava compreender que aquilo era “o pão que o Senhor deu para comer” (v. 15).
Esse alimento dado por Deus no deserto ainda é provisório e sustenta apenas por um tempo breve. Outro alimento superior será apresentado e alimentará eternamente, como verdadeiro alimento. O maná é apenas sombra de uma realidade maior, apresentada por Jesus.
2. II leitura (Ef 4,17.20-24)
As orientações práticas da segunda parte da carta aos Efésios (Ef 4,1-6,20) continuam. Os costumes e as práticas pagãs anteriores à fé em Cristo parecem influenciar ainda o comportamento dos efésios. A experiência de fé deve levar a viver de novo modo.
O texto possui a terminologia de uma catequese batismal semelhante a Cl 3,1-17. A comunidade se distanciava dos ensinamentos principais do início da conversão. Por isso, o autor afirma que a verdade está em Jesus (v. 21). Os outros ensinamentos que se infiltram na comunidade são, pois, mentirosos e geram confusão e divisão.
Na sequência, lemos a orientação para a renúncia das coisas velhas (v. 22), a necessidade de renovação interior (v. 23) e a ordem para revestir-se da novidade evangélica (v. 24). Esses versículos demonstram um programa de vida cristã que não se aplica apenas aos neófitos, mas destina-se, sobretudo, aos que caminham há mais tempo no seguimento de Jesus e esfriaram o compromisso de fé. Com efeito, os primeiros destinatários se comporiam dos mais experientes que voltavam às práticas pagãs.
Nessa leitura se contrapõem o antigo e o novo, a vida velha no paganismo e a novidade da experiência com Cristo. Essas realidades se fazem também presentes em nós e precisam ser percebidas e integradas. A liturgia constitui um momento oportuno para uma autoavaliação.
3. Evangelho (Jo 6,24-35)
O discurso do “pão da vida” se inicia após o episódio da caminhada sobre as águas (Jo 6,16-21). Jesus desenvolve e explica o significado do “sinal do pão” (Jo 6,1-15), ensinando sobre sua identidade de Filho enviado do Pai.
A multidão segue Jesus e acorre a ele em Cafarnaum. As pessoas perguntavam espantadas quando ele havia chegado (v. 24-25). O mistério em torno da identidade de Jesus permanecia e se complementava com a resposta dele, que denunciava a procura de muitos não por terem visto sinais, mas por terem enchido a barriga de pão. Haviam percebido o milagre apenas como meio para saciar a fome, e não como sinal de algo além. Não entenderam que era uma manifestação da presença de Deus por meio da distribuição realizada por Jesus.
Em seguida, o Mestre lhes ensinou o significado do seu sinal (v. 27). Deviam empenhar-se pelo alimento que, ao contrário do maná, não se acaba e é oferecido pelo “Filho do Homem”. Esse título é uma maneira comum na Bíblia para se referir a um ser humano qualquer (Ez 2,1), mas, na boca de Jesus e dos evangelistas, quase sempre lembra a visão de Dn 7,13-14, em que aparecem primeiro os reinos deste mundo, representados por quatro feras, e, depois, o Reino de Deus, representado por um ser humano. No tempo de Jesus, acentuava-se muito que esse Filho do Homem tinha autoridade para proferir o juízo em nome de Deus.
Aquelas pessoas que seguiam Jesus perguntaram-lhe sobre as “obras de Deus” (v. 28). A resposta dele esclarece que a “obra” que agrada a Deus é que acreditem naquele que Ele enviou. Há um jogo de palavras e de compreensão, pois os interlocutores perguntavam no plural e Jesus respondia no singular. Eles pensavam nas ações, e Jesus pedia uma atitude de fé (v. 29).
Então, Jesus é questionado sobre suas obras e sobre qual sinal daria (1Cor 1,22). Os antepassados haviam comido o maná no deserto (Sl 78,24; Ex 16,15), alimento que legitimava a atuação de Moisés (e Aarão) como enviado por Deus. Agora, eles pediam uma prova da autoridade de Jesus, apesar de terem presenciado, no dia anterior, um sinal que deveria comunicar por si. Logo, não compreenderam bem o gesto do pão.
A resposta de Jesus apela para uma autoridade superior à de Moisés. O Pai foi quem deu aquele alimento no deserto e continua a dar um “pão verdadeiro” vindo do céu. O novo “maná” que Jesus tenta explicar dá vida ao mundo. Chegou o tempo de um pão que gera vida eterna sem a mediação de Moisés.
Novamente, há o desentendimento entre Jesus e seus interlocutores. Ele falava de um pão metafórico e os ouvintes entendiam outro pão, o material. Por isso, Jesus fala explicitamente: “Eu sou o pão da vida” (v. 35). Quem se aproxima de Jesus sacia uma fome e uma sede que nada nem ninguém pode saciar. Trata-se da eternidade que nenhuma matéria pode satisfazer.
Há uma pedagogia de Jesus no ensinamento deste domingo. Ele parte de um evento vistoso e abundante para explicar uma realidade silenciosa, misteriosa e oculta. Enxergar a fartura dos pães não é o suficiente, cabe reconhecer que Jesus constitui o verdadeiro “pão do céu” enviado por Deus para a salvação da humanidade. É necessário passar do evento à fé em Deus, que atua na história humana.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Que alimento temos buscado em nossa vida? Quais são nossas fomes e sedes? A liturgia deste domingo propõe um alimento para a vida eterna.
Apegamo-nos a tantas coisas materiais e passageiras e nos esquecemos da presença de Deus. Ele está por trás de tudo, sempre junto de nós, sustentando-nos nas alegrias e nas tristezas, nos sofrimentos e no gozo, nos problemas e nas soluções, nas conquistas e nas comemorações. Se ele está nos bons momentos da vida, mais ainda permanece conosco nos desafios cotidianos.
Deus está nas mãos dos médicos, no carinho dos familiares, nas preocupações dos pais pelos filhos e na solidariedade que damos e recebemos. Mesmo quando a morte acontece, ele também está conosco. Ele escolheu permanecer entre nós em espécie de pão.
Quando Deus deu o pão para que aquele povo se alimentasse, queria alimentar muito mais que o estômago. Queria dar o conforto por meio da presença, do carinho, do amor, da entrega, da revelação de quem ele era. Jesus deu àquele povo um pão comum, mas afirmando que era Ele o pão da vida!
Os ministros ordenados, recordados neste domingo, exercem o serviço de comunicar a presença de Deus por meio de seus gestos, entre os quais a distribuição do pão da vida. Eles oferecem uma matéria que representa algo eterno. Todas as realidades passam, mas Deus é amor sem limites e é por meio dele que somos amparados, valorizados e amados.
Marcus Mareano
é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]