Publicado em julho-agosto de 2020 - ano 61 - número 334 - pág.: 48-50
16º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 19 de julho
Por Ir. Rita Maria Gomes
O tempo da paciência e da benevolência de Deus
I. Introdução geral
A liturgia do domingo passado tratou do tema da Palavra eficaz de Deus com base na imagem da semeadura, trazida pela parábola contada por Jesus no Evangelho. Na liturgia deste domingo, o discurso parabólico de Jesus continua, agora com novo acento: o tempo escatológico. A noção – apenas insinuada na segunda leitura do domingo passado – de que o tempo esperado está às portas torna-se aqui o centro da reflexão. Esse tempo conta com uma espera paciente, radicada no próprio ser de Deus e em sua atitude para com os seres humanos; espera que é expressa na primeira leitura e terá seu contraponto na atuação do Espírito em favor dos humanos, atestada na segunda leitura. Em tudo isso, encontra-se presente a exclamação do salmista: “Ó Senhor, vós sois bom, sois clemente e fiel!” (Sl 85).
II. Comentários dos textos bíblicos
1. Evangelho (Mt 13,24-43)
A leitura do Evangelho deste domingo tem praticamente a mesma estrutura e modelo da leitura do domingo anterior: Jesus conta uma parábola, depois segue a exposição do motivo para ensinar em parábolas e, enfim, a explicação ou alegorização da parábola contada. O diferencial na leitura deste dia é que temos três parábolas e a explicação apenas da primeira; além disso, há o retardamento da expressão, de fechamento das parábolas, “quem tem ouvidos para ouvir, ouça”: aqui tal expressão só vem ao final, depois da explicação da parábola, enquanto, no Evangelho do domingo anterior, ela encerrava a parábola.
A primeira parábola é conhecida como “parábola do joio e do trigo” e as outras duas como “parábolas do Reino”. No entanto, o texto é muito claro ao se iniciar com “o Reino dos céus é como” (v. 24). Ou seja, não temos uma parábola distinta das outras, mas três parábolas do “Reino dos céus”. A segunda e a terceira parábolas têm como questão principal o enigma do Reino, que é quase invisível durante um tempo e depois – como o fermento e a semente de mostarda – se manifesta de modo admirável. No contexto desta liturgia, elas seguem o fio condutor da primeira parábola, ou seja, a questão do tempo necessário para a revelação do Reino do Filho do Homem e daqueles que dele fazem parte.
O nome da primeira parábola do Reino certamente se deve ao pedido dos discípulos no v. 36: “Explica-nos a parábola do joio!” Com isso, percebemos que o acento aqui está na qualidade da semente, da mesma forma que, na parábola da semeadura, a imagem se centra nos tipos de solo.
Na explicação da parábola, Jesus apenas indica os elementos, em clara alegorização: o que semeia a boa semente é o Filho do Homem; o inimigo que semeia o joio é o diabo; o campo é o mundo; a boa semente, os que pertencem ao Reino; o joio, os que pertencem ao maligno; o inimigo é o diabo etc. Não temos aí real explicação da parábola. Podemos nos perguntar: por que o dono do campo não permite que os trabalhadores arranquem o joio? Se eles já conseguem fazer a diferença entre joio e trigo, qual a razão para esperar?
O fato é que a aparência comum de joio e trigo é a imagem perfeita para falar das pessoas. Só no tempo final será possível saber quem é “boa semente” e quem não é. Quem faz parte do Reino e quem não faz. O Reino dos céus, ao menos por enquanto, é essa realidade não discernível claramente. Nele convivem joio e trigo, o fermento invisível que leveda toda a massa e a semente pequenina que se tornará grande árvore. Esse tempo da paciência de Deus, porém, termina com o julgamento, cuja imagem são os anjos ceifeiros, que lançarão o joio ao fogo para ser queimado.
2. I leitura (Sb 12,13.16-19)
A primeira leitura, do livro da Sabedoria, diz-nos como Deus age na sua condição de juiz: ele é justo, mas também misericordioso, indulgente. Deus é poderoso e forte, mas contém sua força e seu poder para julgar com clemência. Nesse texto, temos algumas imagens de Deus que são retomadas na parábola do Evangelho: a do juiz e a do governante, senhor do Reino. Deus é o governante que não abusa de seu poder, antes governa com consideração para com seus “súditos”. Em Deus, a força é o princípio da justiça e o domínio/poder o torna indulgente. Assim, ele é o modelo de governante e de juiz e, desse modo, ensina como devem agir os seres humanos. O ser humano deve ser justo como é o justo juiz divino.
3. II leitura (Rm 8,26-27)
A segunda leitura desta liturgia dá continuidade à reflexão da carta aos Romanos do domingo passado. Os cristãos e a criação inteira estavam gemendo como em dores de parto. Agora, o Espírito intercede em favor dos cristãos com “gemidos inefáveis” (v. 26). O que significa isso em relação às outras leituras deste domingo? Enquanto vivemos o tempo da paciência de Deus antes do julgamento final, necessitamos nos fortalecer no seguimento de Cristo, fazendo a vontade de Deus, justo juiz e senhor do Reino, mas não somos capazes de responder a tão grande chamado sozinhos. O Espírito é o auxiliador, enviado pelo Cristo, para nos conduzir nesse propósito, até mesmo orando em nós. É importante a afirmação do autor da carta de que não sabemos o que pedir nem como pedir. Isso indica que os cristãos estão ainda numa fase de juventude tal, que não têm a maturidade para discernir o que pedir e como pedir. Entende-se, dentro da dinâmica da parábola do Evangelho e da primeira leitura, que existe um tempo necessário antes do fim e, nesse tempo, o Espírito nos guia.
III. Pistas para reflexão
A liturgia deste domingo nos convida a prestar atenção no nosso tempo e nas nossas ações. O ponto a nortear a reflexão é a ideia do julgamento escatológico: a separação entre joio e trigo, entre quem faz parte do Reino dos céus e quem não faz. O Evangelho alerta para os meios de reconhecer a realidade do Reino com as imagens do plantio da boa semente, do fermento na massa e da semente de mostarda. Isso significa que o Reino não é algo tão distinto, em aparência, daquilo que conhecemos. Do mesmo modo, como os primeiros cristãos, os de agora não se distinguem dos outros pelo vestir nem pelos alimentos que comem, mas por tudo fazerem em nome de Cristo e por Cristo. Fora isso, nada em nós diz quem é joio e quem é trigo. Apenas o Cristo sabe, e todos conheceremos isso somente no dia do julgamento.
Enquanto vivemos este tempo necessário antes do fim, o Senhor bom, clemente e fiel nos concede seu Espírito, o Auxiliador, que nos capacita, age no interior dos corações, comunicando a experiência de Jesus e habilitando-nos a tomar parte no seu Reino.
Ir. Rita Maria Gomes
é natural do Ceará, onde fez seus estudos de Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura.