ESPÍRITO SANTO: DOM DE DEUS PARA A VIDA DO MUNDO
I. INTRODUÇÃO GERAL
A vinda do Espírito Santo sobre os discípulos é o cumprimento da promessa de Jesus: “Recebereis uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8). É, portanto, em vista da irradiação universal do testemunho de Jesus Cristo que a graça do Espírito nos é dada. Todo discípulo é também missionário. A missão deve atingir todos os povos, pois a salvação oferecida gratuitamente por Deus é universal (I leitura). Jesus mesmo é o missionário do Pai e é quem envia os discípulos: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 19,21). Soprando sobre eles, concede-lhes o dom do Espírito, juntamente com o poder de perdoar pecados. O Espírito, então, liberta-nos de tudo o que impede a graça de Deus de atuar em nós (Evangelho). É pelo Espírito Santo que reconhecemos a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. É ele quem nos une num só corpo e distribui os dons diversos para a edificação da comunidade (II leitura). A graça divina nos é concedida em abundância. Somos convidados a acolhê-la e fazê-la frutificar.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 2,1-11): O Espírito Santo, dom de Deus
Originalmente, entre os israelitas, Pentecostes era a festa da colheita (cf. Ex 34,22). Era celebrada num clima de muita alegria e de ação de graças. Posteriormente, passou a ser a comemoração do aniversário da promulgação da Lei de Deus no monte Sinai. Lucas, ao descrever o Pentecostes cristão, reinterpreta essa festa como o momento propício não mais da concessão da Lei, mas da graça do Espírito Santo. Os símbolos do furacão e do fogo lembram a teofania no Sinai. Numa casa, em Jerusalém, estão reunidos em oração os apóstolos, “algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e os seus irmãos” (At 1,14). O tempo da espera se completou e a promessa de Jesus se cumpre.
Os judeus da diáspora acorrem a Jerusalém, “vindos de todas as nações que há debaixo do céu”. Estão aí para celebrar a festa, fiéis à sua tradição religiosa. Tornam-se testemunhas da efusão do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. O acontecimento de Pentecostes quer mostrar a continuidade com a história de Israel. O Deus que se revelou aos antepassados é o mesmo que se revela em Jesus Cristo e se dá a conhecer ao mundo inteiro.
Lucas enumera ainda a presença de vários povos, do Oriente e do Ocidente, representantes de todas as nações. A Palavra do Evangelho deverá alcançar a todos. Em suas próprias línguas ouvirão o anúncio das maravilhas de Deus. Portanto, o dom do Espírito tem, essencialmente, uma finalidade missionária. A comunidade de Jerusalém é o ponto de partida para a difusão da fé cristã; é a mãe de todas as comunidades cristãs. Por isso, vai ser caracterizada como a comunidade ideal (cf. 4,32-35). Com base nesse modelo, em círculos sempre mais amplos, a Palavra será disseminada universalmente.
O Espírito Santo é o principal protagonista da evangelização. É quem garante a unidade da fé em Jesus Cristo na diversidade de línguas e culturas. Como podemos constatar no conjunto do livro de Atos dos Apóstolos, os discípulos, após a experiência transformadora do Espírito, enchem-se de ousadia e coragem e lançam-se nessa tarefa profética de testemunhar a fé no Salvador, Jesus Cristo (em muitos casos, chegando até o martírio).
2. Evangelho (Jo 20,19-23): A paz, dom do RessuscitadoO texto se inicia indicando o dia em que Jesus ressuscitado se manifestou aos discípulos. O primeiro dia da semana tem ligação com o primeiro dia da criação. Portanto, a ressurreição de Jesus marca uma nova criação. A situação em que se encontram os discípulos, trancados e com medo, será transformada com a presença de Jesus no meio deles. A alusão à hora do dia (ao anoitecer) guarda relação com o momento em que os discípulos enfrentam forte tempestade na travessia do mar. Jesus vem ao seu encontro, caminhando sobre as águas, e manifesta seu poder de salvação (cf. 6,16-20). Percebe-se que João retrata a situação em que se encontram as comunidades cristãs ao redor do ano 100: atemorizadas e escondidas devido à hostilidade e perseguição tanto da parte do império romano como de grupos judaicos.
Jesus jamais abandona os seus, como havia prometido: “Não vos deixarei órfãos” (14,18). Ele se põe no meio deles como o doador da paz. A fé em Jesus, presente no meio da comunidade, garante a superação do medo e da insegurança que estagnam. Ele é o centro ao redor do qual se forma a comunidade. Ele é o fator de união e de garantia da paz. Já havia anunciado em seu discurso de despedida, antes de sua morte: “Eu vos disse essas coisas para terdes paz em mim. No mundo tereis muitas tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo” (16,33).
Ao mostrar-lhes as mãos e o lado, Jesus lhes revela os sinais de seu amor vitorioso. Nenhuma força será capaz de destruir a vida, pois a morte foi vencida definitivamente. Ao verem o Senhor, os discípulos enchem-se de alegria e recobram o ânimo.
A paz, a alegria e a coragem deverão acompanhar os apóstolos na missão que recebem do Senhor Jesus. Deverão seguir o exemplo do Mestre, que cumpriu fielmente a missão recebida do Pai. A fidelidade à missão, porém, não se deve à boa vontade dos enviados. Deve-se, sim, à ação do Espírito Santo. O sopro de Jesus sobre os discípulos lembra o sopro de Deus nas narinas do primeiro ser humano, infundindo-lhe a vida. O Espírito cria uma nova condição: a vida divina nos discípulos lhes garante a capacidade de amar como Jesus amou. É um amor que liberta o mundo de todo o pecado, o qual, para João, representa a ordem social baseada na opressão e na injustiça. O Espírito Santo, que age por meio dos seguidores de Jesus, oferece todas as condições para o estabelecimento da paz, da justiça e da fraternidade no mundo.
3. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13): Diversos serviços, um só EspíritoPaulo, ao escrever à comunidade cristã de Corinto, intenta orientá-la nas questões ainda não bem esclarecidas que estão causando conflitos no meio dela. Uma dessas questões refere-se aos dons do Espírito Santo. Para tratar disso, o apóstolo dedica os capítulos 12 a 14. O texto da liturgia de hoje enfatiza que a diversidade de dons, ministérios e modos de ação provém da Trindade santa: do mesmo Espírito, do mesmo Senhor e do mesmo Deus que realiza tudo em todos. De Deus provém somente o que é bom para os seus filhos e filhas. A diversidade revela a magnanimidade e a criatividade divinas.
A graça de Deus não pode ser acolhida de forma egoísta. Por isso, todo dom ou carisma desdobra-se em serviços concretos em favor do bem comum. Não importa o tipo de ministério, pois, sendo graça divina, todos têm a mesma importância. Daí decorre a atitude de serviço humilde e solidário. Cada ação deve estar ligada ao conjunto das demais. O que deve projetar-se não é a figura da pessoa que serve. Isso seria utilizar os dons de Deus, que é Amor, em proveito próprio. O que deve brilhar é o projeto comum, que, no caso de uma comunidade cristã, é o mesmo projeto de Jesus. No Espírito reconhecemos que ele é nosso Senhor e com ele formamos um só corpo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃOA festa de Pentecostes nos oferece a oportunidade de reconhecer o dom do Espírito Santo em cada pessoa e na comunidade. Quem o acolhe tem todas as condições de vencer a timidez, o medo, a tristeza, o desânimo e a solidão. Em cada um de nós, a partir do batismo, existe essa força do alto que nos enche de autoestima e nos impulsiona a fazer o bem, do mesmo modo como Jesus fez. O Espírito Santo nos impulsiona a participar ativamente da comunidade, leva-nos ao engajamento em serviços diferentes e ao compromisso de transformar as realidades de pecado e de morte. Ele nos dá a capacidade de diálogo entre nós, com as diversas Igrejas e as diversas culturas. É para a vida em abundância que Deus nos chamou. Nós respondemos afirmativamente, pois acreditamos no mesmo sonho de Jesus.
Ao redor de Jesus ressuscitado se organiza a comunidade cristã. Sua presença é garantia de união, de paz, de alegria e de segurança. Como seus discípulos missionários, vivemos e anunciamos seu amor e seu perdão. A realidade de egoísmo, de opressão e de todas as formas de injustiça será transformada se nos amarmos como Jesus nos amou. Portanto, o empenho pela promoção da unidade no mesmo projeto de vida digna para todas as pessoas é sinal concreto de adesão a Jesus. A acolhida e a contemplação das diversas expressões religiosas e culturais colaboram para um mundo de paz, dom de Jesus ressuscitado. A valorização dos diferentes ministérios, exercidos com amor, é expressão de louvor e gratidão a Deus, fonte de todas as graças.
► A celebração da festa de Pentecostes pode ser bom momento de valorização dos diversos ministérios exercidos na comunidade. É oportuno para a renovação deles, juntamente com a bênção da comunidade sobre os ministros e ministras.
Celso Loraschi
Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (ITESC).E-mail: [email protected]