Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2024 - ano 65 - número 358 - pp.: 40-44

14 de julho – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Marcus Mareano*

Convocados por Deus para a missão

I. INTRODUÇÃO GERAL

O Tempo Comum é caracterizado como um tempo para o amadurecimento da graça batismal. Celebram-se os ensinamentos de Jesus, sua existência entre as pessoas e sua missão, realizada no mundo por amor a Deus e à humanidade.

O domingo que celebramos é um chamado e um envio para participarmos efetivamente da vida de Cristo. Pelo batismo, somos inseridos no mistério da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. Esse mistério não pode ser guardado para si, como um tesouro a esconder. Ao contrário, deve ser compartilhado, proclamado, acreditado e celebrado. Todos os batizados são chamados e enviados em missão.

O profeta Amós experimenta quanto a força para profetizar é mais potente do que a recusa, a expulsão do templo ou qualquer adversidade. A carta aos Efésios fala da Palavra de Deus como algo selado pelo Espírito Santo em nosso coração. No Evangelho, Jesus envia os discípulos dois a dois, com recomendações para seguir adiante e levar a Boa-nova a muitas pessoas. Comprometamo-nos com o que celebramos, transformemos nossa vida em missão!

Urge fazer o êxodo da estreiteza de nosso ser para a largueza de um coração inflamado de caridade. A missão é o estado comum do ser cristão. Por nossa fé, tornamo-nos missionários de Cristo. Recusar a viver essa dimensão da fé é desconsiderar o efeito do batismo na pessoa humana.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Am 7,12-15)

O profeta Amós se apresenta como um cuidador de gado (Am 1,1; 7,14) que atua no Reino do Norte, no período anterior à dominação dos assírios (722 a.C.). Então, Israel vivia um tempo de sossego, mas já sentia as ameaças de dominação estrangeira.

O texto da leitura narra a expulsão de Amós por Amasias, sacerdote de Betel, porque as palavras do profeta incomodavam o rei Jeroboão (Am 7,10). Amós não falava para agradar aos reis e sacerdotes, classes privilegiadas daquela sociedade, mas, fiel à Palavra do Senhor, denunciava os desmandos daquela elite. A verdadeira profecia consiste em falar em nome de Deus, e dessa maneira Amós agia, por isso incomodava.

Por esse motivo, Amasias quer Amós em Judá, distante dele e do seu templo. Betel era um santuário edificado para o rei, e o sacerdote estava a seu serviço. Jeroboão o construíra para se opor aos privilégios de Jerusalém, o templo do Reino do Sul (1Rs 12,26-33). Portanto, o profeta era rejeitado pelo rei e pelo sacerdote por sua fidelidade ao Senhor.

Entretanto, Amós reage à expulsão de Amasias, lembrando sua vocação para profetizar. Recorda que não era profeta nem filho de profeta, ou seja, não pertencia a um grupo que exercia essa atividade em Israel. O Senhor elegeu Amós para profetizar no meio do povo, e assim ele obedeceu.

A missão de todos nós guarda semelhanças com a de Amós. Somos escolhidos em meio às nossas tarefas ordinárias, enfrentamos adversidades em relação a pessoas e situações, e somos fortalecidos pelo Senhor para continuarmos nossa vocação específica. Deus, que nos chama, capacita-nos para seguir adiante. A Palavra do Senhor nos é dirigida constantemente para transmiti-la com alegria aos demais. Somos profetas do Senhor no mundo contemporâneo.

2. II leitura (Ef 1,3-14 ou 3-10)

A carta aos Efésios, que acompanharemos nos próximos domingos na liturgia dominical, foi dirigida aos cristãos da Ásia Menor (hoje Turquia), província romana cuja capital era Éfeso, cidade de forte cultura helenista.

O trecho da segunda leitura é a parte final de um hino de louvor a Deus (v. 3-14). Ele possui características das orações de bênção usadas na liturgia judaica (2Cor 1,3; 1Pd 1,3). Deus é o sujeito dos verbos e age em Cristo. O autor recorda a eleição (v. 4-5), a libertação (v. 6-7), a recapitulação (v. 8-10), a herança prometida (v. 11-12) e, finalmente, os dons do Espírito Santo (v. 13-14).

Os efésios são exortados a recordar a Palavra de Deus ouvida como “Palavra da verdade, o Evangelho da vossa salvação” (v. 13). Essa mensagem acolhida e acreditada é selada, como com um sinete (2Cor 1,22), pelo Espírito Santo. É a garantia de uma herança incomensurável, eterna e prometida, já experimentada por meio da fé. A passagem se conclui com uma doxologia, completando o hino.

Essa leitura apresenta o efeito da pregação da Palavra de Deus na vida de uma pessoa. Olhando nossa história de fé em Cristo, como ouvintes de sua Palavra, podemos perceber a realização do que lemos. Da mesma maneira, contemplamos esses efeitos em outras pessoas e situações transformadas pela força do Evangelho.

3. Evangelho (Mc 6,7-13)

O Evangelho da liturgia traz o envio dos discípulos para irem dois a dois, conforme o costume judaico repetido pelos pagãos (Lc 7,88; Jo 1,37). Um apoia o outro, e todos se comprometem com o anúncio e a prática da mensagem de Jesus: “O Reino de Deus está próximo, convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Para a missão, não bastavam discursos e pregações. Atos comunicam mais do que palavras. Por isso, Jesus dá aos seus enviados poder sobre os espíritos imundos (v. 7), pois portam consigo a presença de Deus, o Espírito Santo, que repele o mal e torna possível a comunhão do ser humano com Deus. O missionário não transmite nada de si, mas de Deus, que o inspira para aquela ação.

Jesus lhes deixa algumas instruções práticas para aquele tempo. Não permite que levem algo pelo caminho, a não ser um bastão, para apoio na caminhada e para espantar animais nas estradas. Não podem ter comida, nem bolsa, nem dinheiro, pois o objetivo é caminhar e percorrer os recônditos das redondezas da Galileia. Para isso, ajuda um par de sandálias e uma túnica (duas atrapalham o missionário). O interesse da narrativa é demonstrar a dinâmica itinerante do missionário, que deve estar inquieto para transmitir o Evangelho.

Quando chegar a uma casa e for acolhido, ali deve permanecer. Se não encontrar acolhida nem quiserem ouvir sua mensagem, deve seguir adiante, sacudindo o pó dos pés contra aquela rejeição (v. 10-11).

Por fim, o conteúdo do anúncio dos discípulos deve ser o mesmo do de Jesus: a conversão por causa do Reino de Deus (Mc 1,15). Os que continuam a missão de Jesus assumem seu jeito de ser. Desse modo, tornam Deus presente por meio das suas ações (expulsando os demônios e curando os enfermos – v. 13).

O envio e as instruções do Evangelho proclamado são os mesmos para os nossos tempos. As condições para a missão e o contexto sociocultural são diferentes, porém a recomendação da primazia da Palavra de Deus e as atitudes que acompanham a pregação servem de princípios para todas as atividades missionárias.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Qual apelo de Deus você sente em seu interior? Essa questão permanece em cada Eucaristia, especialmente à luz das leituras deste dia. Cada pessoa experimenta de maneira particular o chamado de Deus e o envio à missão.

No imaginário de muitas pessoas, a missão consiste essencialmente na ida a um lugar para visitas e partilha da Palavra de Deus. A missão, na verdade, constitui o ser cristão no mundo. Por isso, o monge enclausurado em oração é tão missionário quanto quem parte para outro país para ajudar em alguma nova realidade. Todos somos convidados a assumir nossas condições como missão, na qual nos cumpre servir a Deus em cada pessoa necessitada de nós. Não só fazemos missão, mas “somos missão”.

Dom Helder Câmara possui um bem conhecido poema sobre as missões que se inicia assim: “Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha em nosso Eu. É parar de dar voltas ao redor de nós mesmos, como se fôssemos o centro do mundo e da vida...”. A partida para a missão não consiste em um deslocamento de território, e sim na conversão interior, na saída de uma existência em torno de si mesmo para uma vida oferecida, doada e significada na alteridade.

Sejamos corajosos em responder ao Senhor. Ele conta conosco! Recebemos seu Espírito Santo para agir conforme Jesus Cristo e torná-lo presente no mundo de hoje. Saiamos para evangelizar e, quando necessário, usemos as palavras.

Pe. Marcus Mareano*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte, doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) e pela Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven). Professor de Bíblia em alguns seminários. No momento, desenvolve uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven).