Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2025 - ano 66 - número 361 - pp. 44-46

12 de janeiro – BATISMO DO SENHOR

Por Gisele Canário*

Identidade e missão de Jesus

I. INTRODUÇÃO GERAL

O batismo de Jesus é um momento importante, que traz à tona a realização do projeto de Deus. Jesus faz um novo caminho, diferente do de João Batista, pois começa a viver de acordo com um novo horizonte. Ele deixa o deserto e vai para a Galileia, desejando viver de perto os problemas e sofrimentos das pessoas. Já não utiliza a linguagem ameaçadora do Batista; agora, sua mensagem será mais assertiva e inclusiva, transmitida por meio de parábolas.

As leituras deste domingo nos convidam a refletir sobre a identidade e missão de Jesus, reveladas em seu batismo: deixar o deserto e percorrer o caminho da Galileia, onde tocará e curará os doentes, defenderá os pobres, acolherá à sua mesa pecadores e prostitutas, abraçará crianças da rua.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 42,1-4.6-7)

O texto de Isaías apresenta o primeiro poema do “Servo do Senhor”. Sua missão é realizar a justiça e promover, com fidelidade, o direito entre as nações. Sua força e autoridade nascem do amor e do serviço, da ternura e do compromisso com as pessoas enfraquecidas. A autocompreensão de Israel, baseada no serviço, é diferente da de um novo rei Davi, fundamentado no poder oficial da monarquia (cf. Ez 37,21-28).

Tal Servo é amado por Deus e escolhido com o propósito de estabelecer a justiça e ser luz para as nações. Explica essa realidade o contexto histórico de Isaías, situado no período do exílio babilônico, quando o povo de Israel vivia em grande aflição. Nesse caso, a promessa do Servo de Deus traz esperança de libertação e renovação.

Isaías apresenta o Servo como alguém que não quebrará a cana rachada nem apagará o pavio que fumega, mas trará a justiça de maneira gentil e perseverante. Essa imagem não se identifica com os líderes opressores da época; aqui, ela é legitimada pela ação de um líder cheio de compaixão. No batismo de Jesus, o Espírito está sobre ele, a profecia de Isaías se cumpre e afirma sua missão de justiça e libertação.

2. II leitura (At 10,34-38)

No livro de Atos, Pedro anuncia aos gentios que Deus não faz distinção de pessoas. O apóstolo faz um resumo do ministério de Jesus, iniciado após seu batismo por João. Jesus foi marcado e ungido com o Espírito Santo e com poder, e andou por toda parte, fazendo o bem e curando os oprimidos pelo espírito da divisão, porque Deus estava com ele.

O texto dá ênfase à universalidade e grandiosidade da missão de Jesus. A mensagem de salvação é para os judeus e para todas as nações. O batismo de Jesus e sua unção com o Espírito Santo são apresentados como o início de seu projeto, que atravessa a história de forma dialogal e transformadora, respeitando as diversidades culturais e étnicas, na convicção de que o Reino de Deus é justiça, igualdade e fraternidade para todas as nações.

3. Evangelho (Lc 3,15-16.21-22)

O Batista fala claramente: “Eu vos batizo com água”, mas isso só não basta. É preciso acolher em nossa vida um outro “mais forte”, cheio do Espírito de Deus: “Ele vos batizará com Espírito Santo e no fogo”. Jesus viveu no Jordão uma experiência diferente, que marcará sua vida para sempre. A questão aqui já não é se irá ou não viver como o Batista, e sim o trabalho que se inicia, abrangendo algo muito maior e percorrendo os caminhos da Galileia para que a Boa Notícia de Deus seja conhecida e reconhecida por todos aqueles que se apaixonarem pelo seu projeto.

João Batista avisa que virá alguém maior que ele. Esse outro terá o poder de batizar com o Espírito Santo e com fogo. O projeto de Jesus é mais ousado: ele sabe muito bem que as estruturas oficiais serão mexidas. Nunca mais a sociedade da Palestina será a mesma.

Os evangelistas descrevem uma cena impressionante sobre o que Jesus viveu na sua intimidade: “Os céus se rasgam”. Aqui já não há distâncias: o Reino de Deus, seu Espírito, já está presente e, por isso, Deus se comunica de forma magnífica com Jesus: “Tu és o meu Filho. Eu hoje te gerei”. O essencial e o mais profundo está dito. É desta forma que Jesus ouve seu Pai no seu interior: “Tu és meu. És meu Filho. Teu ser está surgindo de mim. Eu sou teu Pai. Amo-te com amor entranhável, enche-me de prazer que sejas meu Filho; sinto-me feliz”. É a partir desse momento que Jesus invocará a Deus apenas como “Abbá, Pai”.

A presença do Espírito e a voz de Deus sublinham a missão de Jesus de inaugurar o projeto da vida, instaurando assim o Reino de Deus.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Identidade filial e missão. O batismo de Jesus revela sua identidade e intimidade como Filho de Deus e, pela primeira vez de forma pública, apresenta sua missão de justiça e libertação. A partir do batismo, todos os cristãos são chamados a viver plenamente sua identidade filial, ou seja, seguir os mesmos passos de Jesus. Num mundo marcado por desigualdades sociais e pelo constante ataque à mãe Terra, gerando desastrosos efeitos climáticos, como os batizados e seguidores de Jesus podem viver sua identidade batismal de maneira concreta na vida cotidiana?

Acolhida à espiritualidade. Espiritualidade é uma palavra que, se mal interpretada, para muitos pode significar algo inútil, afastado da vida real. Para que poderia servir? O que costuma interessar é o concreto, o material, não o espiritual. No entanto, o espírito de uma pessoa é algo valorizado na sociedade atual, porque indica o mais profundo e decisivo de sua vida: a paixão que a anima, sua inspiração última, o que contagia os outros, o que essa pessoa vai criando no mundo. O espírito anima nossos projetos e compromissos, configura nosso horizonte de valores e nossa esperança. Conforme for nosso espírito, assim será nossa espiritualidade. E assim será também nosso seguimento do Evangelho de Jesus e nossa vida inteira. Em que áreas de nossa vida precisamos ser mais sensíveis às moções do Espírito, na perspectiva integral do ser humano?

A salvação é para quem segue e pratica o projeto de Jesus. Pedro afirma que Deus não faz distinção de pessoas e a mensagem de Jesus é para todos. Essa universalidade nos desafia a transcender nossas barreiras culturais, sociais e religiosas, acolhendo a todos com amor e respeito. Não podemos esquecer que a universalidade não é sair pregando um Evangelho de medo e vingança contra quem tem convicções de fé diferentes. A universalidade é para quem acredita livremente e deseja seguir o projeto de Jesus. O amor e a justiça são para todos e independem de como esse filho ou filha de Deus viva e acredite. Essa é a profundidade do espírito que Jesus quis viver, porque o Reino de Deus é algo que transcende nosso próprio crer e querer. Como podemos, em nossa comunidade, criar um ambiente inclusivo, que reflita a universalidade da salvação em Jesus?

Ação transformadora. O projeto de Jesus inclui fazer o bem e curar os oprimidos. Nossa fé deve se traduzir em ações concretas de serviço, compaixão e misericórdia. O batismo é o modo pelo qual Jesus, ao ser batizado no Jordão, se torna modelo de toda experiência cristã, chamando-nos a ser instrumentos de amor em nossas comunidades para atuar contra as estruturas de pecado e injustiça. Que passos práticos podemos dar para viver essa missão de maneira mais efetiva?

Voz profética e docilidade em Deus. A voz do céu declarou o prazer de Deus em Jesus. Jesus passa a viver numa atitude de total docilidade a Deus. Como seus discípulos, somos chamados a ouvir a voz de Deus em nossa vida e responder a ela, assumindo um papel profético em nosso mundo. Isso significa falar a verdade com amor, defender os marginalizados e trabalhar por um mundo mais justo. Em tempos de crises de fé, é preciso não se perder no acidental e secundário. É preciso cuidar do essencial, que é a confiança total em Deus e a docilidade humilde. Todo o resto vem depois. Vale a pena assumir essa vocação profética, mesmo quando ela exige sacrifícios e riscos?

Convite ao compromisso. A festa do Batismo do Senhor nos provoca a sermos humanos até o fim, sem sufocarmos nosso desejo de vida até o infinito; a defender nossa liberdade, sem entregarmos nosso ser a qualquer coisa; a permanecermos abertos a todo amor, a toda verdade, a toda ternura existente em nós; a não perder nunca a esperança no ser humano nem na vida. Jesus é o Filho amado de Deus, ungido pelo Espírito para trazer justiça e libertação.

Gisele Canário*

*é mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.