Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 50-53

10 de dezembro – 2º DOMINGO DO ADVENTO

Por Izabel Patuzzo*

Preparai o caminho do Senhor!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Todas as leituras da liturgia deste domingo fazem forte apelo ao arrependimento e à conversão. O sentido bíblico dessas duas palavras consiste em voltar para Deus novamente. Esta oportunidade de retomar a caminhada é uma oferta misericordiosa de Deus, sempre aberto a oferecer sua graça, que restaura a comunhão com ele.

Na primeira leitura, o profeta anônimo que compôs o Dêutero-Isaías assegura aos exilados que o Senhor Deus é fiel à sua promessa e continua a conduzir seu povo em direção a nova etapa de vida, à retomada da Aliança. A segunda leitura aponta para a parúsia, isto é, para a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo. Ambas as leituras falam de fidelidade e de vigilância, que consistem em viver de acordo com as diretivas de Deus. Aqueles que temem o Senhor pautam a vida por essa dinâmica contínua de discernimento à luz da Palavra de Deus; procuram manter-se vigilantes e dispostos a revisar a vida quando se desviam de Deus, abraçando a conversão sincera como caminho para uma existência orientada pela paz e pela alegria eterna.

O Evangelho nos confronta com a pregação de João Batista. O profeta convida seus ouvintes e seguidores a uma mudança radical de vida; apresenta-se como testemunha da realidade que anuncia e como condição para acolher o Messias. Ele comunica a chegada do Messias libertador, mas, para estar aberto à sua proposta, indica ser preciso percorrer autêntico caminho de conversão e aplicar-se a uma transformação de vida e mentalidade.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 40,1-5.9-11)

Na primeira leitura, ressoa uma magnífica mensagem desse discípulo longínquo do grande profeta Isaías e contemporâneo a Ciro, rei persa, que permitiu aos exilados o retorno para sua terra. Por isso, a segunda parte do livro do profeta Isaías é denominada livro da consolação. O exílio da Babilônia deixou os deportados em uma situação de humilhação diante dos inimigos. Muitos exilados estavam frustrados, desanimados, desorientados diante de uma derrota tão violenta. Essa situação dividiu a comunidade exilada. Alguns esperavam que um dia pudessem voltar à sua terra, outros preferiram reconstruir sua vida no exílio e deixar de considerar a possibilidade de retorno.

Em tal cenário, surge esse profeta anônimo, que imagina Deus reconduzindo os exilados para a nova Sião. Sua mensagem destina-se a consolar essa parte do povo, escolhido para preparar no deserto outro encontro com o Senhor, como um segundo êxodo. A possibilidade de voltar à terra natal era real. Ciro o permite àqueles que desejam retornar. Por isso, o profeta se inspira nessa atitude e constrói nova imagem de rei, o qual se apresenta como um pastor cheio de ternura que conduz seu rebanho. A figura desse novo rei recorda o Senhor Deus, que, no passado, conduziu seu povo da escravidão para a liberdade.

Essa era a boa notícia para os que decidiram retornar a Jerusalém. O caminho agora é preparado com cuidado, para remover todos os obstáculos que impediriam esse reencontro com Deus no deserto. Considerar o retorno como um encontro com Deus no caminho do deserto e ser novamente conduzidos por ele na retomada da terra fez que os exilados enxergassem o tempo do exílio como tempo de purificação e como uma oportunidade de recomeçar a vida em sua terra sem repetir os erros do passado.

2. II leitura (2Pd 3,8-14)

A segunda leitura, tomada da segunda carta de Pedro, foi composta em forma de testamento, como se o autor, sentindo que a morte se aproximava, desejasse dizer a seus familiares, amigos ou discípulos as coisas que considerava de suma importância. O texto nos põe na presença das primeiras comunidades cristãs. Estas esperavam para breve a nova vinda do Senhor, enquanto os que não compartilhavam da mesma fé hostilizavam e ridicularizavam os cristãos.

Tudo indica que o autor dessa carta é um cristão da segunda geração que dirige seu testamento aos irmãos e irmãs da comunidade, a fim de perseverarem na fidelidade aos ensinamentos recebidos dos apóstolos e não se deixarem confundir por outras doutrinas, apresentadas por falsos mestres. Por isso, ele exorta os discípulos e discípulas de Jesus Cristo a viver na justiça, aguardando na esperança a chegada do dia do Senhor. Além disso, explica sumariamente aos membros da comunidade as razões pelas quais o Senhor ainda não veio: o tempo de Deus não é o nosso. Deus não apressa a história, pois é paciente; ele oferece a todos a oportunidade de acolher a salvação. De resto, não cabe ao ser humano definir o exato momento da vinda do Senhor Jesus. Ele apenas nos garante a certeza da ressurreição.

3. Evangelho (Mc 1,1-8)

O texto do Evangelho deste domingo nos confronta com a conversão proclamada pelo profeta João Batista. Ao pregar o batismo de conversão às margens do rio Jordão, João fala da proximidade da chegada de Deus, conforme foi anunciada nas Escrituras. Para simbolizar em gestos a conversão, ele usava a água purificadora, recordando que, no passado, o povo escolhido se purificou naquele rio antes de tomar posse da Terra Prometida.

Marcos escreve a uma comunidade que, em sua grande maioria, era formada por gentios convertidos. Seu Evangelho foi composto no período de perseguição do imperador romano Nero (ano 66 d.C.). Diante dessa realidade, o evangelista percebeu que era preciso entender a identidade de Jesus. Por isso, a mensagem central de João Batista é preparar o caminho para acolher Jesus, adotando um estilo de vida próprio de quem se dispõe a acolhê-lo. João vai para o deserto, lugar onde o povo escolhido foi formado por Deus. A concepção de refazer a experiência do deserto fazia parte da renovação espiritual das comunidades dos fiéis. O próprio João adota um estilo de vida austero para se preparar para a chegada do Messias. Sua vida e testemunho são claro convite à renúncia dos valores do mundo, como a preocupação exagerada com a aparência, com o ter e o banquetear-se. João assemelha-se ao profeta Elias, profeta muito admirado pelo povo escolhido. Em síntese, João se propõe como mensageiro enviado por Deus para preparar o povo fiel para a chegada do Messias salvador.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

As palavras de consolação da primeira leitura nos recordam que Deus continua a servir-se de seus mensageiros para oferecer esperança ao mundo. Essa mensagem ainda hoje tem a força de nos interpelar e lembrar que somos convidados a abraçar os riscos de ver a realidade com os olhos de Deus e perceber em que aspectos de nossa vida precisamos recobrar o ânimo, o entusiasmo, o compromisso de preparar um encontro com o Senhor que ponha nossa vida em nova direção.

A certeza da vinda de Jesus nos dá sentido de futuro, pois nossa vida tem como finalidade ajuntar tesouros para a eternidade. A crença na vida plena com Deus, a fé na ressurreição nos ajudam a estabelecer valores para a vida, definir nossas prioridades e dar menor importância a valores efêmeros, como dinheiro, poder e êxitos humanos.

As palavras e o testemunho de João Batista nos questionam acerca de nosso estilo de vida. No Advento, tempo especial de preparação para o Natal do Senhor, somos convidados a discernir quais transformações radicais de vida, de mentalidade, de escolhas ou decisões precisamos realizar para que o caminho de acolhida de Jesus no coração seja bem preparado. Quais vales precisam ser aterrados? Quais montanhas devem ser aplainadas? Quais curvas necessitam ser endireitadas para que eu seja um(a) discípulo(a) mais comprometido(a) com o Reino de Deus?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]