Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2022 - ano 63 - número 348 - pág.: 38-41

06 de novembro – Todos os Santos e Santas

Por Izabel Patuzzo*

Todos somos chamados à santidade

I. INTRODUÇÃO GERAL

A solenidade de Todos os Santos e Santas remonta aos primeiros séculos da era cristã. Essa festa litúrgica foi instituída para homenagear todos os santos conhecidos e desconhecidos, particularmente os homens e mulheres que deram a vida pela fé em Jesus Cristo. Durante o longo período de perseguição, houve muitos que sofreram o martírio no mesmo dia e, naturalmente, a Igreja passou a fazer memória de seu testemunho numa única data. Desse modo, em sua origem, a solenidade de Todos os Santos e Santas recorda todos aqueles que se santificaram dando a vida pela fé, às vezes no silêncio e no anonimato.

Cada um a seu modo, os santos nos inspiram a sermos discípulos de Jesus, assumindo nosso batismo com fidelidade radical. Nesta solenidade, refletimos sobre o chamado à santidade que cada um de nós recebe e agradecemos a Deus a missão que ele nos confia. Professamos a comunhão dos santos e a vida eterna enquanto caminhamos neste mundo. Todos nós somos chamados a viver a comunhão com os irmãos e irmãs como preparação à comunhão eterna.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ap 7,2-4.9-14)

O autor do Apocalipse faz uso de uma literatura simbólica muito comum em sua época, chamada de literatura apocalíptica ou enóquica. O texto relata uma das visões proféticas que descrevem os anjos como os mediadores entre Deus e a comunidade dos fiéis. Os anjos, pela sua proximidade com Deus, são revestidos de autoridade para carregarem os selos de Deus, os quais, segundo a simbologia apocalíptica, remetem à identidade dos que foram marcados pelo batismo e também pelo martírio. O selo, na verdade, é o sinal externo de que somos servos de Deus e lhe pertencemos. O cristão é assinalado na testa com o sinal de sua pertença a Deus, o qual, no livro do Apocalipse, contrasta com o sinal da besta, portado por aqueles que praticam a idolatria. A marca que o cristão carrega é sinal de fidelidade, de perseverança na fé.

A primeira leitura também fala da grande multidão no céu que adora o Cordeiro imolado e ressuscitado. Os santos selados na terra são vistos, em seguida, no céu, vestidos com roupas brancas de triunfo e segurando ramos de palmeiras nas mãos. Eles celebram a vitória do Cristo ressuscitado e estão em plena comunhão com ele. São aqueles que saíram vitoriosos da grande tribulação, isto é, das perseguições que sofreram. Agora compartilham da vitória de Jesus Cristo porque resistiram e perseveraram na fé até a morte. Sua recompensa consiste em servir a Deus e celebrar a alegria eterna, visto que nunca mais sofrerão privações.

2. II leitura (1Jo 3,1-3)

Na segunda leitura, João faz referência à nossa filiação divina. Ser filhos e filhas de Deus tem, como consequência, dar testemunho de nossa filiação divina. Em primeiro lugar, o cristão não pertence ao mundo mergulhado no pecado, que recusou receber Jesus Cristo. Todo cristão é chamado a levar uma vida de santidade como Cristo. Os batizados confiam que partilharão a vida plena em Cristo no futuro. Na tradição joanina, a pessoa que conhece a Deus é chamada a ser semelhante a ele, pois o discípulo compartilha do mesmo destino do Mestre e participará também de sua glória.

Pelo batismo, o discípulo passa a pertencer à comunidade de fé que Jesus instituiu. Portanto, pertencer a Deus significa renunciar a toda forma de pecado. A comunidade de fé não deve confundir-se com o mundo, pois não pratica a iniquidade. O texto sugere que toda pessoa que mergulha no mundo do pecado não é, de fato, cristã. Essa leitura indica que a eleição e a habitação divina estão em contraposição às pessoas que praticam o mal. João espera que os membros da comunidade vivam de modo coerente com a dignidade de filhos e filhas de Deus.

3. Evangelho (Mt 5,1-12)

 O texto de Mt 5-7 foi considerado por Santo Agostinho a “carta magna” da vida cristã. Expressa a verdade ética capaz de iluminar o agir (o comportamento) cristão. Entende-se por verdade ética: 1) o saber a respeito da felicidade; 2) o saber obrar o bem. Diante das multidões, Jesus age por compaixão.

Como novo Moisés, Jesus ensina a multidão do alto da montanha. Até o momento, Mateus ainda não havia mencionado esse lugar. Depois dirá que, uma vez concluído seu ensinamento, Jesus desceu da montanha. Esta tem forte valor simbólico, porque liga o ensinamento do Mestre com a revelação de Deus a Moisés no Sinai. Como Moisés, Jesus sobe a montanha, mas, diferentemente daquele, não escuta os mandamentos de Deus: antes, ele os pronuncia, atualizando-os em forma de bem-aventuranças. Isso porque, para Mateus, Jesus é o Filho de Deus enviado ao mundo e, portanto, superior a Moisés.

A expressão “sentou-se” indica a posição de ensino por excelência, de magistério. Há outro movimento por parte daqueles que ouvem o discurso de Jesus: os discípulos “se aproximaram”. Essa ação, realizada pelos ouvintes, tem um sentido cultual que remete ao Antigo Testamento, quando Deus era cultuado na montanha. Ao aplicá-la no contexto de Jesus, Mateus ressalta essas conotações cultuais: os discípulos se aproximam do Messias, que os ensina. Esta é a primeira vez que os discípulos são mencionados no Evangelho segundo Mateus; trata-se daqueles que tinham sido chamados anteriormente.

A repetição do adjetivo “felizes” ou “bem-aventurados” indica a plenitude da alegria, com referência também ao presente, não apenas ao futuro. As três primeiras bem-aventuranças apresentam um estilo de vida em consonância com o Decálogo: pureza de coração, mansidão como proposta de não violência e aflição como consequência da fidelidade às Leis divinas. As demais bem-aventuranças seguem a mesma estrutura, falam das promessas àqueles que herdarão o Reino dos céus, pois quem experimenta a misericórdia divina é capaz de ter o mesmo sentimento em relação aos outros.

A pureza do coração equivale a uma integridade interior, que se manifesta em comportamentos. Portanto, Jesus orienta seus discípulos para uma piedade e pureza interior que emanam de uma fé sincera em Deus. Aqueles que promovem a paz são os que experimentaram a paz de Deus e por isso se engajam em ações que buscam eliminar as hostilidades neste mundo, em vista da construção do bem comum. Neste mundo tão marcado por conflitos e guerras, os que promovem a paz serão reconhecidos como verdadeiros filhos de Deus, autênticos membros da grande família humana que tem Deus por Pai. Em Mateus, a linguagem da justiça também diz respeito ao comportamento correto diante de Deus. Jesus, ao dizer que “deles é o Reino dos céus”, fecha o ciclo das bem-aventuranças, no sentido de que essas bênçãos são as principais marcas dos que têm Deus como o único soberano deste mundo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Em seu conjunto, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus constituem uma mensagem de esperança para aqueles que, aos olhos do mundo, vivem em condições de sofrimento e pobreza. Os destinatários das bênçãos divinas não são os mesmos que o mundo proclama felizes pelo fato de terem poder, dinheiro, prestígio, aplausos etc. A lógica do Reino opera uma inversão: os que sofrem todo tipo de privações e perseguições em virtude de terem escolhido o Reino de Deus são felizes porque não são esquecidos por Deus; antes, são os destinatários das bênçãos divinas.

A solenidade deste domingo nos ajuda a celebrar a esperança na ressurreição, pois os santos e santas de Deus foram aqueles que viveram o batismo de forma radical, no espírito das bem-aventuranças. Apesar de terem limites e defeitos, esforçaram-se para se aproximar da luz divina e se deixaram transformar pelos valores evangélicos. Encontramos em cada um deles um perfil diferente, mas todos buscaram a fidelidade ao chamado e às inspirações que receberam de Deus.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica. E-mail: [email protected]