Carta do editor

Setembro-Outubro de 2024

Mês da Bíblia 2024:
Livro de Ezequiel
“Colocarei em vocês o meu Espírito e vocês reviverão” (Ez 37,14)

Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!

Como toda literatura, a Bíblia é, antes de tudo, um acontecimento oral, resultante de narrativas diversas, contadas e recontadas. Ao longo de muito tempo, essas narrativas foram tornadas letras e, posteriormente, textos canônicos.

A cultura bíblica é essencialmente oral. Sabe-se que os poetas e os profetas tinham muito em comum. Ambos eram inspirados por uma força sobrenatural, divina. Se o poeta era possuído pela musa, o profeta o era pelo deus. Para os gregos, o profeta era um porta-voz, alguém inspirado por um deus e que falava em nome desse deus. No mundo bíblico, o sentido é semelhante, o profeta é porta-voz de Deus. Ele comunica o que Deus ordena.

A palavra “profeta” significa aquele que anuncia ou proclama a mensagem de outrem. No entanto, os profetas bíblicos não eram apenas veículos de transmissão da palavra divina. Estavam, sim, a serviço dessa palavra, mas não passivamente, como meros repetidores.

De acordo com Schökel, “o profeta precisa elaborar os oráculos com o suor da sua fronte, como consciencioso artesão da palavra profética” (ALONSO SCHÖKEL, Luis; SICRE DIAS, J. L. Profetas I: Isaías, Jeremias. Paulus, p. 16). De modo que, se nas confrarias de aedos e cantores gregos havia o treinamento para o domínio da língua poética, no mundo bíblico também há o esforço de aprimoramento do discurso. Como ministro da palavra e artista da linguagem, o profeta utiliza linguagem já elaborada, a qual ele continua enriquecendo. Sabe-se, pelos livros proféticos, quanto é fecunda a linguagem dos profetas bíblicos.

No caso do profeta Ezequiel, cujo nome significa “Deus fortalece”, ele se insere nessa mesma linhagem. Toda a sua profecia está carregada de metáforas poderosas. O contexto de seu ministério é o exílio na Babilônia (597 a.C.), quando foram levados para lá os primeiros exilados de Israel (família real, altos oficiais, anciões). De todo repertório que se pode conferir no livro de Ezequiel, destacam-se duas metáforas marcantes: ossos secos e novo coração.

Ezequiel tem a visão de um vale repleto de ossos totalmente secos, sem nenhuma possibilidade de vida. O profeta passeia por entre os ossos e não poupa detalhes, descrevendo o cenário carregado pela atmosfera da morte. Os ossos secos são o retrato do povo exilado, destituído de qualquer sinal de superação da crise em que vive, e no horizonte parece não haver esperança. O profeta faz ver que a esperança está em Deus: “Assim diz o Senhor Javé a esses ossos: Vou infundir um espírito, e vocês reviverão. Vou cobrir vocês de nervos, vou fazer com que vocês criem carne e se revistam de pele. Em seguida, infundirei o meu espírito, e vocês reviverão” (Ez 37,5-6).

A expressão coração novo, por sua vez, chama a atenção para a tomada de consciência sobre o porquê de Israel ter chegado àquela situação de tanto sofrimento. O motivo seria a infidelidade da “casa de Israel”, isto é, das autoridades e de todo o povo, que, ao invés de seguirem os preceitos de Deus, caíram na idolatria e em outros pecados. A saída do estado decadente e desolador dar-se-á mediante o poder e a bondade divina: “Darei a vocês um coração novo e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 36,26-27).

Assim como no vale de ossos secos e nos corações petrificados no livro de Ezequiel, nossa realidade atual está marcada por sinais de morte, guerras, crises climáticas e humanitárias. Que o Espírito sopre nos “cadáveres” gerados pela indiferença e por decisões frias, tomadas por corações petrificados em seus escritórios gelados. Que não nos faltem profetas “artesãos da linguagem”, cheios do Espírito, corajosos e capazes de dizer palavras de esperança
e transformação.

Boa leitura!

Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Editor