Carta do editor

setembro-outubro de 2013

Graça e Paz!

A sociedade e a cultura greco-romanas e, particularmente, o império romano – que marcaram profundamente o contexto do Evangelho de Lucas – anunciavam e prometiam a paz e a segurança vindas dos poderosos, do centro para a periferia. A realidade, entretanto, era bem outra: sofrimento da periferia em proveito do bem-estar do centro. O caminho de Jesus, no Evangelho de Lucas, contrapõe-se a isso: Jesus anuncia a boa-nova e convoca à solidariedade e à justiça social, indo da periferia para o centro.

O domínio do império romano era exercido por meio de guerras constantes pelo poder e de numerosos impostos, que caíam pesadamente sobre a população pobre, 90% da qual composta de camponeses. Muitas pessoas se endividavam, perdiam suas terras e acabavam tendo de trabalhar como arrendatárias, meeiras e diaristas, isso quando não ficavam sem trabalho (cf. Lc 14,12-14). Além de os impostos serem altos, havia trabalhos forçados para sustentar as obras e os exércitos do império. O Templo, em grande medida, era conivente com essa situação e também cobrava inúmeras taxas. A vida do povo tornava-se cada vez mais precária e dura.

Toda essa realidade afetava a comunidade cristã de Lucas, seja pela adoção da mesma cultura de falta de solidariedade e conformação com as injustiças, seja pela experiência direta da opressão. São muitas as evidências disso em todo o evangelho: a parábola que fala de um abismo entre o pobre Lázaro e o rico epulão (texto exclusivo de Lucas); o canto de Maria profetizando a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes; Jesus apresentado como o ungido pelo Espírito para anunciar a boa-nova aos pobres e oprimidos; as bem-aventuranças anunciadas aos pobres e os “ais” dirigidos aos ricos que se fecham à compaixão, à solidariedade e à justiça social (lembrando que nas bem-aventuranças de Mateus não há a parte dos “ais”)…

Também nas primeiras comunidades cristãs, assim como hoje, havia o problema dos marginalizados, os conflitos sociais e o individualismo e indiferentismo religioso. As comunidades cristãs entraram em crise, sentiam-se sem rumo, inseguras, perdiam a identidade, crescia o desânimo pela demora da realização do reino de Deus, alguns caíam na descrença e tendiam a abandonar o caminho. Era necessário fazer uma releitura da Palavra e da prática de Jesus à luz da realidade da comunidade, reavivando a “solidez dos ensinamentos recebidos” (Lc 1,4), voltando às origens a fim de encontrar luzes para o momento presente e retomar a prática da partilha e da solidariedade.

Por isso o Evangelho de Lucas dá atenção especial às pessoas pobres e marginalizadas, chamando os ricos à conversão (como no caso de Zaqueu – cf. Lc 19,1-10) e ressaltando a importância da solidariedade e da partilha: a riqueza só é bênção de Deus se for partilhada (cf. Lc 12,13-21; 16,19-31). Esse evangelho reforça a necessidade da oração perseverante e insiste na conversão permanente, pois a salvação começa no hoje da história para as pessoas que se abrem ao projeto de Deus misericordioso.

Que a reflexão e a oração suscitadas por esse evangelho nos ajudem – a nós que vivemos em um país tão desigual – a abrir o coração para a solidariedade e a justiça social, dando nosso apoio e participação a iniciativas e políticas públicas que promovam a redistribuição de renda, sem desanimar diante das dificuldades. Lembremos aquilo que dizia dom Hélder Câmara: falar das causas das injustiças sociais e denunciá-las não é comunismo, como algumas vezes se acusa injustamente, é evangelho de Jesus Cristo.

Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp

Editor