Graça e Paz!
A vida é marcadamente dom de Deus. Talvez, ao longo da história, tenhamos falado muito do pecado original e esquecido a graça original. No princípio de tudo, antes de qualquer pecado, está a graça de Deus, que nos criou à sua imagem e semelhança e nos pôs no mundo em liberdade para construirmos nossa felicidade. Esse grande dom é simbolizado no mito adâmico: Deus pôs o ser humano no jardim das delícias não como marionete, mas como ser capaz de escolhas. O Deus que é alteridade e relação, uno e trinitário, quis viver a alteridade também na relação com suas criaturas e, ao criar Eva na hora do sono de Adão, apresenta-a como dom para ele e vice-versa, a fim de que pudessem também viver a alteridade.
A encarnação de Cristo plenifica a condição humana simbolizada no mito adâmico. Cristo é aquele que, esvaziando-se da condição divina, vem para o meio dos humanos e está aberto à relação com todos, sem tirar vantagens dessas relações, sem usar de sua condição para deleite individualista, mas agindo para a realização da humanidade. Para essa finalidade ele se doa totalmente, chegando a entregar seu corpo na última ceia como dom, “dado por vós”, como prefiguração de sua entrega na cruz.
Fundamentada nesses dois pontos-chave da história da salvação, a ética cristã da sexualidade orienta para um “querer ser” da sexualidade como acolhida do outro e doação a ele; para o respeito à alteridade; para a vivência do desejo que não retém o outro como objeto para um gozo egoístico, mas sabe que o outro deixa sempre uma sensação de incompletude, de não poderio sobre si, marca, deixa vazios, mas acolhe e se dá, comunica e recebe vida, partilha a intimidade. A sexualidade vivida nessa ótica é algo de muito belo que eleva a condição humana que Cristo veio santificar. Santidade e castidade não são negação da condição humana visando uma sacralização artificial. O corpo e a sexualidade não são maus, mas dons de Deus para serem vividos como tais. No entanto, a sexualidade pode desqualificar-se por aspectos como: o uso dos outros como objeto de prazer; a negação da alteridade; a banalização; a busca de meras válvulas de escape das insatisfações do trabalho e da vida cotidiana; a obsessão; a exacerbação, que expressa a ansiedade decorrente da falta de um sentido perdido; enfim, por formas de vivência que, no fim das contas, produzem infelicidade e frustração ao invés da tão sonhada felicidade.
Quanto a esse assunto, muito se tem discutido sobre “rigorismos” da Igreja; sobre a insistência em normas consideradas absolutas; sobre a pouca atenção ao senso geral dos fiéis (sensos fidelium) e a sensibilidades éticas atuais. É fundamental distinguir entre o seguimento radical no caminho proposto por Cristo e interpretações rigoristas e acolher as novas questões em atitude de humildade dialogal, com atenção aos sinais dos tempos, iluminados pelo Espírito. Não podemos nos apresentar como juízes, impondo preceitos e contínuas condenações. Mensagens que não se põem em atitude dialogal podem ser desconsideradas pelos receptores e tornar-se inócuas. O enorme destaque dado a escândalos sexuais envolvendo membros do clero é, em parte, composto de reações que ironizam posturas moralistas rígidas, as quais, no fundo, também foram um fator a favorecer o desequilíbrio em vez do são amadurecimento. Que esses problemas não nos levem a um enrijecimento ainda maior, mas nos ajudem a promover a humildade dialogal diante das dificuldades existentes nesse campo.
Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp
Editor