Carta do editor

março-abril de 2015

A pastoral em tempos de modernidade líquida

Caros leitores e leitoras,

Graça e paz!

O contexto histórico atual, marcado por transformações aceleradas, em que “tudo o que é sólido” parece desmanchar-se no ar, foi conceituado de maneira acurada pelo pensador Zygmunt Bauman com a metáfora da “modernidade líquida”. A ideia aponta para o fato de que, no mundo de hoje, tudo tende a modificar-se ligeiramente, como as substâncias líquidas o fazem nos lugares onde são inseridas ou derramadas.

A sociedade contemporânea tem forte e constante tendência à ruptura com a tradição, como se tudo tivesse de se renovar a cada passo. Isso está presente na mentalidade e nos princípios de vida e repercute na maneira pela qual as empresas e instituições sociais procuram se renovar. O ser humano tende a um estilo de vida desenraizado, seja das tradições, seja dos ideais elevados e norteadores, o que gera vazio, carência de sentido da vida, ansiedades de todo tipo. Tende-se a transformar o ser humano em mero indivíduo consumidor ou mesmo em objeto de consumo. A suposta liberdade que se propala parece reduzir-se à escolha entre um produto ou outro. A radicalização do individualismo torna mais difícil a convivência, o que se reflete nas dificuldades da vida comunitária e familiar. Tudo isso se reflete também nas incertezas da vida cotidiana; na precariedade dos laços afetivos, profissionais e com ideais norteadores; na troca do durável pela amplitude do leque de escolhas.

Por um lado, a valorização da singularidade pessoal, da pluralidade e da diversidade é positiva; por outro, fomenta a colagem e a bricolagem de elementos, seja na vida, na cultura e nas religiões; a preferência pelo exótico e pelo que tem aparência de novo. A religião e todos os aspectos sagrados da vida são dessacralizados, enquanto se sacralizam e se fetichizam os produtos, o consumismo, o prazer, ou ainda a religião é transformada em objeto de mercado, submetido à lei da oferta e da procura, conforme os interesses e modismos do momento.

Tudo isso, evidentemente, remexe com vigor a Igreja católica, que – como nos lembra o padre Nicolau Bakker, em seu artigo a seguir – desde o início do segundo milênio sempre se apresentou como uma instituição muito sólida, hierarquicamente bem estruturada de alto a baixo, com limites geográficos bem definidos em dioceses e paróquias, com um governo central de poderes amplos e incontestáveis, com doutrinas e normas universais bem definidas e rígidas e com todo um aparato que lhe dava uma conotação de perpetuidade, sacralidade e inquestionabilidade.

Os artigos desta edição de Vida Pastoral não constituem postura de lamento ou reclamação dessa crise. As crises, se bem aproveitadas, promovem as condições necessárias para a reoxigenação da vida e, portanto, reoxigenação e renovação também da Igreja. Dessa forma, os artigos, em primeiro lugar, estimulam a lucidez do conhecimento da realidade corrente para, num segundo momento, apresentar pistas de posturas melhores como Igreja e de iniciativas pastorais diante dessas modificações todas. Em face dessa realidade, como nos aponta o padre Agenor Brighenti, há tentativas de respostas que são inconsequentes, como a pastoral de conservação e a ânsia de recuperar o passado que não volta mais. Entretanto, há bases, luzes e condições para um novo paradigma pastoral para um tempo de mudanças, capaz de interagir melhor com o mundo de hoje.

Pe. Jakson Alencar, ssp

Editor