Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!
Certa vez o escritor Ariano Suassuna (1927-2014) afirmou que há pelo menos dois fenômenos que unem o Brasil, considerando o tamanho da sua extensão territorial: a língua portuguesa e a cultura popular. Essa unidade não é uniformidade. Diz respeito a uma unidade de contrastes, na variedade. Com a pluralidade e as variações linguísticas, do Oiapoque ao Chuí, falamos a mesma língua. E o bonito de tudo isso são as expressões e os sotaques vários característicos de cada região e lugar.
Nossa língua e a nossa cultura popular podem ser comparadas a uma belíssima colcha de retalhos de muitas cores, feita de muitos tecidos. Colcha costurada pelas mãos sensíveis das mulheres de muitos partos, dores e olhares atentos e cheios de esperança. Nossa língua e a nossa arte nascida do povo podem ser comparadas também a um varal de roupas estendidas, que tantas vezes meu olhos viram na época da minha infância, vivida no sertão cearense. Havia roupas de todos os tamanhos e cores, colocadas de forma aleatória; no entanto, o varal visto no conjunto constituía uma obra de arte. O vento suavemente fazia as roupas dançarem. Aquilo era uma sinfonia. A luminosidade se enroscava em cada cor, dando a cada roupa a sua característica própria. Mesmo se surradas, de muitos usos e várias vezes lavadas, as roupas exalavam o cheiro de limpeza e transpiravam jovialidade pelo colorido. O azul intenso do céu parecia tocar a terra, e as flores vivas do flamboaiã estendiam e expandiam a beleza do simples ao alcance de meus olhos de criança.
Longe de qualquer ufanismo e apesar de todos os desmandos atuais, ainda podemos nos orgulhar do Brasil. Ocorre que, como bem teorizou o escritor maior de nossa língua, Machado de Assis (1839-1908), há entre nós o “país oficial” e o “país real”. O país oficial é dos privilegiados, das elites. O país real é composto pela enorme maioria do povo, ainda marcada pela chaga da miséria, do analfabetismo e, portanto, à margem. Infelizmente, os que compõem o Brasil oficial costumam virar as costas para o Brasil real. Por vezes, só exaltam o que vem de fora e fecham os olhos para a beleza do Brasil real.
O país real representa o grosso da população brasileira. É o povo que insiste todo dia em encontrar sentido para a vida. Com criatividade e astúcia, descobre brechas para solucionar as enormes carências de bens materiais e espirituais. Aliás, para este povo, o material e o espiritual se imbricam, nem são duas dimensões distintas. O material e o espiritual integram-se num mesmo movimento.
É sobre este movimento integrador que esta edição de Vida Pastoral trata, considerando a devoção popular aí inserida. A devoção popular consiste em verdadeiro patrimônio vivo, desde as inúmeras manifestações de amor a Nossa Senhora à veneração aos santos, mesclando fé, vida e arte.
Nossa pastoral tem o dever de estar junto à realidade vivida pelo povo, adentrar a alma festiva de nossa gente, que, apesar de todas as mazelas, faz da fé a sua arte e a sua festa. É claro que não se trata de vale-tudo. Estamos falando da Boa-Nova que Jesus de Nazaré nos ensinou. Ele é o nosso modelo. Ele sempre preferiu o “real” ao “oficial”. Assim como fez Jesus, cabe a nós evitar preconceitos e discórdias. É nossa missão viver em comunidade, respeitando a pluralidade e a unidade de contrastes, por uma Igreja bela, profética, festiva e dinâmica.
Boa leitura e feliz missão!
Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Editor