Carta do editor

maio-junho de 2014

Fé, Arte e Literatura

Caros leitores e leitoras, 

Graça e paz! 

A realidade transcendente, Deus, a fé e a espiritualidade são da ordem do inefável: possuem atributos de beleza que não podem ser expressos meramente por palavras humanas; não podem ser esgotados em conceitos, tratados e falas. São fenômenos que não conseguimos abarcar; antes, somos abarcados por eles. Por isso, na busca de melhor expressar essas realidades, os humanos têm recorrido às mais diversas formas de arte: a retórica, o texto poético, as artes plásticas, a música, a arquitetura… Temos, na história da Igreja, grandes exemplos de quanto se fez com muita eficácia para falar de Deus com expressão artística, criatividade e inspiração.

Teologia, espiritualidade e arte têm um parentesco ancestral. Decorrem da inspiração. Sob o impulso da inspiração divina, diz-nos Maria Clara Bingemer em seu artigo, os profetas disseram de modo humano as palavras divinas, e os hagiógrafos escreveram o que Deus desejava. O mesmo Espírito move poetas e artistas a expressar, de forma bela, o que veem e sentem.

A arte e a literatura refletem a vida humana e estimulam a sensibilidade para as diversas vivências dos seres humanos. Também na teologia, a humanidade é uma das dimensões centrais. A teologia é um desvelar da vontade divina para os humanos. A revelação de Deus ilumina e esclarece seus caminhos.

Quando, a partir do século XVI, houve uma separação entre teologia e espiritualidade, a teologia perdeu capacidade de expressar-se de forma bela e atraente, tendendo mais a ser explicativa, dedutiva, puramente doutrinal. Viu diminuída sua capacidade de expressar o inefável. Na sociedade contemporânea, essa forma de discurso parece atrair e comunicar-se ainda menos, bem como se mostra inadequada para responder às demandas de sentido do ser humano atual.

Em meio ao tecnicismo exagerado do mundo de hoje, quando se fala da “morte de Deus” e até da “morte do humano” ou do “pós-humano”, as pessoas estão sedentas de experiência do inefável, de vivência da espiritualidade, de contemplação da beleza divina e daquilo que supera a aridez do dia a dia. Percebemos, em plena era da técnica, da informática e da razão instrumental, a volta do encantamento pelo mistério e a busca do transcendente.

Na atualidade, a teologia redescobre o valor da espiritualidade na reflexão teológica. Igualmente, crescem os estudos interdisciplinares de teologia, literatura e arte, de forma que se possibilite à teologia e à Igreja expresar-se de formas novas que despertem a atenção das pessoas de hoje, que as envolvam e as ajudem a transfigurar sua realidade pela Revelação divina. Mesmo nas coisas mais simples do cotidiano, a arte e a percepção inspirada podem revelar o transcendente presente na vida, como Mônica Batista Campos discute em seu artigo sobre a experiência da poeta católica e mística Adélia Prado.

Também na pastoral, cresce a consciência de que, expressando a revelação divina e as realidades da fé de forma mais artística e elaborada, pode-se atrair, cativar, envolver mais e ajudar as pessoas a elevar-se espiritualmente. Com um pouco de arte, seja nas falas, nos textos, nos espaços celebrativos etc., conseguimos nos comunicar melhor e facilitamos a experiência do Sagrado. Parafraseando a Instrução Geral do Missal Romano (n. 253), nossas formas de expressar Deus devem ser dignas e belas, porque são símbolo das coisas divinas. Podemos encontrar, para isso, inspiração nos artistas, na arte e na literatura. 

Pe. Jakson Alencar, ssp

Editor