Janeiro-Fevereiro de 2024
Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!
Diz o verso da canção popular que nosso país é “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Contudo, há outro dado que não é abençoado nem bonito: o pão e a beleza ainda estão concentrados em poucas mesas.
O pão, aqui, quer dizer o pão de comer mesmo. O arroz e o feijão nossos de cada dia. Quer dizer o acesso aos bens básicos e necessários para uma vida saudável e de qualidade. A beleza se refere à cultura, à educação, à religião, à festa, a tudo o que nos humaniza e nos faz olhar para a existência com grandeza de alma.
Ocorre que este país, “abençoado e bonito”, é explorado muito mais do que amado e cuidado. Desde a chegada do colonizador, construíram-se, ao longo do tempo, abismos entre pobres e ricos, sem falar na ferida aberta pela escravização dos irmãos negros e no preconceito e indiferença em relação aos povos originários, vítimas de tantos sofrimentos.
Apesar de nosso país ainda deixar tantos irmãos e irmãs à beira do caminho, eles mesmos nos inspiram a luz da esperança. Todos precisamos de esperança. Aquela esperança que é verbo: esperançar. Ela é a centelha que nos impele no presente e nos aponta o horizonte. Jesus nos ensinou que somos chamados a ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-14).
Esta edição de Vida Pastoral, à luz do tema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Fraternidade e amizade social” e do lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8), quer olhar para a realidade e vislumbrar a possibilidade de “novos céus e nova terra” (Ap 21), porque esse é o sonho de Deus. O papa Francisco tem insistido para que a Igreja não perca de vista o compromisso do cuidado com a “casa comum”, onde todos possam viver fraternalmente, com dignidade. Enquanto houver um irmão nosso passando fome, jogado nas calçadas, sendo tratado com indiferença, todos somos atingidos.
A amizade social não faz acepção de pessoas, de credo, gênero ou etnia. Temos um caminho de desafios para superar a intolerância que causa tantos males e cria tanta inimizade entre os seres humanos. Por isso, olhando para o Brasil e para nosso povo, tão bonito e plural, queremos exaltar a esperança na luz da organização dos simples, dos anônimos. De homens e mulheres, de uma ponta a outra do país, que insistem em remar contra a corrente do egoísmo, da intolerância, da violência, do crime… e acreditam em um mundo melhor.
A esperança na luz dos que plantam a semente da justiça, lá aonde quase ninguém quer ir: nos becos, nos morros, nas favelas, nos acampamentos, nos quilombos, nas ocupações, nas roças, nas ribeiras…
A esperança na luz das mulheres margaridas, que gritam contra o feminicídio. Nenhuma mulher a menos. Ir. Dorothy, presente! Mãe Bernadete, presente! Iranir, mana querida, presente! Todas as mulheres ceifadas, tanto sangue derramado pelo machismo, pelo patriarcalismo. Mulheres, presente! O corpo de mulher é sagrado. Maldita toda violência.
A esperança na luz dos jovens e seus olhos que brilham, que rimam a vida com palavras e ritmos, com a ginga, com seus modos de andar, vestir e encarar a vida, nas rodas de capoeira e dança de rua espalhadas por nosso país, cantando o misto de memória, alegria e resistência de um povo marcado pela dor, por marcas no corpo. Poucos sabem traduzir o texto de uma ruga. Nossos idosos, rugas do tempo impostas pelas horas a fio de trabalho árduo e salário miserável.
A esperança na luz das mãos que sabem misturar tantos ingredientes para a feijoada, o vatapá, o acarajé, o caruru, com o sabor do azeite de dendê. O mungunzá, o pirão, o tutu, o arroz carreteiro e o feijão tropeiro, a moqueca, o cuscuz, a pamonha, o tucupi, o arroz com jambu, pequi, baião de dois.
Esses sabores, que nos dão “água na boca”, nos tornem firmes na caminhada “neste mundo rumo ao céu”. A memória da refeição do Senhor que fazemos em cada Eucaristia compromete-nos na missão de trabalhar pela partilha do pão da mesa e da beleza e para que a amizade social aconteça, feito olhar de criança, iluminando a vida qual aurora de um novo dia.
Somos todos irmãos e irmãs! O Espírito Santo nos fortaleça.
Boa leitura!
Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Editor