Graça e Paz!
Um fator muito interessante da cultura indígena da qual somos herdeiros na América Latina é a concepção de Saúde. Aprendemos da visão indígena que ter saúde é muito mais do que estar sem doença – é ter alegria, poder trabalhar, fazer festa, estar protegido pela força dos pajés e rezadores e viver de acordo com a própria cultura. Para os índios, saúde e doença não são coisas separadas do todo. A doença de uma pessoa é entendida como desequilíbrio restrito não apenas ao corpo, mas indicativo da presença do mal em outros âmbitos da realidade. Não é só o corpo da pessoa que adoece, mas ela como um todo. A doença diz respeito não só à pessoa que sofre, mas também à comunidade da qual ela faz parte e ao meio ambiente.
Entretanto, com a força da cultura ocidental racionalista e técnica, “civilizada”, descuidamos em grande parte dessa herança. Como se poderá observar por meio da colaboração dos autores desta edição – pessoas ligadas ao mundo da saúde e da bioética –, a saúde tende a ser vista como simples ausência de doenças, e seu tratamento, a reduzir-se a técnicas, químicas, decifração de exames, uso de aparelhos, fixação no biológico e no físico. Isso é evidentemente importante, mas os autores chamam a atenção para que se integrem essas técnicas ao “cuidado”: tratar as pessoas não como objeto, mas como sujeitos, cultivar a cordialidade, a proximidade, a acolhida, respeitando o valor intrínseco de cada uma. O ideal é unir as técnicas e procedimentos ao cuidado mais profundo: atenção global ao ser humano doente, que não é apenas mais um paciente com um número de prontuário, derrubando assim as barreiras da racionalidade fria no tratamento das pessoas.
O ser humano vive em teia de relações vitais. As doenças muitas vezes são resultado de problemas e desequilíbrios nessa teia, e não apenas nos corpos individuais. Da mesma forma, o ser humano não é apenas corpo, mas um composto de corpo, mente e espírito. Essas outras duas dimensões afetam o corpo e são afetadas por ele. Cuidar da saúde é cuidar das três dimensões. Por isso é indispensável o cuidado humano emocional e a abertura à espiritualidade.
A cultura atual concentra muita atenção nos campos da economia, da técnica e da política e enfraquece os campos da ética e da espiritualidade, da visão holística/integral da vida. Superar isso, não só na área da saúde, mas em todas as dimensões da existência, fará muito bem à humanidade.
A integração da visão global do ser humano e da vida pode aprimorar muito o trabalho de médicos, enfermeiros e demais profissionais da área. E, para os religiosos, é parte indispensável da missão. Para nós, cristãos, é ocioso relembrar como a atenção aos doentes e às “doenças sociais” teve destaque na prática de Jesus. Da atuação dele e das primeiras comunidades cristãs nesse campo nasceu um sacramento da Igreja voltado especificamente para os doentes: a unção dos enfermos. Nasceu também a assistência pastoral aos doentes, que proporciona significativo contributo ao cuidado integral da vida e da saúde e pode ser, nesse sentido, um testemunho para os profissionais da área. Todos somos convidados a dar atenção especial a essas questões, não apenas os profissionais e agentes de pastoral da saúde. De uma forma ou de outra, o cuidado dos doentes e os estados de doença fazem parte da vida de todos em algum momento.
Pe. JaksonFerreirade Alencar, ssp
Editor