Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág. 04-11
Terra de Deus, terra de irmãos? Entendendo o livro de Josué
Por Shigeyuki Nakanose* e Maria Antônia Marques**
Introdução
O livro de Josué narra a conquista de Canaã, a Terra Prometida, guiada por Josué, sucessor de Moisés (Js 1-12), e a repartição da terra entre as 12 tribos (Js 13-22). A última parte do livro descreve a despedida de Josué e a renovação da Aliança com Javé, Deus de Israel, em Siquém (Js 23-24). No livro, a principal ideia é que Javé combate as guerras de Israel, seu povo eleito, e lhe dá as vitórias, mandando expulsar e exterminar as populações locais, punindo-as pela idolatria (o culto a outras divindades) e garantindo a terra para Israel, enquanto este permanecer fiel à Aliança com seu Deus.
Os acontecimentos narrados da formação de Israel em Canaã situam-se entre os anos 1300 e 1000 a.C. Porém, o problema surge quando alguém lê o livro de Josué com olhar crítico. Os fatos descritos no livro não se sustentam diante dos estudos da literatura, da história (fato realmente acontecido), da arqueologia etc. Eis alguns exemplos:
- a) As narrativas de guerras de conquista (Js 5-12), como a da cidade de Jericó (Js 6) e a da cidade de Hai (Js 8), não coincidem com o fato histórico: Jericó, por volta do ano 1300 a.C., não tinha muralhas nem estava habitada; Hai, que fora destruída em meados de 2400 a.C., não estava habitada na época em que se supõe que os israelitas entraram na terra de Canaã.
- b) Israel nasceu na terra de Canaã. Os estudos literários e arqueológicos atuais não sustentam a hipótese proposta pela leitura fundamentalista da Bíblia de que Israel vem de fora e conquista uma parte substancial de Canaã pela força militar.
- c) A maioria dos israelitas primitivos eram pessoas da cultura e da religião cananeia.
- d) Os israelitas primitivos cultuavam várias divindades: El, Elohim, Asherá, Baal, Javé, entre outras.
- e) A ideia da Aliança com Javé, Deus do Estado (Js 8,32-35; 24,14-28), começou a ser elaborada pelo movimento deuteronomista da corte davídica do rei Ezequias, por volta do ano 700 a.C.
- f) A existência de um sistema de tributos para Judá é atestada somente a partir do século VII a.C. (Js 15,21-44.48-62; 18,21-28; 19,2-8.41-46).
- g) A ideia de 12 tribos (Js 13-19) é construção teológica que começou a ser elaborada no tempo de Josias e consolidada por volta do ano 400 a.C.
- h) Israel tornou-se monoteísta somente com a teocracia judaíta, por volta dos anos 400 a.C.
- i) Uma leitura objetiva do livro de Josué suscita várias perguntas: como justificar a invasão violenta de territórios de outras nações, a conquista pela força e a matança de populações? Com que direito os israelitas se apoderam dos territórios pacificamente habitados e cultivados pelos cananeus? Ainda por cima, toda a violência é atribuída a Deus Javé, que manda expulsar e matar as populações. Por que elas devem ser condenadas por seus pecados de idolatria?
Tudo isso comprova a opinião da maioria dos estudiosos: o livro de Josué pertence à “historiografia deuteronomista” (Js, Jz, 1 e 2Sm, 1 e 2Rs), cuja primeira redação foi feita pelos escribas do rei Josias (640-609 a.C.), a escola de escribas denominada “deuteronomista”, que, no reinado de Ezequias, fez a primeira redação do livro do Deuteronômio (Dt 12-26). Depois, o livro foi relido e redigido, no exílio e no pós-exílio, por escribas deuteronomistas ligados ao grupo nobre da primeira deportação (597 a.C.), representado pelo profeta Ezequiel, e ao grupo da golá (deportados nobres que voltaram), que consolidou o governo teocrata de acordo com os interesses do Império Persa (Esd 7,25-26). A principal intenção dos redatores era consagrar Javé como o único e poderoso Deus de Israel contra “outros deuses” (idolatria) e garantir a posse (ocupação) da terra e a legitimidade do poder para o povo eleito de Javé, Deus oficial dos teocratas.
1. Autor e contexto histórico
O livro de Josué não tem um único redator, mas vários redatores, vinculados a grupos sociais com diferentes objetivos, situações, locais e momentos históricos. A preocupação dos redatores não é tanto documentar uma história, mas interpretá-la, servindo os interesses de cada redator em sua realidade. Não é possível precisar cada momento desse processo. Apresentaremos, em linhas gerais, alguns marcos de cada período, conforme os estudos atualizados da literatura, da história, da arqueologia e outros, começando com o período da formação de Israel, no qual se desenvolveram as tradições antigas desse povo quanto à terra, à casa, à vida da aldeia, à festa, temas do livro de Josué.
1.1. Período da formação de Israel
Por volta de 1300 a.C., a maioria da população que vivia nas planícies de Canaã era explorada pelos reis das cidades-
-Estado de Canaã e pelo faraó do Egito (1Sm 8,11-17) e submetida ao domínio deles. As pessoas empobrecidas e oprimidas lutaram pela sobrevivência e saíram das planícies (centros urbanos) para a região montanhosa no centro-norte de Canaã, onde era menos habitada e fora do controle dos reis e do faraó.
A partir de 1200 a.C., a saída (êxodo) da população foi acelerada pela crise dos centros urbanos, causada por fatores como: o enfraquecimento do Império Egípcio, provocando conflitos e guerras contínuas entre as cidades-Estado cananeias; as invasões dos “povos do mar”, posteriormente chamados de filisteus, fixando-se na costa do mar Mediterrâneo, ao sul da Palestina, e aumentando a instabilidade na região; uma prolongada seca e a diminuição da produção de alimento.
Os grupos de refugiados, como camponeses, operários e marginalizados (hapirus, hebreus) de Canaã, além de pessoas escravizadas no Egito etc., ingressaram nas pequenas aldeias já existentes nas montanhas de Canaã ou abriram novos assentamentos para experimentar uma vida livre, organizando-se e tentando viver um projeto igualitário com as seguintes características: partilha e uso comunitário da terra; partilha dos bens; lei da solidariedade; assembleia com a liderança dos anciãos; confederação de tribos na autodefesa; festas compartilhadas dos pastores e dos agricultores; cultos sem templos, sem sacerdotes e sem luxo, diferentemente dos cultos do Império Egípcio e das cidades-Estado. Foi o nascimento do núcleo inicial do povo israelita (não do Estado nacional).
Os acontecimentos do período da formação de Israel foram contados, interpretados, escritos e reescritos durante quase quatro séculos. Houve a ampliação, o acréscimo, a distorção e a manipulação da história por parte dos redatores do livro de Josué, como os do rei Josias e os dos teocratas, até glorificando Josué com um ciclo de sangue inocente e apresentando Javé como um Deus ciumento, violento e castigador (Js 6,17-21).
O livro contém uma história mítica e heroica (aspectos redacionais) relacionada com a reforma de Josias e com a implantação da teocracia em Judá, no pós-exílio. Contudo, a memória sagrada do povo não se deixa “apagar” no horizonte narrativo dos redatores, que chegam a ponto de insistir no aniquilamento de toda a população local. Por isso, o livro ainda registra algumas histórias e tradições sagradas da vida dos israelitas primitivos que tentaram viver na igualdade, na solidariedade e na liberdade:
- a) Terra partilhada (Js 14,1-4): a terra, fruto do dom do Deus da vida, deve ser repartida segundo as necessidades das famílias, clãs e tribos (Nm 26,55-56).
- b) A lei da hospitalidade (Js 2,1-7): a realidade sofrida obriga os israelitas primitivos a cooperar, amar e defender os “estranhos” como a si mesmos (cf. Gn 18,2-8; 19,6-8; Jz 19,20-23; Jó 31,32).
- c) Festas compartilhadas (Js 5,10-12): o Israel primitivo é formado pelos vários grupos cananeus empobrecidos, por escravos do Egito, por refugiados arameus da Síria etc. Cada grupo traz e celebra, na convivência, sua vida, sua cultura e suas festas, como a da Páscoa, dos Ázimos etc. Elas são compartilhadas e celebradas nas comunidades, fortalecendo a solidariedade e a fraternidade.
1.2. Período do rei Josias
Diante do enfraquecimento do controle assírio na Palestina, devido a conflitos internos e ameaças externas, Josias retomou, em 620 a.C., a reforma iniciada pelo rei Ezequias, centralizando em Jerusalém o culto a Javé, Deus do Estado, e destruindo os altares e objetos de culto das divindades nos santuários do interior, conhecidos como lugares altos. A reforma acentuou ainda mais o caráter centralizador que o templo de Jerusalém já possuía: Javé, o Deus do Estado, um só templo e um só povo de Israel (2Rs 22-23).
Apesar do forte caráter religioso, o objetivo principal da reforma de Josias (620-609 a.C.), como no caso do seu antecessor, Ezequias, foi a expansão nacional e territorial, sobretudo na região de Benjamin, antigo território de Israel Norte. As cidades de Jericó (Js 6), Betel (Js 8,12) e Gabaon (Js 9), que representavam importantes centros na região, foram os alvos imediatos da política nacionalista e expansionista do rei Josias.
Um dos meios de justificar e promover a incursão e a conquista militar foi a elaboração de uma obra historiográfica da ocupação de Canaã com notáveis estratégias de propaganda, prática bem conhecida dos relatos de conquista, como os efetuados pelos neoassírios. Eis alguns traços das justificativas e intenções do movimento de Josias que transparecem no livro de Josué:
- a) A guerra santa (Js 6-11): o próprio Javé, comandante das tropas de Israel, conquista as cidades “estrangeiras” e extermina suas populações em nome da aniquilação da idolatria, o que o rei Josias propagou e executou em sua reforma.
- b) As cidades conquistadas: a lista dos reis vencidos demonstra a pretensão e a dinâmica da política militarista e expansionista do rei Josias.
- c) Declaração de fé em Javé, feita por uma mulher estrangeira (Js 2,8-13): a adesão de Raab à divindade dos israelitas é protótipo do ato das nações estrangeiras, que devem temer e confessar somente Javé, o dono de toda a terra. Em seu projeto militarista e expansionista, Josias deseja salientar a grandeza de Javé diante das nações.
- d) A presença da arca de Aliança (Js 6): a arca da Aliança, símbolo da unidade e da identidade nacional, é apropriada, utilizada e descrita como presença sagrada e militar de Javé na conquista, para justificar e fortalecer a guerra santa do rei Josias. No pós-exílio, a arca, levada em procissão (Js 3-4), adquirirá maior caráter sagrado e litúrgico no contexto da teocracia, sendo transformada no “Santo dos Santos”, chamado de “sala do propiciatório” (cf. Ex 25,17; Lv 16,15; 1Cr 28,11).
1.3. Período exílico e pós-exílico
Na primeira invasão da Babilônia (597 a.C.), o rei Joaquin e seus colaboradores, incluindo o profeta Ezequiel, foram exilados para a Babilônia e se estabeleceram em Tel-Abib, no canal do rio Cobar (Ez 1,3; 3,15). Na segunda invasão (587 a.C.), o rei Sedecias, filho de Josias e tio de Joaquin, bem como seus governantes foram massacrados, a capital Jerusalém com seu templo foi devastada e Judá foi conquistada pelos babilônios (2Rs 25,1-21). Com o esforço do grupo do profeta Jeremias, camponeses remanescentes, a terra de Judá foi distribuída aos pobres por Godolias, governador nomeado pela Babilônia (Jr 40).
Durante o exílio, Ezequiel, formado em Jerusalém, de família sacerdotal, exerceu sua atividade no meio dos primeiros exilados, altos oficiais e anciãos (cf. 2Rs 24,10-16; Ez 1,1-3; Jr 29,1-23). Seu grupo, reconhecendo a destruição de Jerusalém como o resultado da infidelidade a Javé, tentava manter sua fidelidade e identidade, fortalecendo e renovando a teologia oficial: Javé do templo exila-se na Babilônia e está no meio dos primeiros deportados (Ez 10,18-22). Eles, com Javé oficial, consideram-se o verdadeiro povo de Deus (Ez 11,14-18) e os herdeiros legítimos da terra santa de Judá (Ez 11,15; 33,23-29), enquanto se mantêm “puros” no meio dos “impuros” (idolatria: cf. Ez 20; 22) e observam os estatutos e normas de Deus Javé: a circuncisão, o sábado, a lei da pureza etc. (Ez 32,19-21; 37,23). Nessa moldura teológica, o grupo de Ezequiel, que criticou os camponeses remanescentes por pretenderem ser os únicos herdeiros da terra de Israel (Ez 11,17-21; 20,42), revisou a primeira redação do livro de Josué com ênfase na retomada da posse da terra (Js 13-21).
Após o exílio, o grupo de Ezequiel, agora chamado golá, retornou para Judá e estabeleceu a teocracia, como comissário do Império Persa (Esd 1-7). Os teocratas reconstruíram e fortaleceram o sistema do templo com Javé, Deus único contra “outros deuses”, a teologia da retribuição, a lei da pureza, sacrifícios, festas, ofertas dos produtos da terra para Deus Javé etc., como principais meios de arrecadação de tributos para o enriquecimento da teocracia de Jerusalém e do Império Persa, provocando o sofrimento do povo (cf. Is 58,1-12; 66,1-4; Jó 24; Sl 73). Para usar o livro de Josué como meio de justificação de seu poder e de direito sobre o domínio de Judá, os escribas da teocracia releram, revisaram, ampliaram e escreveram a última redação desse livro, sobretudo a parte da “repartição da terra (Js 13-21) e a última parte (Js 22-24):
- a) O novo êxodo: o retorno dos repatriados (golá) para a Terra Prometida é descrito como o novo êxodo do povo eleito, que deveria ocupar e controlar a terra (Js 1,10-18; 4.1-24), justificando, assim, o direito e o poder do governo teocrata sobre a terra, a arrecadação de tributos etc.
- b) A sacralização da Lei (Js 1,6-9; 8,30-32; 22,1-8; 23,6): a teocracia sacerdotal sacraliza a lei da pureza, a circuncisão, a etnia eleita e santa, o monoteísmo, com a figura mítica de Moisés, patrono da Lei, e impõe a observância rígida desses preceitos.
- c) Os “despojos” da guerra santa (anátema): os objetos conquistados nas guerras vão para o tesouro do templo de Javé, enriquecendo a teocracia e o Império Persa (Js 6,17-19; 22,7-8; cf. Ex 25,1-9; Esd 7,25-26).
- d) A distribuição da terra santa (Js 13-21): a terra, conquistada pelo comandante Deus Javé, é distribuída para as 12 tribos de Israel, o verdadeiro povo de Deus, com a presença marcante dos sacerdotes na cerimônia transcendental da partilha da terra (Js 14,1; 17,4; 19,51; 21,1; 22,13.30.32).
- e) O altar do santuário escolhido por Javé, “Deus dos deuses” (Js 22): os sacrifícios e as ofertas devem ser oferecidos no templo de Jerusalém, onde habita Javé, o único Deus de Israel (Dt 4,39-40).
- f) A fidelidade ou infidelidade do povo a Javé e à sua palavra (Js 23): a quebra da Aliança, caso o povo venha a servir “outras divindades”, provocará a ira de Javé, tendo como consequência a perda da terra santa. A lei da pureza, com a teologia da retribuição, consolidada pelos teocratas, está em vigor para legitimar o poder de Javé e da teocracia.
- g) A renovação da Aliança (Js 24): o povo de Israel renova a Aliança com o Deus do êxodo, agora transformado em um Deus excludente, ciumento e vingativo. Se Israel não observar o livro da Lei, as palavras de Deus Javé, e servir “outros deuses”, “deuses do estrangeiro”, Javé tratará mal o povo e o destruirá.
2. Plano e conteúdo do livro de Josué
- a) Js 1-12: a primeira parte do livro relata a preparação e a realização da conquista, sendo redigida principalmente pelos escribas (deuteronomistas) do rei Josias como propaganda real, para justificar sua política nacionalista, militarista e expansionista. Posteriormente, a primeira parte é revista pelos redatores pós-exílicos com sua teologia, como a das 12 pedras (a totalidade do povo: Js 4,20; Ex 24,4; 1Rs 18,31), a circuncisão (Js 5,2-9; Lv 12,3; Gn 21,4), o anátema consagrado a Javé (Js 6,17-19; cf. Lv 27,21-29) etc. Provavelmente, Js 1, que contém o discurso de Javé e emoldura todo o livro com o discurso de Josué (Js 23-24), seja da redação pós-exílica.
- b) Js 13-21: a segunda parte do livro apresenta a partilha da terra entre as tribos e as listas com os territórios e fronteiras das tribos de Israel após seu assentamento. A maior parte desse segundo conjunto de textos é elaborada pelo grupo do sacerdote Ezequiel e estendida e intensificada pelos teocratas (golá) no pós-exílio, para legitimar o poder e o controle dos teocratas sobre os territórios de Judá.
- c) Js 22-24: a terceira parte é composta no período exílico e pós-exílico, apresentando o retorno das tribos (Js 22), o último discurso de Josué (Js 23), a aliança em Siquém e a morte de Josué (Js 24). O principal objetivo dos redatores é descrever o povo eleito de Javé em torno do templo e da Lei de Javé, Deus poderoso, ciumento, castigador, violento contra quem serve outros deuses. O maior castigo é a perda da posse da terra (Js 23,15-16; 24,16-28; cf. Dt 28,15-46).
3. Mensagens principais de ontem e de hoje
Em princípio, a história da formação de Israel, descrita no livro de Josué, é história mítica e heroica, elaborada para justificar e legitimar a reforma de Josias e o projeto dos teocratas. Não se deve, porém, desprezar a narrativa histórica bíblica. Nela, as tradições antigas da vida dos israelitas estão presentes. Até para convencer o povo, os redatores trazem, na história, as tradições antigas mais sagradas à vida cotidiana de Israel: terra, hospitalidade, festa etc. São as tradições e as espiritualidades que devem ser reavivadas pelo povo de hoje para a vida digna. Ao mesmo tempo, a apropriação e a manipulação da história e da imagem de Deus a serviço dos projetos dos poderosos também devem ser salientadas, para alertar e conscientizar a leitura da Bíblia em prol da construção do Reino da Vida:
- a) A terra é dom de Deus: a terra, na experiência do povo sofrido de Israel, deveria ser considerada como dom de Deus para o sustento da vida e ser repartida de acordo com a necessidade. Até hoje, porém, a terra continua a tornar-se fonte de riqueza abusiva e acaba sendo indevidamente concentrada na mão de alguns, em detrimento dos demais.
- b) Solidariedade e convivência: a memória sagrada da convivência solidária e festiva dos primeiros israelitas, que transparece na história de Raab e nas festas partilhadas, deve ser reavivada urgentemente na realidade do Brasil, onde um quarto da população (52,7 milhões) vive em situação de pobreza ou extrema pobreza.
- c) A guerra santa: as guerras, comandadas pelo próprio Deus Javé, chefe das tropas de Israel (Js 5,13-15), são verdadeiro manual (propaganda) de guerra santa de conquista, de violência, de massacre da população local, que serviu, por séculos, para sustentar argumentações religiosas de violências e guerras contra as populações inimigas. Ainda em nossos dias, a leitura fundamentalista transforma o “cerco de Jericó” (Js 6), por exemplo, em uma batalha espiritual contra as forças malignas, alimentando os cristãos com um fanatismo religioso desconectado da missão cristã a serviço da vida e da justiç
- d) Deus poderoso, ciumento e castigador na teologia da retribuição: a bênção e a maldição de Javé são condicionadas à fidelidade e à infidelidade à Aliança com ele, Deus único do templo de Jerusalém, a serviço do poder e do interesse da teocracia judaica sob a ordem do Império Persa. Na atualidade, o imperialismo, com seus “deuses poderosos e castigadores” (dinheiro, arma, honra, prazer), continua a encarnar-se em muitas “bestas” (Ap 13,11-18), atraindo, devorando e sacrificando pessoas inocentes mediante o trabalho escravo, a fome, a violência etc. Até as igrejas, com seu Cristo triunfalista, legalista e ritualista, colaboram e justificam a atuação das bestas do presente.
4. Uma palavra final
Olhando de perto o livro de Josué, notamos a presença de ambiguidades e manipulação da história. É necessário ler o texto bíblico no seu contexto histórico-social. Um dos critérios da leitura é a vida. No contexto da teocracia com Deus Javé poderoso do templo, que nem sequer escuta os gritos dos pobres impuros (Jó 24,12), Jó, representante dos impuros, por exemplo, critica a teologia da retribuição e apresenta o Deus defensor dos pobres que está no meio do povo (Jó 19,25-27; 42,1-6). É o Deus dos pequenos de Jesus de Nazaré (Lc 10,21), que, como manifestação do amor infinito de Deus Pai e Mãe, defendeu a vida e foi morto na cruz.
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Shigeyuki Nakanose* e Maria Antônia Marques**
*é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp). E-mail: [email protected]**é assessora do Centro Bíblico Verbo e professora no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp). E-mail: [email protected]