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Maria de Nazaré: aspectos bíblicos, eclesiais e devocionais

Por Jonas Nogueira da Costa, ofm*

Introdução

São incontáveis as vozes que diariamente dizem “Ave, Maria!”. Saudando a Mãe de Jesus, cada uma delas traz presentes as Sagradas Escrituras, por meio das palavras do anjo (cf. Lc 1,28) e de Isabel (cf. Lc 1,42), como também traz o senso eclesial do papel materno-messiânico de Maria e um pedido pela sua contínua intercessão pelo povo de Deus em peregrinação. Tudo isso numa singela oração, uma das primeiras que aprendemos, a qual, não obstante sua simplicidade, apresenta a Virgem Maria em seus aspectos mais fundamentais.

Esses aspectos fundamentais, que nos dão a conhecer a Mãe de Jesus, devem estar bem unidos uns aos outros. Parece desnecessário dizer isso, mas existe o perigo de que “um falso exagero, como também de [uma] demasiada pequenez de espírito” (LG 67) venham a dividir a Virgem em “três Marias”, ou seja, a Maria encontrada nos evangelhos, a que encontramos nas definições dogmáticas e nas elaborações teológicas e, por último, a Maria venerada pela piedade popular (BALIC, 1973, p. 174).

Tal divisão é insustentável quando tomamos o texto que é a base de nossa mariologia contemporânea, o Capítulo VIII da Lumen Gentium, intitulado “A Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja”. Nesse texto do magistério da Igreja, não encontramos uma divisão da pessoa de Maria, mas uma progressão no conhecimento de sua pessoa e missão, partindo da “economia da salvação” presente nas Escrituras, passando pelas questões mariológicas relevantes ao nosso tempo e concluindo com as orientações sobre o culto mariano e a contemplação de Maria como um sinal de esperança e de consolação.

Na trilha metodológica da Lumen Gentium, queremos apresentar nossa reflexão mariana, destacando alguns aspectos bíblicos da fisionomia de Maria, para depois vermos como se harmonizam com os dogmas relacionados a ela e, por último, como todo esse conjunto “deságua num rio de afeto” à Virgem traduzido pela piedade popular.

  1. Aspectos bíblicos

É comum escutarmos que as Sagradas Escrituras falam pouco de Maria. De fato, quantitativamente falam muito pouco e, no pouco que falam, não nos trazem detalhes sobre sua pessoa, como aparência, costumes cotidianos e datas significativas. Contudo, nesse pouco que nos é transmitido, encontramos excepcional densidade que relaciona a Mãe de Jesus com a história da salvação, pensada, sobretudo, a partir da encarnação – Páscoa – Pentecostes (VALENTINI, 2007, p. 21). Assim, “Maria, que entrou intimamente na história da salvação, de certo modo reúne em si e reflete as maiores exigências da fé […]” (LG 65).

Por ela reunir em si e refletir as exigências da fé é que lançamos o olhar ao Antigo Testamento não procurando a pessoa Maria de Nazaré, mas os contornos de sua espiritualidade, que é a espiritualidade do povo de Deus, vivida, sobretudo, na história das mães de Israel e de outras corajosas mulheres que não hesitaram em pôr a própria vida em risco por causa da Aliança que Deus fez com seu povo e que deve ser mantida. Nesse sentido, falamos de prefigurações marianas do Antigo Testamento: imagens retiradas desse conjunto textual que servem para compreendermos a espiritualidade de Maria de Nazaré enquanto Filha de Sião e enquanto a Nova Jerusalém em atitude de acolhimento ao seu Messias libertador.

Mas por que os textos bíblicos não se dedicaram a falar mais de Maria, deixando essas poucas informações, na maioria encontradas nos chamados “Evangelhos da Infância”, ou seja, nos dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas? Não podemos nos esquecer de que as primeiras comunidades tiveram um desafio muito grande: explicar como Aquele que morreu da forma mais humilhante é o Senhor da glória. Isso constitui um objeto prioritário na explicitação de sua fé, de modo que a figura de Maria está a serviço dessa proclamação do Crucificado como o Senhor vivo e presente na comunidade e na história.

Nesse sentido, Maria é a imagem do povo de Deus que professa Jesus como o Messias, o ungido de Deus Pai com a força do Espírito Santo. Enquanto imagem do povo em atitude de abertura/acolhimento, ela aponta para um mistério maior que sua vida: “a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). Maria é a testemunha privilegiada de que essa Palavra se fez carne, pois se fez verdadeiramente humano em seu ventre. Ela é chave privilegiada de contemplação da humanidade de Jesus, garantindo-nos que ele nasceu, entrou em nossa história, se fez um de nós, com exceção do pecado.

À luz desse testemunho messiânico de Maria no Novo Testamento, gostaríamos de destacar brevemente três dimensões: Maria concebe Jesus na força do Espírito Santo, sua condição de mulher pobre em Nazaré e sua fé no Deus de Israel.

O Novo Testamento reconhece em Jesus o Messias, o Cristo de Deus Pai, pois ele é, por excelência, o ungido de Deus Pai com o Espírito Santo. Sendo assim, sua entrada na história da humanidade, como humano, é evento pneumatológico. É na força do Espírito Santo que Maria concebe Jesus. Essa afirmação está em consonância com todos os evangelhos que apresentam Jesus como Aquele que está “cheio do Espírito Santo”. É curioso observar que aquele que foi concebido pelo Espírito Santo também ressuscita no poder do Espírito Santo. Desse modo, Maria é apresentada como a terra virginal do paraíso que, sob a sombra do Altíssimo, concebe um novo mundo, uma nova criação em Jesus, seu filho.

A relação de Maria com o Espírito Santo apresenta uma singularidade toda nova, contudo essa realidade não a retira da história concreta de seu tempo. A mãe do Messias, marcada pelo Espírito Santo, é uma jovenzinha da cidade de Nazaré. Lembrar a cidade de Nazaré não é mera curiosidade quanto ao lugar de origem de Maria, mas informação que acentua a opção preferencial de Deus pelos pobres, pois essa cidade, que nem sequer existia no mapa de seu tempo, era marcada profundamente pela pobreza. Tanto que, ao levarem Jesus ao templo, Maria e José oferecem um par de pombinhos (cf. Lc 2,24), o sacrifício oferecido pelos pobres segundo o livro do Levítico (cf. Lv 12,8).

Também Maria foi uma mulher de fé (cf. Lc 2,45). Acreditou na palavra de Deus expressa na tradição de Israel, na palavra do anjo, acreditou em seu Filho e, mesmo depois de sua morte e ressurreição, está reunida, na comunhão da Igreja nascente, em oração. E na condição de mulher de fé, fez de toda a sua vida uma oração inserida no seu cotidiano de mãe e esposa, de mãe de um jovem perseguido e morto na forma humilhante da cruz, de uma seguidora do próprio Filho à espera do Espírito Santo.

Poderíamos elencar outros elementos que o Novo Testamento tem para nos oferecer, contudo esse breve elenco de elementos nos remete ao que queremos destacar dos textos neotestamentários: em Maria não há dicotomia entre fé e vida, entre o Espírito de Deus e a história da humanidade; entre sua profunda comunhão com Deus em sua intimidade e a profunda comunhão com Deus na fraternidade do movimento de Jesus. Maria é a mulher toda de Deus na história concreta da humanidade.

  1. Aspectos eclesiais

A Igreja conservou essa discreta singularidade de Maria, encontrada no Novo Testamento, de diferentes modos, desde pinturas até o culto mariano. Contudo, o lugar em que mais se concentra a percepção eclesial dessa singularidade são os dogmas relacionados a Maria.

São quatro os dogmas que se relacionam com sua pessoa, a saber: maternidade divina, virgindade perpétua, imaculada conceição e assunção ao céu. Todos eles estão intimamente ligados pela profissão de fé em Jesus como o Filho de Deus. Vejamos o primeiro dogma.

Em 431, o Concílio de Éfeso se ocupou em esclarecer a forma como a humanidade e a divindade de Jesus se relacionam em sua pessoa. Compreende-se que Jesus é todo humano e todo divino, sem que primeiro fosse humano e depois a divindade pousasse sobre sua humanidade como que num templo. Logo, podemos dizer que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus “segundo a carne” assumida pelo Verbo.

Mas como Maria viveu essa real maternidade? Existe uma singularidade nela? Essa singularidade é a virgindade perpétua de Maria, que, num sentido mais profundo da afirmação, nos diz que Maria viveu totalmente consagrada ao projeto de Deus Pai, em nada incorrendo em qualquer forma de idolatria; ela é uma criatura totalmente de Deus. Sendo toda de Deus, sua vida é de total abertura à ação do Espírito Santo, e por essa acolhida ao Paráclito é que professamos, com o Credo Niceno-Constantinopolitano, que o Verbo “se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria”. Sua virgindade corporal e espiritual (ausência de qualquer idolatria) foi consagrada com a maternidade do Verbo; logo, sua virgindade não é algo periférico ou instrumental, mas uma dimensão visceral do seu ser, de modo que o Concílio de Constantinopla II, em 553, irá nos dizer, em conformidade com o que a grande Igreja já dizia, que a Mãe de Jesus é a “sempre-virgem (aei-parhenos) Maria”.

Quando falamos de virgindade, é sempre muito importante deixar claro que a virgindade é um dom de Deus e uma resposta humana que implica uma atitude de abertura amorosa e liberdade psicológica, pois do contrário seria endurecimento de coração e algum tipo de patologia.

Maria é a maior e melhor expressão da virgindade, porque esta é vivida na fecundidade do Espírito Santo. Desse modo, sua virgindade está a serviço da ação do Espírito, que nos atesta a dupla origem de Jesus: a divina, na condição de “Verbo do Pai” (Jo 1,18), e a humana, pois nos referimos a alguém “nascido de mulher” (Gl 4,4). A maternidade virginal de Maria é radical consagração a Deus Pai, na história da salvação centrada em Jesus Cristo, a serviço e na força do Espírito Santo.

Ao dizermos que Maria é radicalmente consagrada a Deus, podemos incorrer em grave erro: não reconhecer a iniciativa de Deus em direção a ela. Criação, salvação e santificação são sempre uma ação de Deus em direção à humanidade, um transbordamento de seu amor que atinge todo o universo, numa clara manifestação da sua bondade e gratuidade. Toda a criação está marcada pela graça desde os primórdios. Logo, a graça é anterior ao pecado. E como expressão do primado da graça de Deus é que a Igreja afirma, com o dogma da Imaculada Conceição de Maria, proclamado por Pio IX em 1854, que, em virtude da encarnação do Verbo, Maria foi preservada do pecado original, ou seja, “foi redimida de modo mais sublime” (LG 53), para acolher no seu seio o Filho de Deus e para testemunhar a redenção universal de todos os fiéis, recebendo por graça a “redenção preventiva”. Podemos dizer, então, que a Imaculada Conceição “é o triunfo unicamente da graça de Deus: sola gratia” (LAURENTIN, 2016, p. 173).

Mas tal triunfo se encerra com a morte de Maria? Qual foi o destino último daquela que nos trouxe o Salvador? Uma das primeiras vozes na Igreja a se perguntar sobre o fim da vida terrena de Maria foi o bispo de Salamina, santo Epifânio, numa carta do ano de 377 (LAURENTIN, 2016, p. 76 e 90). A partir dessa pergunta inicial, a Igreja foi tomando maior consciência de que Maria foi a primeira pessoa a ser assumida pelo poder da ressurreição de Cristo (cf. Fl 3,10) e de um modo singular, sendo totalmente assumida por Deus, em toda a sua realidade de pessoa, ou seja, assumida por Deus em “corpo e alma”. Com isso, Maria não fica separada da vida concreta de nossa história, mas se torna nossa companheira na caminhada como um sinal de esperança em Deus. É o que o documento de Puebla nos diz: “Maria, por sua livre cooperação na nova aliança de Cristo, é junto a Ele protagonista da história. Por esta comunhão e participação, a Virgem Imaculada vive agora imersa no mistério da Trindade, louvando a glória de Deus e intercedendo pelos homens” (CNBB, n. 293).

Assim, em 1950, Pio XII proclama que “a imaculada [Mãe de Deus], sempre virgem Maria, completado o curso da vida terrestre, foi assumida em corpo e alma na glória celeste” (DENZINGER; HÜNERMANN, n. 3.903).

Resumindo a questão dos dogmas relacionados a Maria, é mister evidenciar que os dogmas da Maternidade Divina e da Virgindade Perpétua relacionam-se diretamente com a pessoa de Jesus e sua missão messiânico-soteriológica; logo, são dogmas cristológicos e, num segundo momento, marianos. Já os dogmas proclamados por Pio IX e Pio XII são mais específicos em seus enunciados sobre a pessoa, o papel e o destino de Maria, mas não deixam de falar sobre algo que é comum a todos nós, pois todos, pelo batismo, somos resgatados pela graça original e nos é dada a condição de filhos e filhas de Deus, destinados à salvação na glória celeste (PERRELLA, 2003, p. 56). Neste sentido é que falamos que o dogma da Imaculada Conceição é um dogma mariano e soteriológico e que o dogma da Assunção de Maria é mariano e escatológico.

  1. Aspectos devocionais

Só houve um desenvolvimento dogmático em torno da Mãe de Jesus porque, primeiramente, compreender o papel de Maria na história da salvação é uma forma de compreender Jesus como o Messias e o Filho de Deus. Mas também porque, no coração da Igreja, se foi desenvolvendo um verdadeiro amor para com a Mãe de Jesus, amor que se traduziu em expressões de devoção.

Tal devoção mariana e popular ganhou grande impulso, sobretudo, depois do Concílio de Éfeso, mas já antes temos elementos importantíssimos dessa relação de devoção à Mãe de Jesus. É o que inferimos quando deparamos com o afresco da Virgem e o Menino Jesus, pintado nas catacumbas de Priscila, em Roma, de aproximadamente 150 d.C. Ou ainda com a oração Sub tuum praesidium (“Sob a vossa proteção”), datada do final do século III ou início do século IV.

Nesses simples exemplos elencados, temos dois elementos característicos de toda piedade mariana do primeiro milênio da Igreja: a imagem de Maria sempre unida a seu Filho e a sua intercessão na Igreja.

Ambos parecem ser de uma obviedade muito grande, mas merecem ser destacados a par de expressões piedosas pouco salutares que encontramos nos dias de hoje. No primeiro milênio do cristianismo, Maria era sempre representada com Jesus, com raras e pontuais exceções. Pensar Maria sempre unida a seu Filho é entendê-la no seu papel materno-messiânico, encontrado nos evangelhos e na proclamação de Maria como Theotokos (431). Ela é toda relativa a Jesus, mostrando-o como o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Tal compreensão contrasta com afirmações surgidas a partir da Idade Média segundo as quais Maria seria como que uma segunda instância de salvação, em que a Mãe bondosa bloqueia a ira do Filho enquanto juiz terrível. Ou como alguém que mereça os mesmos louvores (não adoração) dirigidos a seu Filho, recebendo um culto todo paralelo à liturgia, muitas vezes mesclado de superstições.

O segundo tema que destacamos é a intercessão de Maria. Ela, voltada a Deus Pai, com o Filho e no Espírito Santo, apresenta-se como o ícone da Igreja em oração. Mergulhada no mistério de Deus, na comunhão dos santos, permanece unida a toda a Igreja de Jesus pelo laço da oração e do afeto.

A intercessão de Maria desperta em nós o impulso de repensar algumas questões que o cenário teológico atual retoma com renovado interesse. Por exemplo, o papel do Espírito Santo na oração, pois é ele quem une todos nós na oração, em diferentes tempos e lugares. Sendo ele o laço de amor que une Deus e a humanidade, podemos dizer que é com sua mediação que todos nós rezamos, pois sem o Espírito Santo nossa oração seria um gemido calado no peito, e não um lançar-se no mistério de Deus, vinculado à fraternidade eclesial. É porque Maria está unida ao Espírito Santo que ela recebe nossos pedidos de oração e reza conosco.

Pensar o Espírito Santo como Aquele que nos une a Deus e entre nós em fraternidade ajuda-nos a corrigir a excessiva ênfase dada a Maria que obscureceu o lugar, o papel e a pessoa do Espírito Santo na Igreja ocidental. Nas palavras de René Laurentin: “Foi dito muitas vezes que Maria é toda relativa a Cristo. Não foi dito o suficiente que é toda relativa ao Espírito Santo” (LAURENTIN, 2016, p. 186).

Tal destaque dado a esses dois elementos da piedade mariana do primeiro milênio não implica o desprezo a toda expressão devocional que surgiu a partir do segundo milênio. Lembremos expressões piedosas que constituíram verdadeiras “escolas de santidade”, como a oração e devoção do rosário.

A questão é que não podemos pensar uma piedade mariana desvinculada da Tradição da Igreja e das orientações recebidas do Concílio Vaticano II, orientações essas retomadas com muita propriedade e sabedoria pela Marialis Cultus, de Paulo VI. Hoje, não se pode desconsiderar, numa autêntica piedade mariana, a dimensão bíblica, assim como sua relação com a liturgia e com a sensibilidade ecumênica, à qual todos devemos estar atentos.

Outro desafio da piedade mariana é libertar Maria de imagens machistas, coloniais e triunfalistas. Recuperar sua compreensão como mulher e como irmã de todos nós, o que em nada diminui sua virgindade e maternidade eclesial.

Conclusão

O pontificado do papa Francisco nos traz grandes e necessários desafios, sobretudo o de “uma Igreja em saída”. Perguntando pela contribuição da mariologia para esse plano eclesial, deparamos com um urgente desafio: construir uma “mariologia em saída”. Felizmente, alguns significativos passos já estão sendo dados, os quais merecem todo o esforço da comunidade eclesial. Vejamos os “mais urgentes”.

Uma mariologia ecumênica: já não é possível pensar que Maria pertence apenas aos católicos latinos e ortodoxos. Ela é de toda a Igreja de Jesus. Celebrando os 500 anos da Reforma, percebemos que um passo que precisa ser mais bem trabalhado é a mariologia. Ainda estamos longe de alcançar um consenso mariológico, sobretudo em relação aos dois últimos dogmas de 1854 e 1950, mas podemos alcançar a harmonia na busca de formas comuns de expressar o mistério da encarnação, valorizando a singularidade daquela que mais profundamente o experimentou.

Uma mariologia latino-americana: merece destaque nesse empenho o trabalho de Ivone Gebara e Maria Clara L. Bingemer, com o livro Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres. Contudo, precisamos de novas pesquisas. A figura de Maria como conquistadora, nos moldes europeus e colonialistas, ainda é muito presente, não permitindo que a força libertadora que ela traz consigo alcance com maior vigor os pobres, as mulheres e todas as vítimas da opressão em nosso chão. É preciso que em nossas Igrejas permitamos que a Virgem do Magnificat erga seus braços e cante a libertação que começou em Jesus e deve continuar como um processo sociotransformador pautado no evangelho.

Uma mariologia das bem-aventuranças: essa expressão mariológica toma como base o Evangelho de Mateus (5,1-10), percebendo Maria como uma mulher pobre no espírito, que chora, mansa, que tem fome e sede de justiça, misericordiosa, pura de coração, promotora da paz e perseguida, sempre na perspectiva do Reino de Deus. Muitas vezes nos esquecemos que Maria viveu também na perspectiva do Reino de Deus inaugurado em Jesus, o que a deixou à sombra de seus privilégios. Os privilégios de Maria se pautam na sua inegável singularidade na história da salvação, mas não a desligam dessa história, pois ela é nossa companheira de viagem na luta por um mundo mais justo para todas as pessoas.

Que cada “ave, Maria”, emergindo de um coração sincero, brote nos lábios como um desejo de seguir Jesus como ela o seguiu, de se abrir à grandeza suave do Espírito Santo como ela se abriu, de modo que o Pai receba o louvor e a ação de graças de seu povo santo e sacerdotal.

 

Bibliografia

BALIC, Carlo. La Chiesa e Maria Santissima. In: VAN LIERDE, Pietro Canisio G. et al. Lo Spirito Santo e Maria Santissima. Città del Vaticano: Tipografia Poliglotta Vaticana, 1973.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Puebla: a evangelização
no presente e no futuro da América Latina. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1979.

DENZINGER, H; HÜNERMANN, P. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007.

DOCUMENTOS do Concílio Vaticano II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997.

GEBARA, Ivone; BINGEMER, Maria Clara L. Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres: um ensaio a partir da mulher e da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1987.

LAURENTIN, René. Breve trattato sulla Vergine Maria. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2016.

PAULO VI. Marialis Cultus. São Paulo: Paulinas, 1974.

PERRELLA, Salvatore M. Maria Vergine e Madre: la verginità feconda di Maria tra fede, storia e teologia. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2003.

VALENTINI, Alberto. Maria secondo le Scritture: Figlia di Sion e Madre del Signore.
Bologna: EDB, 2007.

Jonas Nogueira da Costa, ofm*

*Frade franciscano, pertence à Ordem dos Frades Menores. Doutorando em Teologia Sistemática (ênfase em Mariologia) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Professor no Instituto Santo Tomás de Aquino (Ista), em Belo Horizonte-MG, e no Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, em Caratinga-MG. E-mail: [email protected]