Publicado em janeiro-fevereiro de 2024 - ano 65 - número 355 - pp.: 12-21
Fraternidade e Amizade Social em fragmentos
Por Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães*
A Campanha da Fraternidade existe há muitos anos e enfrenta grandes desafios internos e externos à Igreja, na sociedade e no planeta, pondo em foco realidades específicas e incentivando grandes saltos na vivência da fé cristã e na melhoria de vida por meio de incontáveis projetos de cuidado das pessoas, da sociedade, do meio ambiente, todos vulneráveis.
1. Campanha…
São muitos os tipos de campanha que conhecemos, nos tocam e capturam – ou não – cada dia. Há campanhas comerciais, promocionais, institucionais; campanhas de lançamentos, de sustentabilidade, de arrecadações; conhecemos, além disso, campanhas de difamação, destruição e violência; campanhas políticas para eleger pessoas e para destituir ditadores; também há campanhas de conscientização, sensibilização, mobilização, que são mais nobres; e ainda existe certa campanha, que chamamos, no âmbito da Igreja católica e, de vez em quando, no âmbito de algumas Igrejas ecumênicas, de Campanha da Fraternidade, a qual importa muito.
Embora essa campanha tenha um significado próprio em relação àquelas, situando-se no contexto da vivência cristã, ela utiliza alguns elementos do que é ensinado pelas ciências gerenciais. Para que ela seja eficiente (funcione como planejado) e eficaz (mude a realidade que é chamada a mudar) – ainda mais hoje, em meio a tantas dificuldades e a tantas campanhas concomitantes, muitas extremamente agressivas, também no meio religioso –, é necessário, objetivamente, lembrar alguns pontos, para que a Campanha da Fraternidade não se identifique com campanhas estranhas e, ao mesmo tempo, aplique conhecimentos de diversas áreas.
Campanha é um conjunto de ações e recursos mobilizados para alcançar determinado objetivo, determinada finalidade. As campanhas são poderosas e estratégicas para melhorar a vida dos beneficiados por ela. Além disso, a depender da campanha, ela é fator importante para a prática da justiça social. Campanhas não são somente alguns esforços especiais, aplicados na abordagem de problemas ou no fortalecimento de instituições. Quando planejamos e executamos uma campanha, ela fala de nós mesmos, diz o que queremos e o que propomos, envolve pessoas que passam a fazer parte de uma grande rede, definida no escopo da campanha.
Consideramos a campanha uma forma efetiva de ajudar a realizar mudanças, por isso ela precisa ter objetivos específicos claros, assimilados na mente e no coração de quem a anima, evitando dispersar energia com ações que dela destoam e com discussões que esvaziam o que foi proposto. Para alcançar a meta, ela precisa deixar claro o alvo escolhido, as pessoas que podem colaborar, gerando grande movimento envolvente e participativo, unindo a todos.
Faz muito bem a uma campanha lembrar resultados de campanhas anteriores, para que as pessoas percebam os avanços, os bons resultados, e se alegrem por, mais uma vez, integrarem-se ao movimento. Essa é a melhor forma de manter o envolvimento de todos ao longo do tempo. As campanhas produzem excelente efeito colateral, ou seja, à margem do seu objetivo principal e favorável a ele: geram líderes e coordenadores, que tomam a frente e atuam com convicção, e não por mera tática.
Campanhas necessitam do fator “tempo”: a preparação, as expectativas, a conscientização, a mobilização, as ações específicas, o próprio investimento nessas ações. Planejar a campanha implica entrar no âmago da causa que ela assumiu, de modo que os envolvidos tenham o rosto da campanha, por se identificarem com ela.
2. …da Fraternidade…
A Campanha da Fraternidade (CF) existe há muitos anos e enfrenta grandes desafios internos e externos à Igreja, na sociedade e no planeta, pondo em foco realidades específicas e incentivando grandes saltos na vivência da fé cristã e na melhoria de vida por meio de incontáveis projetos de cuidado das pessoas, da sociedade, do meio ambiente, todos vulneráveis. A grande artífice dessa beleza é a solidariedade humana e cristã em ato. Mesmo assim, a CF sofre desgastes, é desafiada a reinventar-se a cada ano, sobretudo neste tempo em que o “inimigo” – por meio de “inimigos”, daqueles que semeiam o joio venenoso no meio do trigo – trabalha para destruir a fraternidade. Uma vez que o semeador é o Senhor e a Campanha é da Fraternidade, ela segue seu caminho altiva, fazendo o bem.
No dia 3 de maio de 2023, o papa Francisco canonizou São Charles de Foucauld, uma das suas motivações para escrever a encíclica Fratelli Tutti (FT), sobre a fraternidade e a amizade social, assim como o foram São Francisco de Assis, Martin Luther King, Desmond Tutu e Mahatma Mohandas Gandhi. Charles de Foucauld foi aquele que perseguiu o caminho de sua transformação pessoal até o clímax de tornar-se “irmão de todos”, porque queria ser “o irmão universal” (FT 286-287). A fraternidade é exigente, porque ela desce até a última raiz daquele que deseja ser discípulo de Jesus Cristo.
Essa postura deixa claro que a fraternidade comporta, com largueza, as diferenças entre as pessoas, grupos e culturas, religiões e sociedades. São diferenças que chegam a alto nível de diversidade, já que todos são essencialmente diferentes, mesmo aqueles que possuem elementos aparentemente de difícil aceitação. Viver e reconhecer as diferenças é uma arte, porque a convivência passa a ser prazerosa, respeitosa, amigável.
A fraternidade, contudo, não comporta desigualdades, que são diferenças artificiais, planejadas (não sem perversidade) para obter status, lucro, vantagem sobre o sofrimento alheio – não só de algumas, mas de muitos milhões de pessoas, se pensarmos planetariamente. As desigualdades são resultado das injustiças sociais, políticas, econômicas; das violências cometidas contra vários segmentos da sociedade; do roubo sob ameaça de ataques sub-reptícios ou explícitos, intimidações morais e agressões físicas, até a morte.
A fraternidade comporta diferenças, não desigualdades. Estas precisam ser superadas e aquelas valorizadas. Não há fraternidade, do ponto de vista humano, quando, separados por uma avenida, de um lado se encontra um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e, do outro, um dos menores. Como a riqueza é concentração de renda para alguns, em detrimento da carência de renda para outros, é necessário afirmar que nessa situação não há fraternidade, muito menos do ponto de vista cristão, do Evangelho de Jesus. Tudo isso fica ainda mais grave porque, de um lado e do outro, todos os domingos, celebra-se a Eucaristia sem efeito algum sobre a vida concreta, sem incidência alguma sobre as relações sociais, sem fraternidade alguma, sem amor social algum, porque as desigualdades e suas causas são camufladas, até naturalizadas e justificadas religiosamente.
Ultimamente se têm ouvido discursos sobre processos de reconciliação nas sociedades, como resposta às grandes polarizações em vários campos da vida humana, familiar, social, política, econômica, religiosa e cultural. Concordamos que a reconciliação é uma necessidade. Entretanto, ela jamais pode legitimar desigualdades e posturas completamente díspares e contraditórias com relação às pessoas e aos valores da humanidade, do Evangelho. Essa legitimação é a prova da inautenticidade da reconciliação, porque não há conciliação entre democracia e ditadura, entre fascismo e humanismo, entre fundamentalismo e liberdade, entre violência e pacifismo. A reconciliação só pode ser celebrada quando acompanhada de sincero processo de conversão, em que, efetivamente, haja uma mudança de mentalidade, de coração e de postura existencial e social.
Nesse sentido, a dimensão práxica, pessoal, comunitária e coletiva da reconciliação não pode prescindir do magistério do papa Francisco sobre o perdão, para que ela mesma não se torne um engodo espiritual. Ao tratar das “lutas legítimas e o perdão”, Francisco ensina:
Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto, um criminoso ou alguém que degrada nossa dignidade. Somos chamados a amar todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que continue a oprimir, nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo contrário, amá-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano. Perdoar não significa permitir que continuem a pisotear a própria dignidade e a do outro, ou deixar que um criminoso continue a fazer o mal. Quem sofre injustiça tem que defender vigorosamente seus direitos e os da sua família, precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama. […] O perdão não só não anula essa necessidade, mas reclama-a (FT 241).
O importante é não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo, ou por uma necessidade doentia de destruir o outro (FT 242).
O perdão e a reconciliação não são e nunca serão um ardil ludibriante para aliviar falsamente as consciências e fazer de conta que está tudo bem. Perdão e reconciliação transformam a vida.
3. …na Quaresma de 2024…
A Campanha da Fraternidade deixa-se, a cada ano, banhar na espiritualidade da Quaresma, tempo litúrgico que incentiva todos os cristãos e cristãs, na viva fé em Jesus Cristo, à conversão, a qual deve revelar-se pela mudança de visão, sentimentos, atitudes e práticas. Fazer Campanha da Fraternidade na Quaresma não é um arranjo nem, muito menos, uma espécie de invasão do território litúrgico, mas, harmonicamente, considerando não só a liturgia, mas também os aspectos da vivência da fé, constitui uma oportunidade, um tempo kairológico, expressão de que todos precisamos nos converter ao amor ao próximo, que vemos, como prova de amor a Deus, que não vemos, a fim de não passarmos por mentirosos (1Jo 4,20-21).
A oração eucarística chamada “Jesus que passa fazendo o bem”, entre outras, faz essa síntese entre a liturgia e todos os esforços pela fraternidade e por um mundo melhor. A nova tradução do Missal Romano sugere que essa oração seja feita pelos refugiados e exilados, pelos que passam fome, pelos cativos, prisioneiros, enfermos, agonizantes e em qualquer necessidade (MISSAL ROMANO, 2023), na qual se inclui a de fazermos Campanhas da Fraternidade. Em seu prefácio próprio, rezamos: “Ele sempre se mostrou cheio de misericórdia para com os pequenos e os pobres, os doentes e os pecadores, e se fez próximo dos aflitos e oprimidos. Por sua palavra e ação anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos os vossos filhos e filhas” (MISSAL ROMANO, 2023).
Fazemos Campanha da Fraternidade na Quaresma porque somos chamados, na alegria do Evangelho, a sermos misericordiosos como Jesus, atentos e operantes em relação aos pobres, doentes, pecadores, aos que vivem na miséria e com fome, aos que esperam de nós fraternidade e amizade social. O critério fundamental e aferidor da autenticidade do processo de conversão é a consciência, que precisa ser crescente, de que ou nos salvamos todos, ou ninguém se salva.
Mais adiante, depois de pedirmos que o Espírito Santo nos una num só corpo, o corpo eclesial, rezamos, tocados profundamente:
Abri nossos olhos para perceber as necessidades dos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os cansados e oprimidos; fazei que os sirvamos de coração sincero, seguindo o exemplo e o mandamento de Cristo. Vossa Igreja seja testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, para que toda a humanidade se reanime com uma nova esperança (MISSAL ROMANO, 2023).
4. …sobre Fraternidade e Amizade Social
A fraternidade e a amizade social se inscrevem no âmbito maior do humanismo cristão, mais precisamente do novo humanismo cristão (GUIMARÃES, 2022), sustentado pela Palavra de Deus e pelo ensino social da Igreja, agora retomado, vigorosamente, pelo papa Francisco, não só na Fratelli Tutti, mas também na Laudato Si’, na Querida Amazônia, nos projetos da Economia de Francisco e Clara e do Pacto Educativo Global, bem como em vários de seus pronunciamentos e homilias, com linguagens diversas, explícita ou implicitamente, como ocorre na bela e densa Carta Apostólica Misericordia et Misera, no encerramento do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, e na construção de banheiros para pessoas com trajetória de rua, no Vaticano, com tudo de que necessitam: banho, sabonete, toalhas, roupas limpas e passadas. É o humanismo cristão “miudinho”, em pequenos gestos, também no de abraçar fortemente os pobres, os enfermos, sem sinal algum de aporofobia, antes a combatendo dura e bravamente.
O livro da Sabedoria fala da moderação de Deus em relação a Canaã, ensinando a virtude de permanecer na exata medida, na medida do Deus que cuida de todos e de tudo, porque atua com o princípio da justiça, da clemência, oferece confortadora esperança e concede arrependimento, aplica correções com misericórdia, para que, assim procedendo, ensine ao povo que o justo deve ser humano (Sb 12,13-22).
O próprio Jesus entrou na história e, nela, dialogou com a humanidade para lhe revelar o desígnio divino de salvação, justiça e fraternidade. Por isso a Igreja, com sua Doutrina Social, propõe
aos homens e mulheres um humanismo à altura do desígnio do amor de Deus sobre a história, um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política, fundada na dignidade e na liberdade de toda a pessoa humana, a se realizar na paz, na justiça e na solidariedade […] de forma que, assim, aparecerão, com o necessário auxílio da graça divina, homens realmente construtores de uma humanidade nova (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, n. 17-19).
Ser humano! Essa é a questão para definir a amizade social no prisma da fraternidade. A amizade social ultrapassa os limites de ações benéficas, porque, estando na raiz das ações, estabelece conexão entre a unidade e a coletividade, de modo a fazer querer o melhor para a vida da sociedade, para todos e cada um. A amizade social eleva a amizade e o social. Quando lançamos a luz do Evangelho sobre a amizade social, encontramos o ensinamento de Jesus Cristo sobre o amor aos amigos: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13), “o que não restringe o amor universal, pois o amor gera amigos” (BÍBLIA SAGRADA, 2018, nota de Jo 15,13).
O vital testemunho de Jesus, ao dar sua vida, obriga-nos a entender o Reino de Deus como algo não restrito a uma organização sociopolítica definitiva, porque o Reino de Deus
é, antes, testemunhado pelo progresso de uma sociabilidade humana que é para os homens fermento de realização integral, de justiça e de solidariedade, na abertura ao Transcendente, como termo referencial para a própria, definitiva e plena realização pessoal (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, n. 51).
A fraternidade e a amizade social são, ao mesmo tempo, em si mesmas, um modo de viver e resultado de constante exercício de solidariedade. Observe-se, contudo, que os nomes desses componentes são múltiplos para abranger tudo, como aparece nitidamente abaixo:
O princípio que hoje designamos de solidariedade […] várias vezes Leão XIII o enuncia, com o nome de “amizade” […]; desde Pio XI é designado pela expressão mais significativa “caridade social”, enquanto Paulo VI, ampliando o conceito na linha das múltiplas dimensões atuais da questão social, falava de “civilização do amor”. João Paulo II realça como o ensinamento social da Igreja corre ao longo do eixo da reciprocidade entre Deus e o homem: reconhecer Deus em cada homem e cada homem em Deus é a condição de um autêntico desenvolvimento humano (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, n. 103).
O núcleo central e articulador de toda a Fratelli Tutti é a fraternidade e a amizade social. Pode-se começar a leitura da encíclica pelo capítulo VI, “Diálogo e amizade social”, para melhor compreender os demais capítulos e notar o esforço de Francisco em retirar esse assunto do campo emocional, privado ou meramente racional, a fim de situá-lo no campo da vivência, na contemporaneidade (FT 198-199).
O ponto de partida é o diálogo, entendido como centro gravitacional da aproximação, escuta, conhecimento e troca, para explicitar que a fraternidade começa com o diálogo e poderá conduzir à amizade social, com o objetivo de ajudar o mundo a ser melhor, pondo em diálogo as diversas culturas, também a dos meios de comunicação, que importam muito, porque eles podem facilitar ou dificultar decisivamente o processo dialógico. Por um lado, quando comprometidos com a fraternidade e a amizade social, os meios de comunicação ajudam a nos sentirmos mais próximos uns dos outros, a nos fazermos mais família humana, impelem-nos a buscar vida digna para todos, a tecer redes de comunicação humana e de encontro; por outro, há meios de comunicação capturados por pessoas de mentalidade fundamentalista, fascista, excludente e violenta, produtoras de notícias falsas, cultivadoras de ódio contra a família, contra a comunidade, contra a encarnação dos ensinamentos de Jesus na realidade, contra o diálogo (FT 205). A ausência do diálogo despreocupa e desocupa a todos do bem comum (FT 202).
Sabemos que o eixo fundamental da convivência, em qualquer sociedade, é a dignidade da pessoa humana. Diz Francisco que todo ser humano possui uma dignidade inviolável, inalienável, em qualquer situação, que corresponde à natureza humana (FT 213-214). O bem viver tem uma “gramática ética”, com alcance e aceitação universais, e pauta o compromisso social, até que se estabeleça a amizade social – como fundamento do urgente novo humanismo – na sociedade que globalizou a indiferença e agora, por uma questão de vida ou morte, precisa globalizar a fraternidade. Os princípios gramaticais desse trabalho esforçado, próprio de todo e qualquer discípulo de Jesus, são os do personalismo, da solidariedade e do bem comum (SORGE, 2018, p. 23).
A implementação desses princípios não se dá sem tensões, as quais, quando aproveitadas, geram o progresso da humanidade (FT 203). Mais uma vez, é necessário afirmar que a amizade social, fruto maduro do exercício da fraternidade, não é um programa romântico, mas um programa de esforços. Embora ela seja laboriosa e meticulosa como a feitura de um artesanato, no “manual de instrução” de sua implementação estão alguns itens facilitadores: a cultura do encontro, que o próprio papa Francisco chama de “encontro feito cultura”, encontro como cultura fraterna, que penetra a alma do povo; a consciência de que a paz na sociedade se conquista concomitantemente à amizade social, pois ambas são irmãs; a alegria prazerosa da alteridade, do reconhecimento do “outro” e da prostração diante dele para lavar-lhe os pés, já que toda a humanidade, mais do que ter os pés lavados, necessariamente precisa fazer a experiência de abaixar-se e lavar os pés dos escorraçados da vida, como gesto de redescoberta da amabilidade, que jamais permitirá que a lei seja a do “salve-se quem puder”, porque só nos salvamos juntos.
5. Porque vós sois todos irmãos e irmãs (Mt 23,8)
Chegamos ao umbral desta reflexão sobre a Campanha da Fraternidade de 2024, evento que nos colocará diante do grande desafio da fraternidade e da amizade social, no tempo da Quaresma. Sim, até aqui quisemos abrir as portas para iniciar um caminho, como cristãos e cristãs, de edificação da fraternidade na perspectiva da amizade social, inspirados no papa Francisco, porque somos todos irmãos e irmãs, nas palavras de Jesus:
Quanto a vós, não permitais que vos chamem “Rabi”, pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos (grifo nosso). A ninguém na terra chameis “Pai”, pois só tendes o Pai celeste. Não permitais que vos chamem “Guias”, pois um só é o vosso guia, Cristo. Antes, o maior dentre vós será aquele que vos serve. Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado (Mt 23,8-12, BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2003).
Forte sinal é aquele dado pelo papa Francisco e pelo grande imã Ahmed Al-Tayyeb, quando se encontraram em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em 4 de fevereiro de 2019, e assinaram juntos o Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, selando a convicção de que o destino da humanidade é a fraternidade, que galopeia para gerar a amizade social, fragmento a fragmento, até que se consolide o Reino de Deus, dom e missão.
Referências bibliográficas
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003.
BÍBLIA Sagrada. Brasília, DF: Edições CNBB, 2018.
BIGO, Pierre; ÁVILA, Fernando Bastos de. Fé cristã e compromisso social: elementos para uma reflexão sobre a América Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulus, 1982.
CONCÍLIO VATICANO II. Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.
DUSSEL, Enrique. Ética comunitária. Petrópolis: Vozes, 1986.
FORTE, Bruno. Um pelo outro: por uma ética da transcendência. São Paulo: Paulinas, 2006.
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti: Carta Encíclica sobre a fraternidade e a amizade social. Brasília, DF: Edições CNBB, 2020.
GUIMARÃES, Joaquim Giovani Mol et al. O novo humanismo: paradigmas civilizatórios para o século XXI, a partir do papa Francisco. São Paulo: Paulus, 2022.
JOÃO PAULO II, Papa. Centesimus Annus: Carta Encíclica no centenário da “Rerum Novarum”. Disponível em: https://vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_ip-ii_enc_01051991_centesimus-annus.html. Acesso em: 8 ago. 2023.
MISSAL Romano. 3. ed. típica. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023. No prelo.
NODARI, Paulo César. Fraternidade e amizade social: uma introdução à leitura da encíclica “Fratelli Tutti” do papa Francisco. São Paulo: Paulinas, 2022.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Desafios éticos da globalização. São Paulo: Paulinas, 2001.
PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2005.
SORGE, Bartolomeo. Breve curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2018.
Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães*
*catequista e servidor da teologia e da pastoral, educador, animador de comunidades eclesiais de base, membro do Observatório Eclesial Brasil, do Observatório da Comunicação Religiosa Brasil, do Grupo de Reflexão sobre Juventudes da Comissão para as Juventudes da CNBB, coordenador da Comissão de Comunicação do Leste II, bispo auxiliar da Igreja local de Belo Horizonte, esperançoso e dedicado a colaborar com a reforma da Igreja liderada pelo papa Francisco. E-mail: [email protected]