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Publicado em julho-agosto de 2024 - ano 65 - número 358 - pp.: 32-36

Francisco, as juventudes e o Sínodo sobre a sinodalidade

Por Francisco Antonio Crisóstomo de Oliveira (Thiesco Crisóstomo)*

Os passos para a verdadeira sinodalidade passam por garantir a participação efetiva e afetiva das juventudes das nossas comunidades em todos os temas e processos da vida eclesial.

Introdução

A sinodalidade é um princípio fundamental da Igreja católica, presente desde seus primeiros séculos. A tradição remonta ao Concílio de Jerusalém, citado nos Atos dos Apóstolos, seguido de diversos outros ao longo da história da Igreja. Os concílios têm como princípio justamente a sinodalidade entre os bispos.

No século XX, o papa São João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, grande evento de renovação da Igreja católica. O Vaticano II reafirmou a importância da sinodalidade e estabeleceu novas estruturas para promover a participação de todos os membros da Igreja.

 1. Francisco e o desejo de toda a Igreja “caminhar junto”

Quando Francisco inicia seu pontificado, inaugura novas perspectivas de pastoreio e retoma questões muito importantes para a Igreja no mundo. Francisco tem sido forte defensor da sinodalidade. A prova disso é que, desde 2018, os Sínodos dos Bispos (assembleias gerais ordinárias ou especiais) contaram com temáticas de grande relevância para todo o povo de Deus.

A sinodalidade é um processo em constante evolução. Os Sínodos sob Francisco têm demonstrado essa evolução e criatividade para favorecer, cada vez mais, a participação de todo o povo de Deus na reflexão e tomada de decisões no que se refere à Igreja. Ela é uma forma de a Igreja católica se adaptar às mudanças da sociedade e responder aos desafios do mundo atual.

Em 2018, a 14ª Assembleia Geral Ordinária tratou do tema: “A vocação e missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo” e deu origem à Exortação Apostólica Amoris Laetitia. Em 2019, Francisco traz para a 15ª Assembleia Geral Ordinária a importante temática da evangelização das juventudes: “Jovens, fé e discernimento vocacional”. Esse sínodo teve uma novidade: além de contar com os instrumentos de consulta enviados às dioceses, teve a participação dos jovens, por meio das redes sociais, em consultas e diálogos, o que culminou com uma pré-assembleia em Roma, com a presença de jovens do mundo inteiro. Desse sínodo saiu a exortação Christus Vivit. Em 2019, talvez tenha havido a grande transformação sinodal, com a Assembleia Especial para a Amazônia: “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, que construiu processos de escuta e partilha nos territórios amazônicos sobre a realidade que implica todas e todos nós. Desse sínodo nasceu a exortação Querida Amazônia.

Em 2021, o papa Francisco convocou um Sínodo para a Igreja universal, com o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Esse sínodo, ainda em curso, constitui um processo de escuta e discernimento que tem procurado envolver todos os membros da Igreja, de todo o mundo.

A proposta de sinodalidade do papa Francisco é um desafio para a Igreja católica. Ela exige uma mudança de mentalidade e de cultura. Contudo, é também uma oportunidade de renovação e de fortalecimento da Igreja, porque, entre outras coisas:

  • promove a participação de todos os membros da Igreja, o que é essencial para uma Igreja mais democrática e inclusiva;
  • ajuda a Igreja a discernir a vontade de Deus, o que é essencial para uma Igreja mais fiel ao Evangelho;
  • fortalece a unidade da Igreja, o que é essencial para uma Igreja mais eficaz na evangelização.

A sinodalidade é um caminho necessário para a Igreja do século XXI. O mundo de hoje é complexo e plural. A Igreja precisa ser sinodal, aberta e acolhedora, para poder responder aos desafios deste mundo e continuar sendo sinal vivo do Evangelho de Jesus. Francisco sabe disso. Por isso tem insistido em nos provocar, para que também nós creiamos que o caminho a ser percorrido passa pela sinodalidade, em que todos os membros da Igreja têm voz e participação ativa na sua vida e missão.

Aqui estão alguns exemplos concretos de como a sinodalidade pode ser aplicada no cotidiano das nossas comunidades, paróquias, dioceses e em toda a Igreja:

  • escutar a voz de todos os membros da Igreja, incluindo os cristãos leigos jovens, mulheres, pobres e marginalizados;
  • incentivar a participação ativa de todos os membros da Igreja nas decisões eclesiais;
  • promover a colaboração entre os diferentes níveis eclesiais.

2. A tradição latino-americana de diálogo e valorização dos jovens na Igreja

Ao longo dos anos, a Igreja na América Latina já se pronunciou diversas vezes sobre a juventude. Na Conferência de Medellín (1968), por exemplo, foi afirmado que muitos jovens não se consideram integrantes da Igreja por não terem sido chamados à plena participação na comunidade eclesial. Já na Conferência de Puebla (1979), a Igreja fez a “opção preferencial pelos jovens” e afirmou que “confia neles e que eles são a sua esperança”. Em Aparecida (2007), a Igreja foi chamada a estimular a pastoral dos adolescentes, com suas próprias características, e a reconhecer que os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da população da América Latina e do Caribe e representam enorme potencial para o presente e o futuro da Igreja e de nossos povos, como discípulos missionários (LISBOA, 2022).

A América Latina tem vasta experiência no trabalho com as juventudes. Com base nas conferências citadas acima, mas também em outros documentos do Celam que tratam sobre a evangelização das juventudes, é possível propor uma ação articulada, com metodologias que favoreçam o protagonismo e a autonomia dos jovens no processo de educação na fé.

Também o Brasil tem construído importantes processos relativos à proposta de fazer da comunidade eclesial um lugar para as juventudes. Desde a Ação Católica, das pastorais da juventude do Brasil, da interface e diálogo com movimentos eclesiais e congregações religiosas, a CNBB, em seu documento mais importante e atual, o Documento 85, propõe que as juventudes não só sejam mão de obra para as tarefas subalternas nas comunidades, mas também, a partir de seus processos e de seus lugares vitais, encontrem nas comunidades o lugar privilegiado do seguimento da pessoa e do projeto de Jesus Cristo.

Mais recentemente, na Exortação Apostólica Christus Vivit (2019), o papa Francisco convida os jovens a levar o anúncio missionário aos locais onde se encontram e às pessoas com quem convivem, incluindo quem parece mais distante e indiferente.

3. As juventudes e os caminhos de sinodalidade na visão de Francisco

Francisco é latino-americano. Ele bebe de toda a fonte que jorra de Medellín e Puebla. É o grande sistematizador de Aparecida. Francisco compreende que o caminho latino-americano de evangelização das juventudes pode colaborar fortemente com a Igreja no mundo. Mais ainda: os processos desencadeados, ao longo dos anos, nas pastorais das juventudes na América Latina e Caribe são sinais visíveis e concretos da sinodalidade entre os jovens e entre os adultos que os acompanham.

Por isso, em seus escritos, Francisco transmite também um pouco dessa experiência. Na Christus Vivit, destaca o papel fundamental dos jovens na Igreja e na sociedade, enfatizando que os jovens não são apenas o futuro, mas também o presente da Igreja e do mundo. Ele encoraja os jovens a serem protagonistas da mudança, a se envolverem ativamente na construção de um mundo mais justo e fraterno, a serem testemunhas do Evangelho em todos os lugares, com a própria vida (Christus Vivit, n. 175). O papa também ressalta a importância da participação dos jovens na promoção da justiça, na luta pelos direitos dos mais vulneráveis e na construção de uma cultura do encontro e da solidariedade (Christus Vivit, n. 170 e 171). Além disso, ele destaca a necessidade de a Igreja estar atenta aos sinais dos tempos e de criar mais espaços onde ressoe a voz dos jovens, reconhecendo sua capacidade de renovar e de partir para novas conquistas (Christus Vivit, n. 37).

Já no Relatório de Síntese da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, os participantes reconhecem os jovens como portadores de dons e fragilidades, destacando seu papel crucial na vida e na missão da Igreja. Eles são chamados a testemunhar Jesus Cristo na vida cotidiana e a partilhar explicitamente a fé com os outros, refletindo a importância de sua participação ativa na comunidade eclesial (ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, 16, p. 20). Além disso, o Relatório enfatiza a necessidade de procurar novos modos de envolver os jovens e fornecer-lhes formação e catequese, especialmente considerando a influência dos espaços on-line (ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, 16, p. 38). Esse reconhecimento reflete o compromisso de apoiar o crescimento espiritual dos jovens e promover sua participação significativa na vida da Igreja.

Todas aquelas provocações feitas por Francisco já em 2019 servem muito bem para todo o processo sinodal que estamos vivenciando atualmente, num cenário de reorganização social pós-pandemia e – por que não dizer também – de reorganização eclesial, no qual as paróquias precisam apresentar-se novamente como a casa que acolhe a “todos, todos, todos”, como bem tem enfatizado Francisco em seus últimos discursos.

Uma questão importante, com relação aos processos desencadeados pelos Sínodos sob Francisco, é se realmente, nas bases, nas comunidades, eles têm surtido o efeito desejado. Parece-me que há avanços, mas estamos ainda longe de realizar minimamente aquilo que nossos documentos e mesmo os mais fervorosos discursos de Francisco nos apresentam como caminho. É evidente que a Igreja tem suas estruturas e seu tempo. Contudo, também é evidente que ela, se quer ser sinal do Reino, precisa se abrir de fato ao aggiornamento proposto pelo Vaticano II, o qual está sendo levado a cabo por Francisco.

Talvez um bom medidor seja fazer perguntas. Um bispo aqui do Brasil deu um bom caminho das perguntas a serem feitas: dom Luiz Fernando Lisboa, bispo de Cachoeiro de Itapemirim-ES, num artigo de setembro de 2022, refletindo sobre o papel dos jovens nos processos da Assembleia Eclesial Latino-americana, que também tinha a sinodalidade como centro da reflexão, a certa altura nos provoca com perguntas fundamentais para enxergarmos se os jovens realmente ganharam maior espaço nas nossas comunidades. Tomo a liberdade de reproduzi-las abaixo:

Algumas perguntas para ajudar na nossa reflexão: Quantos jovens há nos nossos conselhos de pastoral comunitário, paroquial e diocesano? Como cuidamos da formação da juventude? Qual o acompanhamento que se dá aos nossos crismandos e crismados? Por que a maioria abandona a Igreja? Qual a relação e o trabalho conjunto entre a PJ e a catequese crismal? Qual a importância que damos ao acompanhamento dos adolescentes em geral? Em que medida envolvemos a juventude em nossas ações missionárias? Qual o conhecimento que oferecemos sobre a Doutrina Social da Igreja, já que eles são tão sensíveis a esta temática? Quais espaços são oferecidos ou conquistados pela juventude na Igreja? Como são acolhidos, acompanhados e orientados os movimentos juvenis? Qual a ligação dos movimentos juvenis com a Pastoral da Juventude e com a Pastoral de Conjunto? O que nos falta fazer para esta integração?

Ainda: Como é a formação nos nossos seminários? Por que muitos padres jovens não querem trabalhar com a juventude? Por que há tão poucos padres, religiosas, religiosos, leigos e leigas especializando-se em pastoral juvenil? Por que os bispos não enviam de cada diocese ao menos três ou quatro pessoas para se especializarem em pastoral juvenil? Onde estão no Brasil e na América Latina os centros especializados em pastoral juvenil? (LISBOA, 2022).

Essas perguntas deveriam estar na pauta do dia quando formos debater a participação das juventudes em todos os âmbitos da evangelização. Nesse sentido, urge que a comunidade eclesial olhe para as juventudes que estão em seu seio, mas também em seu entorno, e proporcione espaços de diálogo e de ação.

É fundamental também construirmos cada vez mais espaços de escuta para as juventudes. Os Sínodos sob Francisco têm, a cada novo processo, inaugurado bonitas e interessantes propostas. Sem dúvida,
o Sínodo para a Amazônia, com todo aquele processo de ida aos territórios, não só para escutar, mas também para conhecer e se reconhecer Igreja nesses lugares, deve servir de horizonte metodológico para que, a cada novo ciclo, novos processos, ainda mais participativos, possam ser descobertos e implementados. Não é uma tarefa fácil. “Caminhar juntos”, de fato, sem deixar ninguém à beira do caminho, requer paciência, criatividade e muita ousadia. E nisso as juventudes são mestras!

Referências bibliográficas

ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, 16. Relatório de Síntese: uma Igreja sinodal em missão. Disponível em: https://www.uisg.org/pt/news/Relazione-di-Sintesi-della-XVI-Assemblea-Generale-Ordinaria-del-Sinodo-dei-Vescovi. Acesso em: 22 nov. 2023.

CNBB. Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. São Paulo: Paulinas, 2010. (Documento 85).

CNBB. Marco referencial da Pastoral da Juventude do Brasil. Brasília, DF: Edições CNBB, 2007. (Documento 76).

FRANCISCO, Papa. Christus Vivit: Exortação Apostólica Pós-sinodal aos jovens e a todo o povo de Deus, 25 mar. 2019. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html. Acesso em: 1 dez. 2023.

LISBOA, Luiz F. Sinodalidade e missão: lugar das jovens e dos jovens. CNBB, 26 set. 2022. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/dom-fernando-lisboa-sinodalidade-e-missao-jovens/. Acesso em: 1 dez. 2023.

Francisco Antonio Crisóstomo de Oliveira (Thiesco Crisóstomo)*

*é cristão leigo, casado com a Bianca e pai da Lívia. Possui graduação em Sistemas de Informação (UFPA) e em Ciências Sociais (Unifesspa) e pós-graduação em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta (Faje) de Belo Horizonte-MG. Entre 2011 e 2014, foi secretário nacional da Pastoral da Juventude e membro da Ampliada Nacional das CEBs entre 2010 e 2018. Foi assessor/formador do Ipar (Instituto de Pastoral Regional) Norte 2 entre 2016 e 2018. Compôs a Equipe de Comunicação e Articulação da Coordenação Nacional da Pastoral da Criança entre 2018 e 2021 e a Comissão Regional de Assessores da PJ Sul 2. Atualmente é pastoralista no Colégio Vicentino Virgem Poderosa, em São Paulo-SP, e membro da equipe do Iser Assessoria. E-mail: [email protected]