O texto trata sobre uma metodologia pastoral – em diálogo com José Comblin, no contexto latino-americano –
que visa a uma ação para transformação e libertação das pessoas. É necessária a articulação de uma dialética entre evangelho e vida, teologia e prática. Busca-se na prática de Jesus de Nazaré o modelo a ser seguido pelos agentes e comunidades cristãs.
Introdução
A metodologia pastoral tem sido, nas últimas décadas, um objeto de pesquisa da teologia prática. Diante de um cenário de proliferação de comunidades cristãs e diferentes práticas pastorais, verifica-se, por parte da Igreja cristã e da teologia prática, a necessidade de aprofundar estudos sobre a metodologia pastoral. Com o Concílio Vaticano II, a Igreja católica tem procurado rever sua relação com o mundo e, em razão disso, empregar uma metodologia pastoral que corresponda melhor ao processo de evangelização dos ambientes de característica moderna.
Neste contexto eclesial latino-americano, teólogos e teólogas denominados “práticos” têm se ocupado com a questão da metodologia pastoral. José Comblin contribui com sua perspicácia teológica e vivência eclesial e, não obstante sua crítica à ação pastoral da Igreja, apresenta pressupostos importantes, que norteiam a prática eclesial.
Comblin aponta como um dos pressupostos da prática pastoral do povo de Deus a vivência da fé em Cristo. Com efeito, ao considerar esse pressuposto, ainda que os cenários eclesiais sejam diversificados e múltiplos, o labor teológico procura alcançar a teorização da prática pastoral que corresponda ao espírito do evangelho. Comblin entende que a tarefa da teologia, em relação à prática da fé, começa precisamente com a compreensão da prática de Jesus de Nazaré. Nesse horizonte teórico, é preciso registrar algumas considerações sobre uma metodologia pastoral.
1. Considerações sobre o método ou a metodologia pastoral
A prática da fé e a ação pastoral constituem uma questão importante na história da Igreja e da teologia. Não é possível convir que a metodologia pastoral tenha sido uma questão central do debate eclesial e teológico. A Igreja e a teologia acreditam que, em todos os contextos sociais e ambientes, há oportunidades para vivenciar a fé em Cristo e assimilar os conteúdos do evangelho. Justamente nessa esperança de propagação do evangelho de Cristo é que o Vaticano II acolhe os tempos modernos.
É possível assumir a percepção de que, no conteúdo da teologia e eclesiologia do Vaticano II, opta-se por um aggiornamento no rumo da Igreja. Trata-se de atualização em todos os sentidos. Com esse olhar teológico e eclesial, o Concílio considera abrir perspectiva de atualização da Igreja em relação ao mundo, às ciências, às culturas, às demais Igrejas cristãs e mesmo aos não cristãos e a outros setores da sociedade.
A proposta aqui é abordar a questão no âmbito da compreensão do conceito de metodologia ou método pastoral. Lothar Carlos Hoch argumenta que se trata de perguntar o que vem a ser método (HOCH, 2011b, p. 60). Na Igreja, fortalece-se a compreensão da palavra método ou metodologia como técnica ou instrumento de operação de uma ideia, plano ou planejamento pastoral em vista de uma ação eficaz.
A metodologia pastoral limita-se à execução de um planejamento pastoral, bem como à aplicação de uma visão e ideia teológicas. Ocorre, na prática, a instrumentalização da própria metodologia; por consequência, a reflexão pastoral torna-se nula, desnecessária.
Talvez isso tenha colaborado com a “situação confusa reinante na pastoral”, como aponta Hoch (2011a, p. 23). A metodologia pastoral “é muito mais que uma técnica: é a mística do discípulo missionário” (BENINCÁ; BALBINOT, 2009, p. 5).
O método é parte inerente da ação evangelizadora. A metodologia é parte constituinte de uma prática pastoral. E, sem dúvida, subsidiária da reflexão teológica e da estruturação enquanto ação prática ou da ortopráxis. Segundo Benincá e Balbinot (2009), o método ou a metodologia pastoral transcende o seu caráter mais científico ou uma técnica aplicável. Sem abdicar do rigor científico, a metodologia pastoral diz respeito à seriedade de uma ação evangelizadora ou de uma prática pastoral.
Agenor Brighenti (2000, p. 62) afirma que a originalidade do método participativo consiste em partir da ação, privilegiando o processo participativo em vez dos resultados. O método tem sua origem na década de 1970, no contexto das práticas eclesiais populares, sendo sistematizado pela reflexão de intelectuais comprometidos com essas perspectivas e processos pastorais.
O intuito central do método participativo é a dinamização das perspectivas e dos processos eclesiais populares, tendo sua prática ou ortopráxis a primazia sobre a ortodoxia. É constituído por três momentos: a explicitação da realidade em que estão inseridos os próprios sujeitos da prática pastoral; a constituição de um plano de trabalho que preveja todos os recursos para uma ação futura; a execução do plano pastoral planejado. Tem como base um diagnóstico da realidade e um prognóstico pastoral com determinados passos para sua execução (BRIGHENTI, 2000, p. 62-66).
O método participativo se destaca pelo seu caráter processual. Há uma inerente pedagogia a envolver as pessoas em sua prática. O método articula-se pelo seu modo de aplicação. Isso significa correr o risco de ser aplicado sem fundamentos teológicos e eclesiológicos. Por isso, é preciso uma metodologia pastoral que tenha visão do conjunto (ALTOÉ, 2000, p. 7-31). O método pastoral precisa articular-se como o todo da prática eclesial.
Num olhar mais restrito sobre a prática das comunidades eclesiais de base, José Marins analisa que a experiência comunitária da fé se torna um evento pessoal e social por meio do método, sendo conteúdo e método íntima e inseparavelmente unidos (MARINS, 1980, p. 31). Acrescenta que “a metodologia tenta fazer com que essa práxis, que surge da realidade, seja orientada pela utopia fundamental do Reino” (MARINS, 1980, p. 33). Marins procura demonstrar que não existe separação entre vida e fé na prática pastoral das comunidades eclesiais de base.
2. Considerações sobre o método ver-julgar-agir
No contexto eclesial latino-americano prevalece o método pastoral ver-julgar-agir, que vem da experiência da Ação Católica. Porém, aqui se mostra obrigatório perguntar: é possível uma ação pastoral sem que seja ela previamente pensada? É possível pensar a pastoral sem recorrer a uma metodologia? O método ver-julgar-agir tem contribuído para uma eficaz ação pastoral?
Há sempre o perigo de instrumentalizar a prática pastoral, e com os métodos teológicos não é diferente: “quando falamos de métodos teológicos, não queremos dizer dos princípios de um sistema, mas da atividade, como ato, como resultado do pensamento” (COMBLIN, 1969, p. 137). Por isso, a teologia não é uma reprodução de formas sistemáticas, mas exerce uma razão e uma função crítica sobre todas as ações da Igreja.
O ponto de partida da prática pastoral é a inculturação do evangelho. Foi pensando e vendo dessa forma que a Ação Católica Brasileira, criada em 1935 pela Igreja Católica, introduziu o método ver-julgar-agir. Trata-se de um método pastoral que articula a ação eclesial com base em uma “tríade” (BRIGHENTI, 2000, p. 68) e de forma dialética. São três momentos que se inter-relacionam dialeticamente.
Uma prática e um processo pastoral como evangelização inculturada ou a inculturação do evangelho pensados à luz da metodologia ver-julgar-agir constam de três passos: o primeiro é ver o contexto em que a ação pastoral está inserida. Propriamente, ver significa a capacidade de compreender todos os mecanismos que compõem a realidade e que envolvem os próprios sujeitos da ação. É conhecer de forma profunda a realidade para que não aprisione a mensagem do evangelho. Em razão desse domínio de compreensão ou da tentativa de se aproximar da realidade da maneira mais factual possível, o ver estabelece uma dialética com o julgar.
O segundo passo é realizar verdadeiro processo de avaliação (julgar) que propõe um caminho de inculturação do evangelho. Nesse processo metodológico, o julgar articula a dialética entre a revelação de Deus e a situação real das pessoas para a inculturação do evangelho. A articulação desse processo metodológico na dialética de confrontação entre revelação de Deus e situação real leva a um novo acontecimento. Ou seja, tal processo se desdobra em nova e autêntica compreensão da realidade sob a hermenêutica da revelação que leva à aceitação do evangelho. A voz do evangelho fala e estabelece um diálogo com a interpretação do mundo, das experiências, e revela as possíveis eficácias e discrepâncias das práticas pastorais. Disso decorre a construção do processo dialético de aproximação e convergência entre ver, julgar
e agir.
Nesse processo metodológico pastoral, pode-se e deve-se afirmar que o agir não é um resultado ou meio técnico, mas consequência de verdadeira hermenêutica do evangelho. Trata-se não de uma aplicação simples e pura do método pastoral, mas do alcance prático de crescimento da fé em Cristo e do cumprimento de um imperativo ético e cristão. O método pastoral ver-julgar-agir não é construção “tecnicista” e de submissão aos deveres religiosos, preestabelecidos pela hierarquia ou pelas coordenações pastorais. Ou, ainda, de pura e simples submissão às regras e normas técnicas de um método pastoral com rigor científico. No dizer de José M. Castillo, “encontrar Jesus e viver a fé nele não é submeter-se à observância de deveres religiosos, mas sim o alcance de aspirações, dos anseios mais profundos do ser humano” (CASTILLO, 2015, p. 420).
O método pastoral ver-julgar-agir parece proceder de forma articulada, mas na prática pode ocorrer desconexão entre os três passos. Ele pode ser muito útil à prática pastoral no contexto latino-americano, porque se utiliza de conceitos que procedem de um diálogo com a análise marxista, embora sem submeter-se a ela. Porém, historicamente, acabou por trazer consigo o “rótulo de marxista” (COMBLIN, 1984, p. 299).
Para Comblin, no método ver-julgar-agir, na prática, observam-se certas desconexões entre os três polos. De modo geral, “o ver, o julgar e o agir são tratados por pessoas diferentes, de formação e de procedência diferentes” (COMBLIN, 1984, p. 299). Comblin identifica certos limites na aplicação e na articulação eficazes desse método:
O ver é tratado por especialistas, leigos ou clérigos especializados, economistas, sociólogos, técnicos, politólogos. O julgar é tratado por teólogos ou biblistas, pois se trata de apresentar o conteúdo bíblico ou teológico que serve para iluminar a situação descrita no ver. Finalmente o agir será tratado por pastores ou especialistas da pastoral. Cada setor recorre às disciplinas da sua especialização (COMBLIN, 1984, p. 299).
Não há como não concordar com os apontamentos de Comblin sobre o método ver-julgar-agir, sobretudo quando se constata que, no que diz respeito à “aproximação entre as diversas especialidades, não se deduz uma conexão rigorosa” (COMBLIN, 1984, p. 299). Ainda que esse método pastoral latino-americano tenha inegável valor, jamais será rigorosamente lógico. Na prática, alguns poderão dizer que o método não serve e, assim, está sujeito ao espontâneo, à pura boa vontade. Para outros, por esse método se pode chegar aos resultados pastorais.
Como escreveu Comblin, “o método não é puro artifício, nem puro oportunismo” (COMBLIN, 1984, p. 170). O método pastoral tem um ponto de partida – a aceitação do evangelho – e uma relação dialética com a realidade. O desafio é que as pessoas de fé, em seus ambientes contemporâneos, procedam à luz de Cristo, da fé que se realiza na ação prática, ação de amor (Gl 5,6). Percebe-se que a reflexão sobre o método pastoral é algo imprescindível em toda e qualquer ação eclesial.
3. Outras considerações sobre o método olhando para Jesus de Nazaré
O método pastoral, tendo como ponto de partida a inculturação do evangelho, propõe-se, com rigor científico e em diálogo com outros recursos, como as ciências, alcançar uma ação pastoral pensada. Há que se valer de uma consciência da situação, apostar no método científico, aprofundar a reflexão teológica sobre o cenário eclesial, dispor-se a rever novamente o processo pastoral latino-americano, entre outros esforços.
Tudo isso nos leva a perguntar pelo fundamento da pastoral e pelo seu desdobramento em novas luzes para uma prática de inculturação do evangelho. Olhando para o jeito de agir de Jesus como modelo para pensar uma metodologia pastoral e uma ação prática, pergunta-se: qual era o método de Jesus? Seu método era eficaz? Jesus rejeitou a prática dos mestres de Israel da época e também não frequentou suas escolas. Não se submeteu a seus ensinamentos e métodos. Sem dúvida alguma, pode-se afirmar que Jesus de Nazaré “buscou e estabeleceu, na centralidade de sua missão, a vontade e a palavra do Pai” (DEBIASI, 2006, p. 13-14). Assim, podem ser descritos cinco passos da prática de Jesus, na esperança de cooperar para a superação “da situação confusa reinante na pastoral” (HOCH, 2011a, p. 23).
a) A compreensão da realidade das pessoas. Jesus faz sua própria inserção na comunidade e procura compreender as circunstâncias da vida de cada um. Ele procura pelo problema pelo qual as pessoas ou a multidão estão passando. Um processo pastoral eficaz decorre da melhor compreensão do mundo das pessoas. Essa compreensão, segundo Comblin, ao expor os limites do método ver-julgar-agir, não é uma compreensão de especializados, economistas, sociólogos ou outros estudiosos – que evidentemente podem ajudar –, mas uma visão mais verdadeira, segundo os olhos da fé (COMBLIN, 1984, p. 299).
b) A boa compreensão do mundo, da qual decorre justamente a reflexão ampla e plural sobre o problema vivido pela multidão. A reflexão pastoral sobre a realidade da comunidade requer a mediação – além da ciência, da técnica e da racionalidade – da atividade intelectual cristã, isto é, do exercício da fé (COMBLIN, 1969, p. 120-121). Sem essa mediação, a prática pastoral corre o perigo de alicerçar-se numa “técnica fria, sem poder de persuasão e mobilização” (BRIGHENTI, 2000, p. 81).
c) A constituição de uma pensada e vivenciada ação pastoral. A prática de Jesus indica a atitude a ser implementada: “Fazei que se acomodem” (Jo 6,10). Jesus propõe a organização da comunidade, o que exige criatividade e participação. A prática pastoral é oriunda da mediação e da dialética da realidade da comunidade com o evangelho. Na ação pastoral de Jesus há um processo pedagógico que envolve a pessoa, a comunidade e a multidão (BENINCÁ; BALBINOT, 2009,
p. 31-35).
d) A busca dos resultados da prática pastoral no suporte da compreensão, reflexão e organização comunitária ou eclesial. O resultado da ação de Jesus era reconhecido pela própria multidão, que exclamou: “Esse é, verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo” (Jo 6,14). Mesmo diante de tantas dificuldades, o conhecimento verdadeiro do Cristo do evangelho precisa ser o escopo final da caminhada pastoral.
e) O despertar para a vocação de missão que descobre novos campos de ação eclesial. “Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha” (Jo 6,15). A atitude de Jesus ao buscar outros lugares impede que o evangelho fique preso a um contexto, ideologia ou iniciativa pastoral. Jesus provoca para a ação, mas não a domina. Eis aí o caráter libertador da sua ação.
Nenhuma metodologia pastoral é eficaz se não nasce do espírito do evangelho. Teologia e prática nada acrescentam ao método pastoral se não houver o experimental ou vivencial do evangelho. Descrever algumas considerações do método pastoral à luz da prática de Jesus de Nazaré requer um conjunto de visões e de percepções que se configuram mediante a mediação e a dialética do evangelho com o mundo e vice-versa. Do contrário, a teologia e a pastoral ou os estudos teológicos e as práticas eclesiais não alcançarão as pessoas e as comunidades para que obtenham resultados. Somente a descoberta dessa realidade cristã de vivenciar o evangelho é capaz de produzir resultados e, assim, legitimar a importância do método pastoral.
Considerações finais
A prática pastoral mais próxima do evangelho e da ação de Jesus de Nazaré é a que tem uma visão que articula o todo da vida cristã. A teologia não tem como primeira função definir uma atividade pastoral da Igreja, e a função da teologia não é justificada por esta ou por aquela prática pastoral. No contexto latino-americano, a teologia propõe estudos e crítica da pastoral enquanto prática histórica libertadora.
Apesar da grande cooperação do método ver-julgar-agir com o labor teológico e com o trabalho pastoral da Igreja, em sua aplicação pode-se incorrer em desconexões, traduzidas, por exemplo, na interpretação incompleta do mundo e em uma ação pastoral parcial, comprometendo a acolhida do evangelho. O método permite que a pastoral seja avaliada à luz das experiências e dos resultados. Atribuiu-se ao método pastoral ver-julgar-agir grande importância, enquanto se pode objetar, com base no evangelho, contra o alcance da práxis libertadora que ele efetivamente impulsiona.
Então se pergunta: qual o método pastoral eficaz para a Igreja latino-americana? Segundo Paulo Suess, diante de uma realidade de “vir a ser” como a da comunidade, será preciso um “ver novamente” (SUESS, 2003). Com efeito, teologia e pastoral, teorias e práticas, métodos e planos precisam de um constante “ver novamente”, tudo à luz de Cristo, do seu evangelho. Em razão da inculturação do evangelho, tarefa da teologia e da pastoral, a presente discussão sobre método pastoral propõe que todas as teses apresentadas reivindiquem uma relação mais adequada entre teologia e pastoral, teoria e prática, evangelho e realidade, práticas teológicas e práticas pastorais, esforço racional e esforço operacional, conhecimentos científicos e saberes vividos, fé e vida. A investigação do método enriquece a teologia, a pastoral e todas as pessoas implicadas na vivência da fé e que participam das práticas eclesiais.
Miguel Debiasi
Fr. Miguel Debiasi é mestre em Teologia pela PUC-RS e em Filosofia pela Unisinos/RS.Doutorando em Teologia pela Faculdades EST/RS.