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Publicado em novembro-dezembro de 2022 - ano 63 - número 348 - pág.: 12-19

Congresso Eucarístico: história da fé no mistério da Eucaristia

Por Moisés Ferreira de Lima*

Este artigo apresenta breve síntese das origens e da história dos congressos eucarísticos, com o objetivo de fazer memória de sua celebração como testemunho da fé no mistério da Eucaristia e de compromisso eclesial e social.

Introdução

A ideia de congresso eucarístico nasceu na segunda metade do século XIX, na França. Sua gênese vincula-se ao contexto do jansenismo (que ensinava que a humanidade decaída não merecia receber a Eucaristia, sendo ela prêmio dos perfeitos) e do ateísmo militante. A iniciativa do “congresso” teve como objetivo principal a renovação da piedade eucarística por meio do culto de adoração e da afirmação da presença real de Cristo na Eucaristia.

Inspirada no apostolado eucarístico de São Pedro Julião Eymard, Émilie-Marie Tamisier (1834-1910) promoveu peregrinações de reparação aos santuários que recebiam os testemunhos dos milagres eucarísticos. Com o apoio do papa Leão XIII e o empenho apostólico de Émilie-Marie, de São Pedro Julião e de outras figuras importantes da época, as peregrinações eucarísticas foram transformando-se nos congressos de obras eucarísticas, que depois ficaram conhecidos como congressos eucarísticos.

Para a realização do primeiro Congresso Eucarístico no ano de 1881, em Lille, já havia sido constituída a Comissão para os Congressos Eucarísticos, com a bênção do papa Leão XIII, em 27 de agosto de 1879. Essa comissão é a responsável pela promoção das celebrações periódicas dos congressos eucarísticos. Do primeiro até os dias atuais, a comissão já promoveu 52 congressos. Sob o papa São João Paulo II, a comissão recebeu o título de “pontifícia”, passando a chamar-se Pontifícia Comissão para os Congressos Eucarísticos.

No pontificado do papa Pio X, além de conservar o caráter da manifestação pública da fé católica na Eucaristia, os congressos serviram para favorecer a consciência da comunhão frequente e até cotidiana (cf. decreto Sacra Tridentina Synodus, de 1905) e a administração da primeira comunhão a crianças, antecipada para a idade de 7 anos pelo decreto Quam Singulari, de 1910.

Com o pontificado de Pio XI, os congressos passam a ser celebrados rotativamente em todos os continentes e adquirem uma dimensão missionária e de evangelização. No contexto do pós-guerra, só voltam a ser celebrados no ano de 1952, em Barcelona. Esse período da história conta também com a efervescência do movimento eucarístico e do movimento litúrgico, que ajudaram a exprimir o espírito da liturgia, na qual a piedade eucarística é orientada para a celebração.

1. Congresso Eucarístico, povo que peregrina à luz da fé na Eucaristia

Com os Congressos do Rio de Janeiro (1956) e, sobretudo, de Munique da Baviera (1960), é integrada, de modo sábio, a piedade devocional típica do século XIX à renovação litúrgica contemporânea, e assim os congressos eucarísticos internacionais passam a ser conhecidos como statio orbis, tendo a celebração eucarística como ápice e centro de todo congresso. Trata-se de uma espécie de festa oficial da Igreja, e a Eucaristia celebrada pelo legado pontifício, para toda a Igreja, constitui um resgate da antiga statio urbis da Igreja romana, em que o papa, para expressar a unidade da diocese, celebrava a Eucaristia em diversas igrejas (JUNGMANN, 1959, p. 401-402).

Na celebração da Eucaristia, em que se glorifica o Pai pelo Filho no Espírito, temos a manifestação da Igreja como corpo místico, como povo que crê e peregrina à luz da fé. Nesse sentido, o congresso eucarístico expressa a peregrinação do povo em direção ao altar da Eucaristia. Retomando essa ideia, o ritual romano A Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa assim descreve o que são os congressos eucarísticos:

Os congressos eucarísticos, introduzidos em época mais recente como manifestação do culto eucarístico na vida da Igreja, devem ser considerados como um lugar (statio) para o qual uma comunidade convida toda a Igreja local, ou uma Igreja local, as outras igrejas de uma região ou país, ou mesmo de todo o mundo para aprofundarem em conjunto algum aspecto do mistério da Eucaristia, prestando-lhe um culto público no vínculo da caridade e da unidade (A SAGRADA…, 2000, n. 109, p. 63).

Com base nessa compreensão dos congressos eucarísticos, ressalta-se que o sacrifício eucarístico é a fonte e ápice de todo culto da Igreja e de toda a vida cristã (SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, 2003, n. 3, p. 8), de modo que o culto eucarístico fora da missa e toda manifestação de piedade para com o Santíssimo Sacramento decorrem da Eucaristia celebrada e devem mover os fiéis a participar do mistério pascal de Cristo. Por isso, um critério fundamental na organização dos congressos eucarísticos é que a celebração da Eucaristia seja realmente o centro e o ápice para onde devem orientar-se todas as iniciativas, bem como as diversas formas de piedade (A SAGRADA…, 2000, n. 112, p. 64).

A partir do Concílio Vaticano II, com a constituição Sacrosanctum Concilium, de 1963, a instrução Eucharisticum Mysterium, de 1963, e o ritual A Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, de 1973, inicia-se uma abertura às temáticas tratadas nos Congressos Eucarísticos relacionadas aos problemas da atualidade, bem como ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso.

Dessa forma, percebe-se que o congresso eucarístico consiste não em um evento de caráter privado, mas sim em uma dupla dimensão da celebração eucarística como ponto culminante de todo o evento e no aspecto social da Eucaristia como consequência da “fé que age pela caridade”.1

2. Congressos Eucarísticos no Brasil

Depois do Congresso Eucarístico Internacional de Lourdes (1914), surgiu a ideia de que os congressos eucarísticos internacionais fossem precedidos por congressos nacionais, diocesanos e até paroquiais. Sob essas motivações, no contexto da iniciativa dos bispos do Brasil de promover grandes eventos para arregimentar a massa católica (VIEIRA, 2016, p. 245), destacaram-se os congressos eucarísticos nacionais. Foi realizado, assim, o I Congresso Eucarístico Nacional em 1933, na cidade de Salvador, com o tema: “Vinde, adoremos o Santíssimo Sacramento”.

O Primeiro Congresso, em 1933, “sobre os mares azuis da Bahia”, foi uma recapitulação de nossa história cristã, desde frei Henrique Soares de Coimbra até dom Augusto Álvaro da Silva; desde a primeira missa, nas praias virgens da Cabrália, até o triunfal cortejo eucarístico, da ermida histórica da Graça aos portais magníficos da Conceição da Praia, na veneranda metrópole do Salvador (CEN, 3., 1940, p. 87).

Em 1936, o II Congresso, “sob o altar das montanhas de Minas, foi como um grito augusto, partido dos seios mais profundos das minas onde dormem filões de ouro e donde brotam caudais de fé”, clamando pelo advento do Reino de Deus mediante o apostolado “urgente e insubstituível da Ação Católica” (ibidem). Esse Congresso Eucarístico Nacional, com o tema “Eucaristia, luz e vida”, esteve marcado pela consolidação dos fiéis leigos na sociedade e por sua colaboração com a hierarquia da Igreja, especialmente por meio da Ação Católica, organização leiga aprovada pelo papa Pio X, em 1905, na encíclica Ubi Arcano Dei Consilio. Recorde-se que, no ano anterior, teve início oficialmente a Ação Católica no Brasil pelo mandamento dos bispos brasileiros (em 9 de julho de 1935), o qual apresentava, como seu fim último, “dilatar e consolidar o Reino de Jesus Cristo” e, como seu fim próximo, “a formação e o apostolado dos católicos leigos” (VIEIRA, 2016, p. 254).

O III Congresso Eucarístico Nacional, com o tema “A Eucaristia e a vida cristã”, ocorreu na cidade do Recife em 1939, ano em que começou a Segunda Guerra Mundial: “Aos clarins do congresso sagrado, Pernambuco se ergueu varonil e o Recife se fez, lado a lado, catedral onde reza o Brasil”. Em sua carta pastoral, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Miguel de Lima Valverde (1872-1951), com entusiasmo, assim motivava o clero e os fiéis de sua arquidiocese: “Um congresso eucarístico, filhos diletíssimos, é uma assembleia de fiéis que se reúnem para tributar a nosso Senhor sacramentado as homenagens mais expressivas de sua fé, de sua esperança e de seu amor” (CEN, 3., 1940, p. 16). Ele propunha a co­operação de todos pela prece, pela ação, pela contribuição pecuniária, mas sobretudo pela preparação espiritual, realizada por meio do culto eucarístico.

Ainda no contexto da Segunda Grande Guerra, aconteceu o IV Congresso Eucarístico Nacional, em 1942, em São Paulo, com o tema “Vinde a mim todos”, sob a responsabilidade de dom José Gaspar de Afonseca e Silva (1901-1943). Mais uma vez, o evento constituiu uma proclamação de unidade cívico-religiosa diante da relativização do papel da Igreja e do processo de laicização da sociedade brasileira (KUHN, 2017, p. 13).

Os demais Congressos Eucarísticos Nacionais (CENs) apresentaram temas que estabeleceram relações entre ação social e evangelização e a fé na Eucaristia, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, das Conferências do Episcopado Latino-americano e do magistério recente da Igreja:

  • V CEN: Porto Alegre, de 28 a 31 de agosto de 1948 – Eucaristia e ação social;
  • VI CEN: Belém, de 12 a 16 de agosto de 1953 – A Sagrada Eucaristia, sacramento da unidade da comunidade;
  • VII CEN: Curitiba, de 5 a 8 de maio de 1960 – Eucaristia, luz e vida do mundo;
  • VIII CEN: Brasília, de 27 a 31 de maio de 1970 – A mesa do Senhor;
  • IX CEN: Manaus, de 16 a 21 de julho de 1975 – Repartir o pão;
  • X CEN: Fortaleza, de 9 a 13 de julho de 1980 – Para onde vais?;
  • XI CEN: Aparecida, de 16 a 21 de julho de 1985 – Pão para quem tem fome;
  • XII CEN: Natal, de 6 a 13 de outubro de 1991 – Eucaristia e evangelização;
  • XIII CEN: Vitória, de 7 a 14 de julho de 1996 – Eucaristia, vida para a Igreja;
  • XIV CEN: Campinas, de 19 a 22 de julho de 2001 – Eucaristia, fonte da missão e da vida solidária;
  • XV CEN: Florianópolis, de 18 a 21 de maio de 2006 – Ele está no meio de nós!;
  • XVI CEN: Brasília, de 13 a 16 de maio de 2010 – Eucaristia, pão da unidade dos discípulos missionários;
  • XVII CEN: Belém, de 15 a 21 de agosto de 2016 – Eucaristia e partilha na Amazônia missionária.

3. Em Recife, mais um congresso eucarístico nacional

O III Congresso Eucarístico Nacional marcou profundamente a fé dos pernambucanos. Mesmo as gerações mais novas, de uma forma ou de outra, quer mediante os relatos dos antepassados, quer mediante a leitura dos anais do evento, sabem da grandiosidade dessa manifestação de fé, ocorrida em 1939. Em 2017, pôde a arquidiocese de Olinda e Recife receber a notícia de que o XVIII Congresso Eucarístico seria celebrado, pela segunda vez, na “Veneza brasileira”.

O anúncio da sede desse congresso não foi feito logo após o término do XVII Congresso Eucarístico Nacional, realizado na arquidiocese de Belém entre os dias 15 e 21 de agosto de 2016. A LV Assembleia Geral Ordinária da CNBB, realizada em Aparecida de 26 de abril a 5 de maio de 2017, foi a ocasião em que se tratou da cidade-sede do próximo congresso. Na ata n. 4 do dia 29 de abril, no número 17, lê-se:

Dom Fernando Saburido comentou o pedido feito pelo regional NE 2 de que Recife aceitasse o convite para sediar o próximo Congresso Eucarístico Nacional. E, apesar dos temores quanto ao custo e a necessidade de recursos humanos, e com o apoio e incentivo do regional, a arquidiocese aceita, com alegria, a possibilidade de sediar o próximo Congresso Eucarístico (CNBB, n. 17, p. 79).

Dom Leonardo Steiner, então secretário-geral da CNBB, pôs em votação a candidatura da arquidiocese de Olinda e Recife para sediar o próximo Congresso Eucarístico Nacional, a qual foi aprovada, por unanimidade, por todos os presentes (ibidem, n. 19, p. 79).

Desde que foi aprovada a sede do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, Olinda e Recife vêm preparando-se para essa grande celebração. Em 15 de novembro de 2019, deu-se a abertura do Ano Eucarístico em Recife, com celebração eucarística presidida pelo então presidente da CNBB, dom Sergio da Rocha, e concelebrada pelos bispos do regional NE 2. Em razão da pandemia da Covid-19, o evento teve de ser adiado duas vezes. Em 14 de novembro de 2021, Dia Mundial dos Pobres, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, presidiu, no centro da cidade do Recife, a celebração da Eucaristia para relançamento do Congresso Eucarístico. Com base no tema escolhido – “Pão em todas as mesas” –, esse congresso, celebrado na região Nordeste do Brasil, marcada por tantas desigualdades sociais, que foram ainda mais acentuadas pela crise pandêmica, quer levar à conscientização de que a Eucaristia nos compromete com os mais pobres (CATECISMO…, 2000, n. 1397, p. 387).

Considerações finais

Com esse olhar sobre a história dos congressos eucarísticos, podemos obter luzes para viver o XVIII Congresso Eucarístico Nacional como uma oportunidade de renovação da fé no mistério da Eucaristia e do compromisso social e missionário da Igreja no Brasil, como bem expressa a oração oficial de preparação para o Congresso, a qual condensa a teologia e a reflexão sobre a Eucaristia e suas dimensões na vida eclesial e social: dirigida a Cristo presente na Eucaristia, o qual é invocado como o Salvador do mundo, titular da Sé de Olinda, faz memória bíblica do pão com o qual o povo da Antiga e da Nova Aliança é saciado. Reafirma a fé da Igreja na Eucaristia como memorial da Páscoa do Senhor e pede que, com base na Eucaristia celebrada e na adoração da presença eucarística de Cristo, a fé aja pela caridade, ao fazermos a opção evangélica pelos pobres, para que o testemunho dos primeiros cristãos seja seguido pela Igreja de hoje no anúncio alegre do Evangelho.

Referências bibliográficas

A SAGRADA Comunhão e o Culto Eucarístico fora da Missa. São Paulo: Paulus, 2000.

CATECISMO da Igreja católica: edição típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Ata n. 4, 55ª Assembleia Geral Ordinária. Comunicado Mensal, Brasília, n. 687, p. 79, 2017.

CONGRESSI EUCARISTICI. In: CATHOPEDIA: l’enciclopedia cattolica. Disponível em: https://it.cathopedia.org/wiki/Congressi_Eucaristici. Acesso em: 22 fev. 2022.

CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL (CEN), 3., 1940, Recife. Anais… Recife: Oficinas Gráficas do Jornal do Comércio,  1940.

JUNGMANN, Joseph A. Corpus Mysticum. Gedanken zum kommenden Eucharistischen Weltkongress. Stimmen der Zeit, n. 164, p. 401-409, 1959.

KUHN, João Carlos Santos. São Paulo, metrópole católica: IV Congresso Eucarístico Nacional em São Paulo. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 29., 2017, Brasília. Anais… Brasília: Anpuh, 2017. Disponível em: https://anpuh.org.br/index.php/documentos/anais/category-items/1-anais-simposios-anpuh/35-snh29. Acesso em: 17 fev. 2022.

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS CONGRESSOS EUCARÍSTICOS INTERNACIONAIS. Os congressos eucarísticos internacionais. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/pont_committees/eucharistcongr/documents/rc_committ_euchar_doc_20030409_intern-euch-congresses_po.html. Acesso em: 17 fev. 2022.

SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS. Eucharisticum Mysterium: Instrução sobre o mistério eucarístico. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.

VIEIRA, Dilermando Ramos. História do catolicismo no Brasil. Aparecida: Santuário, 2016. v. 2.

Moisés Ferreira de Lima*

*é presbítero da arquidiocese de Olinda e Recife, presidente da Comissão Arquidiocesana de Pastoral para a Liturgia e membro da Comissão Executiva do XVIII Congresso Eucarístico Nacional. E-mail: [email protected]