Publicado em janeiro-fevereiro de 2023 - ano 64 - número 349 - pág.: 36-44
Caminho Sinodal na Igreja do Brasil: Uma experiência vivida nas CEBs
Por Manoel José de Godoy*
Sinodalidade é a marca da eclesiologia do Concílio Vaticano II, sob o signo da colegialidade, retomada agora com novo vigor pelo papa Francisco. A Igreja no Brasil tem longa experiência nesse campo.
O papa Francisco nos lembra a afirmação de São João Crisóstomo de que Igreja e Sínodo são
sinônimos (FRANCISCO, 2015), e o mesmo podemos dizer sobre sínodo e pastoral. Essa consciência da necessidade de caminhar juntos na prática pastoral, apesar de um tanto óbvia, só se tornou mais explícita após o Concílio Vaticano II, quando a colegialidade emergiu como um imperativo para a caminhada eclesial.
É notório o espírito de ação conjunta, no governo e na missão da Igreja, suscitado pela totalidade dos documentos conciliares. A colegialidade, num primeiro olhar, parecia uma perspectiva que abarcava apenas a relação dos bispos entre si e com o papa. No período pós-conciliar, essa perspectiva evoluiu para a tratativa da sinodalidade como caminho e alma de toda ação eclesial.
Assim se expressam as Congregações para os Bispos e para a Evangelização dos Povos (I, 3), quando publicam a Instrução sobre os Sínodos Diocesanos: “O sínodo contribui também para configurar a fisionomia pastoral da Igreja particular, dando continuidade à sua peculiar tradição litúrgica, espiritual e canônica”.
Na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, o papa Francisco afirma: “Desde o Concílio Vaticano II até a atual assembleia, temos experimentado, de forma cada vez mais intensa, a necessidade e a beleza de ‘caminhar juntos’” (FRANCISCO, 2015).
Depois de acentuar que, desde o princípio do seu ministério, tem buscado trilhar o caminho da sinodalidade, Francisco destaca os esforços dos seus predecessores nessa direção e arremata brilhantemente:
Devemos continuar por esta estrada. O mundo em que vivemos e que somos chamados a amar e servir, mesmo nas suas contradições, exige da Igreja o reforço das sinergias em todas as áreas da sua missão. O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio (FRANCISCO, 2015).
No Concílio, o termo “colegialidade” foi tratado com muito cuidado, sendo o único a merecer uma nota prévia explicativa sobre seu sentido, no documento sobre a Igreja Lumen Gentium. A nota prévia exprimia o temor de que o primado petrino, no exercício do ministério do bispo de Roma, pudesse sofrer arranhões devido ao caráter colegial de condução da Igreja. Disso decorrem tantas reflexões sobre a possibilidade do exercício democrático do poder na Igreja.
No pós-Concílio, vivemos momentos de uma tensão bipolar, ora tendente mais para a perspectiva centralizadora, ora mais para a sinodalidade. Os textos do Concílio Vaticano II eram usados para defender tanto uma postura como a outra. Sem dúvida, no entanto, o conceito de Igreja local ou particular, reconhecendo que esta é plenamente Igreja e não pedaço da universal, garantiu uma perspectiva de pluralidade eclesial muito importante, dando força à sinodalidade. Tal conceito suscitou reflexões sobre a inculturação e a possibilidade de regiões terem seu rosto eclesial típico, como vemos atualmente no caloroso debate sobre o rosto próprio da Igreja na Amazônia. Também o esquema aprovado no Concílio para o tratado De Ecclesia, que antepõe o conceito de povo de Deus ao de hierarquia, favoreceu uma visão mais descentralizada de Igreja, mais multiforme e dinâmica.
Como o teólogo Mario de França Miranda tão bem sintetizou, a sinodalidade eclesial passa pelo resgate da cidadania dos leigos, sobretudo quando estes assumem seu papel na animação e condução dos caminhos da Igreja. A sinodalidade é uma forma concreta de enfrentar o tão nocivo clericalismo na condução da Igreja. Nessa perspectiva, a participação de todos vai gerando mecanismos de descentralização, extremamente necessária para a sinodalidade. Isso se evidencia na Lumen Gentium de forma transparente, em diversas afirmações: todos os fiéis participam também, a seu modo, do sacerdócio de Cristo (LG 10; 34-36), gozam de “verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum” (LG 32), são sujeitos constitutivamente ativos pelo simples fato de terem sido batizados (LG 33) e devem ser ouvidos pela hierarquia com uma presença ativa no governo da Igreja (LG 37). De fato, o Concílio reconhece a importância do sensus fidei de todos na Igreja, do qual a Igreja não pode prescindir (LG 12), uma vez que sua tradição cresce pela íntima compreensão das verdades transmitidas por parte de todos (DV 8) (MIRANDA, 2017).
Vale aqui a formulação do papa Francisco, resgatada por Miranda (2017): “O sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens, já que também o Rebanho possui sua ‘intuição’ para discernir as novas estradas que o Senhor revela à Igreja” (FRANCISCO, 2015). A essa reflexão de Francisco o teólogo adiciona outra, tirada de EG 102: “A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados”.
Creio que a palavra-chave para detectar o espírito sinodal que perpassa o Concílio é “participação”. Desde a Sacrosanctum Concilium, o primeiro documento exarado na segunda seção do Concílio, a participação aparece de maneira contundente, quando é afirmada a necessidade de promover a educação litúrgica e a participação ativa de todos nas celebrações (SC 14-20). O n. 41 da mesma constituição conciliar apresenta sua razão teológica: “[…] a principal manifestação da Igreja se realiza na plena e ativa participação de todo o povo santo de Deus nas celebrações litúrgicas […]”. Seguem-se várias outras normas que querem tornar a participação dos fiéis “consciente, ativa e fácil” (SC 79).
Também de caráter teológico, é significativo o embasamento dado pela Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, quando diz, no seu n. 33: “O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvífica da Igreja […]”. Esse pensamento é ratificado no Decreto sobre os Presbíteros Presbyterorum Ordinis, quando recomenda aos presbíteros a colaboração com os leigos e lhes pede que “[…] reconheçam e promovam sinceramente a dignidade dos leigos e sua participação própria na missão da Igreja […], incentivem com entusiasmo os multiformes carismas dos leigos, dos modestos aos mais elevados […], entreguem com confiança tarefas aos leigos para o serviço da Igreja […]” (PO 9).
Enfim, participação é a palavra propulsora do espírito de sinodalidade que marca o Concílio em diversos dos seus documentos. Participação na sociedade, como indica a Gaudium et Spes, participação nas celebrações, de acordo com a Sacrosanctum Concilium, e participação na missão mesma da Igreja, de acordo com a Lumen Gentium.
Os conselhos são organismos que favorecem a aplicabilidade do caminho sinodal indicado pelo Concílio em diversos âmbitos da vida eclesial, nos quais a participação de todos se operacionaliza. Trata-se de proposta assumida pela Igreja no Brasil de maneira bastante contundente. Os bispos brasileiros escreveram:
O protagonismo do cristão leigo requer profundas mudanças no estilo de governo e no exercício da autoridade por parte da hierarquia, para permitir e encorajar a comunhão, a participação e a corresponsabilidade dos leigos na tomada de decisões pastorais, valorizando o voto dos conselhos pastorais e a presença ativa dos fiéis em sínodos e concílios particulares, conforme está previsto por documentos oficiais da Igreja (CNBB, 1999, n. 190).
Esse pensamento é corroborado pela Exortação Pós-sinodal Christifideles Laici, do papa São João Paulo II, que encoraja a participação dos fiéis leigos nos conselhos pastorais diocesanos, afirmando que tal participação poderia aumentar o recurso à consulta e fazer que o princípio de colaboração – que, em determinados casos, também é de decisão – encontre uma aplicação mais vasta e mais incisiva (JOÃO PAULO II, 1989, n. 39).
Com certeza, o acento posto pelo Concílio na análise e na solução dos problemas pastorais, com o contributo de todos, deve encontrar seu progresso adequado e estruturado na valorização, cada vez mais convicta, ampla e decidida, dos conselhos pastorais paroquiais.
Na história dos planejamentos pastorais da Igreja no Brasil, temos o exemplo mais concreto de sinodalidade. É certo que, antes mesmo do Concílio, o Plano de Emergência, feito para vigorar de 1962 a 1965, já trazia a pastoral de conjunto como um de seus pilares. Influenciados pela reflexão pastoral da Igreja na França, os bispos do Brasil afirmavam que a pastorale d’ensemble era o caminho urgente para toda a Igreja.
O Plano de Emergência definia a pastoral de conjunto como “o esforço global e planificado, visando à evangelização de áreas na Igreja de Deus”. Apresentava como justificativas a necessidade de pastores autênticos e atualizados e a exigência de visão global – por vivermos numa época do comunitário, no qual o isolamento é despropositado e perigoso – e propunha, como raiz teológica da pastoral de conjunto, a teologia do corpo místico. Também afirmava que a pastoral de conjunto se estrutura em plano geral para fazer surgir os trabalhos locais; organiza-os e dá-lhes vitalidade, como condição essencial ao realismo dos trabalhos na esfera mais alta. Um planejamento flexível, corajoso, realista, com subsequentes e constantes avaliações de resultados e revisões de metas, garante o funcionamento da pastoral de conjunto. E na base da pirâmide encontra-se a célula paróquia, arrematava o Plano de Emergência (CNBB, 2004a).
Contudo, foi, sem dúvida, o Plano de Pastoral de Conjunto (PPC), elaborado durante a última sessão do Concílio Vaticano II, em dezembro de 1965, que revelou com clareza absoluta o espírito de sinodalidade adotado pelos bispos do Brasil na caminhada pastoral de nossa Igreja.
Aprovado na 7ª Assembleia Geral Extraordinária da CNBB, reunida em Roma durante os três meses da última sessão conciliar, o PPC constituiu um marco definitivo na caminhada pastoral e evangelizadora da Igreja no Brasil. Ele traz, no início, um trecho da exortação de São Paulo VI ao episcopado latino-americano, por ocasião do décimo aniversário do Celam (24/11/1965), sob o título de A ação pastoral na América Latina.
A exortação chama a atenção sobre o necessário aggiornamento e apresenta três critérios de ação: 1º) caráter extraordinário da ação pastoral “pelo empenho sério e profundo (sic) que lhe será dispensado, pelas formas de ação decididas e rápidas que se colocarão em movimento para tornar mais difundido o Evangelho e […] pelo emprego dos homens aos quais se recorrerá”; 2º) caráter unitário: como os problemas de hoje são gerais, requerem soluções de conjunto. Consequente valorização de órgãos colegiais; 3º) caráter planificado: evitar acomodação e empirismo, definir prioridades, criar secretariados de coordenação (CNBB, 2004b).
Para viabilizar a pastoral de conjunto, o plano previsto para 1966-1970 apresentava seis linhas fundamentais de ação, baseadas nos principais documentos do Concílio Vaticano II: 1ª) eclesiologia de comunhão – tendo como fundamento e inspiração o documento Lumen Gentium; 2ª) eclesiologia de missão – a ação missionária à luz do decreto Ad Gentes; 3ª) eclesiologia catequética – a ação catequética, o aprofundamento doutrinal e a reflexão teológica à luz da Constituição Dogmática Dei Verbum; 4ª) eclesiologia orante e celebrativa – a ação litúrgica à luz da constituição Sacrosanctum Concilium; 5ª) eclesiologia ecumênica – a ação ecumênica à luz do decreto Unitatis Redintegratio; 6ª) eclesiologia profética – a melhor inserção do povo de Deus, como fermento na construção de um mundo segundo os desígnios divinos, à luz da Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
Dessa forma, o Plano de Pastoral de Conjunto dava consistência à caminhada pastoral da Igreja no Brasil sob o signo da sinodalidade; um caminhar junto rumo a uma Igreja mais coesa e fraterna em todos os seus empreendimentos evangelizadores. É interessante notar que a perspectiva das seis linhas fundamentais de ação do Plano de Pastoral de Conjunto também serviu para configurar a CNBB, que mantinha secretariados em torno desses seis eixos e, com base neles, se relacionava com todos os regionais espalhados pelo território nacional. Por longos anos, esse processo serviu para dar coesão também à Igreja toda no Brasil.
O exercício da sinodalidade pastoral fluía, imprimindo um dinamismo profundo a toda a Igreja no país. Vale lembrar que a Igreja no Brasil foi a única a sair do Concílio Vaticano II com um plano de pastoral efetivo para trabalhar a recepção conciliar. O espírito da sinodalidade se efetivava assim na prática.
Passado o período de vigência do Plano de Pastoral de Conjunto, a sinodalidade na Igreja no Brasil passou a ser garantida pelas Diretrizes, que, por vinte anos, foram denominadas Diretrizes Pastorais, passando depois a Diretrizes da Ação Evangelizadora. Até hoje temos esse esforço conjunto de nossa Igreja, iluminando a caminhada evangelizadora de todas as Igrejas locais. Depois das seis linhas fundamentais de ação pastoral, passou-se para as exigências da evangelização (serviço, diálogo, anúncio e testemunho da comunhão), e posteriormente a proposta de organização pastoral girou em torno das cinco urgências evangelizadoras (1. Igreja em estado permanente de missão; 2. Igreja: casa da iniciação à vida cristã; 3. Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral; 4. Igreja: comunidade de comunidades; 5. Igreja a serviço da vida plena para todos).
Dando continuidade a esse esforço de uma pastoral mais bem articulada e voltada aos desafios do momento presente, as mais recentes Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023 destacam a questão urbana como a grande questão atual a ser enfrentada, com métodos e estratégias facilitadoras do anúncio da Boa-nova nas grandes metrópoles até os mais recônditos rincões aonde a cultura da cidade chega e penetra profundamente. Os bispos propõem a metáfora da Igreja-casa, com portas abertas, para o fomento de uma Igreja verdadeiramente em saída missionária. Essa Igreja é sustentada por quatro pilares, em profunda sintonia com a eclesiologia conciliar: 1) Palavra – toda a animação bíblica da vida e da pastoral; 2) Pão – a dimensão orante e celebrativa da vida eclesial; 3) Caridade – uma Igreja voltada à realidade dos mais pobres e descartados pela sociedade capitalista neoliberal; 4) Ação missionária ou, mais simplesmente, missão – o desafio de uma Igreja já não autorreferenciada, centrada em si mesma, mas autenticamente em saída, sobretudo em direção às mais diversas periferias existenciais (CNBB, 2019).
É impressionante constatar que já tivemos, de maneira mais contundente, essas quatro perspectivas eclesiais vividas com muita intensidade pelas comunidades eclesiais de base. De maneira profundamente eficaz, para pôr a sinodalidade em prática, na perspectiva da participação dos cristãos leigos e leigas na missão e no governo da Igreja, as CEBs assumiram a defesa da vida em todas as instâncias, promovendo o protagonismo laical no seio da Igreja. Os planos de pastoral e as diretrizes sempre tiveram eco real na caminhada das CEBs. Apesar de os bispos terem preferido, nas atuais Diretrizes, a expressão “comunidades eclesiais missionárias”, a nomenclatura CEBs já faz parte de nossa história pastoral, cabendo-nos vencer os preconceitos de muitos e voltar a destacá-las como local concreto da vivência sinodal de todo o povo de Deus.
O Concílio Vaticano II não definiu as CEBs, mas podemos ver, nos textos que falam sobre a liberdade e autonomia laical, alguns dos seus fundamentos:
Os sagrados pastores reconheçam e promovam a dignidade e a responsabilidade dos leigos na Igreja. De boa vontade utilizem-se do seu prudente conselho. Com confiança entreguem-lhes ofícios no serviço da Igreja. E deixem-lhes liberdade e raio de ação. Encorajem-nos até para empreender outras obras por iniciativa própria (LG, n. 37, § 3).
Cada dia torna-se maior o número de homens e mulheres de diversos grupos e nações que tomam consciência de ser os criadores e autores de cultura de sua comunidade. No mundo inteiro cresce cada vez mais o senso de autonomia e, ao mesmo tempo, de responsabilidades, que é de máxima importância para o amadurecimento espiritual e moral do gênero humano (GS 55).
Salva a devida relação com a autoridade eclesiástica, é direito dos leigos fundarem grupos e dirigirem-nos, bem como se inscreverem nos existentes (AA, n. 19, § 4).
A liberdade, ou seja, a imunidade de coação em matéria religiosa, que compete a cada pessoa individualmente, há de ser-lhes também garantida quando atuam em comum. Pois é a natureza social, tanto do homem quanto da própria religião, que reclama comunidades religiosas (DH 4).
Com base nessas referências conciliares, pode-se tentar uma definição desse modo de ser e atuar eclesialmente: uma Igreja nascida da comunhão de batizados, coordenada por comunidades surgidas por iniciativa dos próprios cristãos leigos e leigas, em resposta às suas demandas espirituais, animadas e dirigidas por eles.
Nos documentos eclesiais posteriores ao Concílio, encontramos outras referências que destacam as CEBs como local próprio para viver a sinodalidade na Igreja.
Nessa perspectiva, temos em Medellín a afirmação de que “a vivência da comunhão a que foi chamado, o cristão deve encontrá-la na comunidade de base” (CELAM, 1968). São Paulo VI destacava as CEBs como forma concreta de viver a comunhão na Igreja, desde a base até a cúpula, na Exortação Pós-sinodal Evangelii Nuntiandi, de 1975. Puebla reafirma a pertinência das CEBs como espaço concreto de vivência da comunhão e participação de todos, na base da igualdade fundamental de todos os batizados.
Merece destaque o texto com a compreensão de CEBs dada pelo papa São João Paulo II na sua encíclica sobre a missão, a Redemptoris Missio, de 1990, pondo em relevo as comunidades eclesiais de base como lugar de partilha dos problemas, em vista de um compromisso comum:
Um fenômeno, com crescimento rápido nas jovens Igrejas, promovido pelos bispos ou mesmo pelas conferências episcopais, por vezes como opção prioritária da pastoral, são as comunidades eclesiais de base (conhecidas também por outros nomes), que estão dando boas provas como centros de formação cristã e de irradiação missionária. Trata-se de grupos de cristãos, em nível familiar ou de ambientes restritos, que se encontram para a oração, a leitura da Sagrada Escritura, a catequese, para a partilha dos problemas humanos e eclesiais, em vista de um compromisso comum. Elas são um sinal da vitalidade da Igreja, instrumento de formação e evangelização, um ponto de partida válido para uma nova sociedade, fundada na civilização do amor (JOÃO PAULO II, 1990, n. 51).
Além disso, destacando as CEBs como instrumento de descentralização e articulação, como espaço de experiência comunitária e de colaboração com todos:
Tais comunidades descentralizam e, simultaneamente, articulam a comunidade paroquial, à qual sempre permanecem unidas; radicam-se em ambientes simples das aldeias, tornando-se fermento de vida cristã, de atenção aos “últimos”, de empenho na transformação da sociedade. O indivíduo cristão faz nelas uma experiência comunitária, onde ele próprio se sente um elemento ativo, estimulado a dar sua colaboração para proveito de todos. Desse modo, elas tornam-se instrumento de evangelização e de primeiro anúncio, bem como fonte de novos ministérios; enquanto animadas pela caridade de Cristo, oferecem uma indicação sobre o modo de superar divisões, tribalismos, racismos (JOÃO PAULO II, 1990, n. 51).
E, por fim, a Redemptoris Missio afirma serem as CEBs um espaço de comunhão, de socorro aos pobres, de vivência da unidade:
De fato, cada comunidade, para ser cristã, deve fundar-se e viver em Cristo, na escuta da Palavra de Deus, na oração, onde a Eucaristia ocupa o lugar central, na comunhão, expressa pela unidade de coração e de alma e pela partilha, conforme as necessidades dos vários membros (cf. At 2,42-47). Toda a comunidade – recordava Paulo VI – deve viver em unidade com a Igreja particular e universal, na comunhão sincera com os pastores e o magistério, empenhada na irradiação missionária e evitando fechar-se em si mesma ou deixar-se instrumentalizar ideologicamente. O Sínodo dos Bispos afirmou: “uma vez que a Igreja é comunhão, as novas comunidades de base, se verdadeiramente vivem em unidade com a Igreja, representam uma verdadeira expressão de comunhão ainda mais profunda. Por isso, são um motivo de grande esperança para a vida da Igreja” (JOÃO PAULO II, 1990, n. 51).
Sem dúvida, esse texto do papa São João Paulo II apresenta as coordenadas exatas para viver o espírito da sinodalidade na perspectiva das CEBs. Sendo assim, a articulação dos dois termos – sinodalidade e pastoral – encontra, nas CEBs, um campo próprio de expressão eclesial pós-conciliar.
Segundo os bispos do Brasil, atualmente a sinodalidade pastoral passa pelo esforço de enfrentarmos em comunhão os desafios do contexto urbano, servindo-nos da metáfora Igreja-casa, alicerçada sob quatro pilares: 1) Palavra; 2) Pão; 3) Caridade; 4) Ação missionária. Na introdução das Diretrizes que abarcam o período de 2019 a 2023, os bispos afirmam: “As Diretrizes para a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil constituem uma das expressões mais significativas da colegialidade e da missionariedade da Igreja no Brasil (CNBB, 2019). E exatamente ao referir-se à missão, as DGAE 2019-2023 a conectam com a sinodalidade:
A missão exige a habilidade de percorrer um caminho sinodal, que é “precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio” (PAPA FRANCISCO, 2015). A sinodalidade significa o “comprometimento e a participação de todo o povo de Deus na vida e na missão da Igreja”, uma vez que “todos são corresponsáveis pela vida e pela missão da comunidade e todos são chamados a operar segundo a lei da mútua solidariedade no respeito dos específicos ministérios e carismas, enquanto cada um desses obtém sua energia do único Senhor (1Cor 15,45)” (CNBB, 2019, n. 39).
A título de conclusão, tomo a perspectiva trinitária da sinodalidade, como o faz o teólogo Mario de França Miranda. O Pai não escolheu um indivíduo isolado, mas um povo para ser seu sinal de salvação na história: o povo de Deus. O Filho escolheu vários colaboradores e colaboradoras como partícipes da sua missão redentora, e o Espírito quis reunir todos os povos, de variadas línguas e culturas, para empoderá-los na missão libertadora e santificadora por todo o universo (MIRANDA, 2018).
Assim, podemos afirmar categoricamente que a pastoral traz a marca da sinodalidade e que esta é a maneira de toda a Igreja ser, na fidelidade à missão trinitária assumida por todo cristão nas fontes batismais, quando recebe o batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Referências bibliográficas
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MIRANDA, Mario França. 50 anos de Medellín: revisitando os textos, retomando o caminho. São Paulo: Paulinas, 2017. p. 267-278.
MIRANDA, Mario França. Igreja sinodal. São Paulo: Paulinas, 2018. p. 39-51 (Coleção Teologia do papa Francisco).
Manoel José de Godoy*
é sacerdote e administrador paroquial na periferia de Belo Horizonte-MG, professor de Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e no Centro Loyola, em BH, e membro da rede Amerindia. E-mail: [email protected]