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Publicado em março-abril de 2024 - ano 65 - número 356 - pp.: 18-23

A importância da relação entre a pastoral e a cultura digital contemporânea

Por Pe. Leônidas Inácio Felix*

O objetivo deste artigo é abordar a importância da relação entre a pastoral e a cultura digital contemporânea, levando em conta as atividades pastorais desenvolvidas nas dioceses de Quixadá e Grajaú, no Nordeste do Brasil, e destacando como tais atividades são influenciadas por essa nova cultura.

INTRODUÇÃO

No intuito de aprofundar a relação entre pastoral e cultura digital, acentuamos neste artigo algumas expressões, as quais integram, no campo pastoral, o aporte que a cultura digital contemporânea alcança neste novo cenário. É bem verdade que atualmente já não convém excluir as ferramentas digitais do âmbito da pastoral; ao contrário, é preciso aprender também com esses recursos, que servem para auxiliar no caminho da evangelização. Cabe perceber que, ao longo da história da Igreja, a Palavra divina já foi dita de distintas formas; sem dúvida, usufruir desses meios digitais também é oportunidade para alcançar aqueles que ainda não conheceram a Verdade – que, para nós, cristãos, se encontra em Jesus de Nazaré.

Durante dois anos, estive acompanhando as atividades pastorais em seis comunidades da zona rural pertencentes à paróquia de São Miguel Arcanjo, na diocese de Quixadá, no Ceará. Ali, as redes sociais se resumem quase somente ao WhatsApp, uma vez que é um meio mais prático de lidar. Geralmente, as comunidades organizam seus compromissos por meio dessa ferramenta. Além das mensagens particulares, a comunicação se dá nos grupos de WhatsApp, como também por meio do Facebook, no intuito de que todos se organizem para colaborar com o andamento das atividades pastorais.

Por questões da necessidade da missão, também estou presente na diocese de Grajaú, no estado do Maranhão. Ali é notório que as redes sociais são mais influentes, tendo em vista as longas distâncias, que muitas vezes dificultam a participação dos fiéis nas celebrações litúrgicas. Nesse contexto, as redes sociais se mostram bem eficazes para favorecer a comunicação da Palavra e, sobretudo, para atender às necessidades espirituais daqueles que, por motivos diversos, se encontram impossibilitados de se aproximar da Eucaristia de forma presencial.

1. Possibilidades oferecidas pela cultura digital à pastoral

De acordo com nossos estudos, a pastoral digital desdobra-se no âmbito da rede, sobre a rede e a partir da rede. Dessa maneira, cabe perceber que esse novo ambiente, que desponta, sobretudo, no século XXI, constitui não apenas um lugar onde as pessoas se comunicam, mas também um espaço onde os internautas habitam, convivem e crescem juntos, em um novo modo de viver. Um acontecimento que trouxe inovações ao meio digital foi a pandemia da Covid-19. Naquela ocasião, de forma mais acentuada a partir de março de 2020, o mundo precisou se reorganizar, e, consequentemente, a Igreja também necessitou dar alguns passos novos, até então nunca empreendidos. Esse novo percurso denomina-se “cultura digital e pastoral”.

Daí resulta que nossa ação pastoral, como Igreja, precisa estar articulada com esse novo horizonte. Faz-se necessário rever nossas formas de evangelizar; indagar-nos por que estamos perdendo tantos fiéis ou, ainda, quais os meios eficazes de evangelização concernentes ao século XXI. O papa Francisco alerta sobre essa problemática com as seguintes palavras:

Viemos de uma prática pastoral secular, em que a Igreja era o único ponto de referência da cultura. […] Mas não estamos mais nessa época. Ela passou. Não estamos na cristandade, não mais. Hoje, não somos mais os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos. Precisamos, portanto, de uma mudança de mentalidade pastoral (FRANCISCO, 2014).

Nesse sentido, estamos diante de novos desafios. Passou o tempo em que apenas o sacerdote tinha o conhecimento das letras sagradas; agora, esse conhecimento chega também a outros membros da vida eclesial e alcança outros campos da sociedade. Sem dúvida, os meios digitais contribuíram para intensificar esse novo jeito de evangelizar, como fator presente na vida da Igreja, também entre os jovens, conforme afirma o papa Francisco: “Em muitos países, a web e as redes sociais já constituem um lugar indispensável para se alcançar e envolver os jovens nas próprias iniciativas e atividades pastorais” (FRANCISCO, 2019, n. 87). Assim sendo, cumpre-nos abraçar com honestidade esse modo inovador de transmitir a mensagem cristã, de modo que a Boa-nova possa alcançar a vida de tantos irmãos e irmãs que precisam fazer a experiência com o Mestre, Jesus de Nazaré.

2. Os desafios para verdadeira “inculturação digital” da pastoral

Os desafios inerentes a esse processo de inculturação digital são cada vez mais determinantes. Por exemplo, quando se anuncia que a celebração litúrgica irá acontecer, naturalmente as pessoas já perguntam: “Qual será o link da transmissão? Poderia enviar-me antes de começar a santa missa?” Em outras palavras, parece que estamos perdendo o cuidado, a devoção e a piedade perante o culto cristão. Nesse sentido, observamos que a participação presencial está diminuindo cotidianamente. Além disso, fica a pergunta: será que aquela pessoa que está observando a liturgia apenas através da tela está participando do momento celebrativo? Em contrapartida, quando se fala de um acompanhamento pessoal e espiritual, aí, sim, talvez seja mais compreensível a superação da distância por meio da modalidade on-line ao vivo. Recorremos ao seguinte argumento:

O acompanhamento espiritual do fiel não precisa mais ter hora marcada com o sacerdote ou religioso, pois agora pode ser feito a qualquer momento, em casa, no horário de trabalho, ou mesmo em trânsito. O sistema se encarrega de mediar essa conversação, apesar dos tempos off-line da vida cotidiana (SBARDELOTTO, 2012, p. 315).

Assim sendo, os empecilhos geográficos já não influem na prática de determinadas atividades pastorais, uma vez que a cultura digital atravessa fronteiras. Com efeito, é comum vermos faculdades e escolas de educação católicas realizando cursos e formações on-line ao vivo. Por conseguinte, os sacerdotes e as lideranças da Igreja já não podem querer esquivar-se desses artifícios tecnológicos nem descrer da capacidade deles de comunicar a Boa-nova de Jesus Cristo. Em outras palavras, não podemos excluir o uso desses meios digitais na Igreja, mas, sem dúvida, é preciso catequizar os fiéis e compreender que a cultura digital não pode excluir a presença real da Eucaristia, ou seja, a participação ativa dos fiéis, pois a Igreja crê naquilo que ela reza.

3. Principais riscos que os ambientes e práticas digitais apresentam à ação evangelizadora da Igreja

É importante frisar que a prática digital traz diversos riscos à ação evangelizadora da Igreja. Um dos problemas constatados consiste em que os fiéis podem cair na fraqueza de acreditar que a celebração eucarística, por exemplo, tem a mesma eficácia tanto na modalidade presencial quanto na digital. É bem verdade que o sacramento em si é o mesmo, uma vez que Cristo não depende de nossas ferramentas; todavia, participar da liturgia de forma presencial tem um significado muito mais relevante. Disso resulta que precisamos catequizar autenticamente as pessoas, a fim de que possam compreender que a celebração eucarística transmitida por meio das redes sociais tem o intuito de favorecer a participação de fiéis impossibilitados de comparecer presencialmente – por exemplo, idosos, pessoas que moram distante das igrejas etc.

Dessa maneira, é preciso reeducar os fiéis, de sorte que se compenetrem de que a celebração eucarística é um acontecimento e, portanto, a ação celebrativa acontece de forma presencial, uma vez que é um fato único, irrepetível, conforme crê a Igreja. De outra parte, não se pode negar que, por trás das tecnologias digitais, se encontram, em larga escala, interesses econômicos que cotidianamente têm comprometido sobretudo as pessoas mais simples que compõem a pastoral digital na Igreja. Nesse sentido, é valioso citar o entendimento do papa Francisco, quando diz: “Não se deve esquecer que há interesses econômicos gigantescos que operam no mundo digital, capazes de realizar formas de controle que são tão sutis quanto invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático” (FRANCISCO, 2019, n. 8). Francisco se refere à questão dos algoritmos e sua capacidade de prever comportamentos e modos de pensar, criando “bolhas” de pensamento cujos efeitos se desdobram na erosão gradual do processo democrático.

Para além dessa constatação do papa Francisco, observa-se que frequentemente nossas lideranças são motivadas a adquirir celulares de última geração, no intuito de obter as melhores ferramentas para fortalecer suas atividades pastorais. Essa iniciativa, que parece positiva, acaba por onerar sem necessidade o orçamento familiar. As pessoas chegam até a ponto de deixar de comprar alimentos mais saudáveis para adquirir aparelhos eletrônicos que favoreçam a comunicação ou simplesmente satisfaçam a vontade dos filhos.

Diante desse cenário, é importante ter um pouco de cautela, a fim de que nossas iniciativas não sufoquem os mais pobres, incitando os fiéis a adquirir aparelhos eletrônicos para assistir à missa pelas redes sociais. Esse papel de publicidade e propaganda cabe às empresas, enquanto a nós, que somos Igreja peregrina de Jesus Cristo, pertence a tarefa de evangelizar e propagar a Boa-nova de Jesus Cristo.

Considerações finais

A cultura digital e pastoral constitui uma ferramenta primordial para colaborar com a evangelização. Assim sendo, é importante integrar a participação dos jovens nesse campo pastoral, uma vez que são eles os mais inclinados a lidar com os avanços tecnológicos. Dizendo de outra forma, é uma oportunidade para dar continuidade à participação da juventude, também àqueles que foram crismados recentemente e necessitam sentir-se parte integrante da Igreja.

Nessa abertura a um novo jeito de evangelizar, agora, de forma mais acentuada neste dois últimos anos pós-pandemia, é necessário tomar consciência de que precisamos implementar a pastoral da acolhida. Voltemos às palavras de nosso Senhor, que diz: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Assim, conforme as orientações do papa Francisco, “da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído” (FRANCISCO, 2013, n. 3). Ou seja, o Reino de Deus é para todo o povo, uma vez que o Senhor mesmo é a verdadeira alegria que não passa.

Para critérios de especificação, necessitamos considerar que todo projeto de evangelização pertence à seara de Jesus Cristo, como ele mesmo esclarece em seus ensinamentos: “Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11). Naturalmente, segundo a missão que nos é confiada pelo batismo e pela ação do Espírito Santo, por meio do sacramento do matrimônio ou da ordem ou até mesmo mediante a vocação laical, todos somos chamados a ser pastores no ambiente digital, ou seja, a ser um/a irmã/o que cuida do outro, sem esquecer que também somos “ovelhas” que caminham com Jesus Cristo, pois somente ele é o Pastor capaz de nos conduzir à vida plena.

Referências bibliográficas

BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

FRANCISCO, Papa. Christus Vivit: Exortação Apostólica Pós-sinodal aos jovens e a todo o povo de Deus. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 2019. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html. Acesso em: 11 out. 2023.

FRANCISCO, Papa. Discurso aos participantes no Congresso Internacional de Pastoral das Grandes Cidades. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 2014. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141127_pastorale-grandi-citta.html. Acesso em: 17 jun. 2023.

FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 2013. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html. Acesso em: 11 out. 2023.

JOÃO PAULO II, Papa. Redemptoris Missio: Carta Encíclica sobre a validade permanente do mandato missionário. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 1990. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_07121990_redemptoris-missio.html. Acesso em: 11 out. 2023.

SBARDELOTTO, Moisés. E o Verbo se fez bit: a comunicação e a experiência religiosa na internet. Aparecida, SP: Santuário, 2012.

SBARDELOTTO, Moisés. Pastoral e internet: novas relações com o tempo, o espaço e a realidade. O Mensageiro de Santo Antônio, Santo André, out. 2015.

Pe. Leônidas Inácio Felix*

*(diocese de Grajaú-MA) é licenciado em Filosofia e Pedagogia, bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Católica de Quixadá (CE) e especialista em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: [email protected]