Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 28-37
A Boa-Nova do Reino como o Evangelho social de Jesus
Por Agenor Brighenti*
Tendo por base a realização da promessa da Terra Prometida com a entrada do povo de Israel, conduzido por Josué, em Canaã, o artigo aborda a Boa-nova do Reino de Deus como o Evangelho social de Jesus. No coração da proposta cristã está a missão da Igreja de tornar presente a transcendência “na” imanência da história. “Vida em abundância” é o ponto de partida e de chegada da utopia cristã diante da paixão de Jesus, a qual se prolonga na paixão do mundo.
O livro de Josué narra a realização do que, no Pentateuco, havia sido uma promessa: a entrada do povo de Israel na Terra Prometida. Os patriarcas haviam vivido no país de Canaã como estrangeiros, mas o Senhor lhes havia prometido uma terra e numerosa descendência. A promessa reiterada a Moisés no Sinai (Ex 3,17) é, enfim, realizada com Josué. Israel toma posse da terra, instaura uma monarquia, constrói um templo, a exemplo dos cananeus subjugados, e se faz depositário da salvação do Messias esperado. Viria o invasor, que usurparia a terra, deporia a monarquia, destruiria o templo e deportaria o povo para o exílio na Babilônia. É quando surgem profetas alimentando a esperança da volta à Terra Prometida, mas também de um Reino que passa a adquirir sua dimensão escatológica negligenciada – a nova Canaã, a capital Jerusalém como símbolo da Jerusalém celeste, o templo reconstruído como o corpo do crucificado, morto e ressuscitado.
Qual a relação desse Reino escatológico com a história e a meta-história? Como entender a proposta judaico-cristã do Reino de Deus, central na pregação de Jesus e coração de seu Evangelho social? A resposta está implicada no modo de relação entre imanência e transcendência – a dimensão vertical, transcendente (meta-histórica), e a dimensão horizontal, imanente (intra-histórica). Seriam duas dimensões separadas, sobrepostas, ou se trataria da transcendência “na” imanência, de uma salvação que começa na história para ser plenificada na meta-história?
Historicamente, no cristianismo, a relação entre transcendência e imanência tem adquirido diferentes modos e matizes. Já na primeira hora do cristianismo, o gnosticismo absolutizava a transcendência, relegando à insignificância a imanência e separando o espiritual do mundano. Com a introdução, no cristianismo, do dualismo grego oriundo do neoplatonismo, sobretudo na Idade Média, preponderou uma espiritualidade pautada pela fuga mundi, que tendia a separar o espiritual do material, o corpo da alma, a imanência da transcendência, a Igreja do mundo etc., contribuindo para uma experiência religiosa de corte espiritualista e individualista, mais tarde tachada pelos “filósofos da práxis” como alienação. Não são poucos os cristãos, ainda hoje, que professam uma fé sem incidência social, vendo em toda preocupação com os pobres um posicionamento político de “esquerda” e, por consequência, alinhado ao “comunismo”. Nem o papa Francisco escapa à crítica, ao fazer da agenda dos movimentos populares por “terra, teto, trabalho” uma causa do Evangelho e uma tarefa também da Igreja.
Em contrapartida, no seio da experiência religiosa de corte “pós-moderno”, não faltam segmentos que absolutizam o relativo e relativizam o Absoluto. Em determinados espaços, o gradativo processo de secularização desembocou em secularismos no seio da religião, particularmente no neopentecostalismo evangélico e católico, em que se tende a confundir salvação com prosperidade material, saúde física e realização afetiva, uma espécie de “religião do corpo”. Como Deus quer a salvação a partir do corpo (SUSIN, 2005, p. 31-51), a “religião do corpo” pode ser porta de entrada na religião, mas, se não fizer ponte com a transcendência, pode ser também sua porta de saída. É Deus transformado em “objeto de desejos pessoais”, com o deslocamento do profético para o terapêutico e do ético para o estético, no seio de uma religiosidade imanentista, eclética e difusa (MARDONES, 1994, p. 151-163).
1. A Boa-nova do Reino de Deus
Diz o papa Francisco, na Evangelii Gaudium, que “evangelizar é tornar presente o Reino de Deus no mundo” (EG 176). De fato, “a Igreja existe para evangelizar” (EN 14), e no centro da proposta cristã está o Reino de Deus, a obsessão de Jesus, expressão colocada em sua boca mais de 70 vezes nos sinóticos, enquanto “Igreja” aparece somente três vezes. Na concepção bíblica da Boa-nova do Reino de Deus está o referencial do modo de relação entre transcendência e imanência na fé cristã.
No antigo Oriente, a designação de um deus como “rei” estava muito propagada. A divindade exercia sua soberania sobre seu povo e seu território. Um deus era dono do país, outorgava prosperidade e bem-estar, corrigia e castigava. A queda do reino terreno era a prova de que aquele deus não existia. O reino terrestre era a epifania ou manifestação do deus daquele reino. No povo de Israel, que vivia nesse contexto cultural, foi somente a partir do período da monarquia que se começou a chamar Javé de “Rei”. Com a elevação de Jerusalém como sede régia, o título “rei” iria substituir títulos mais antigos, como “Deus Pai”. Por influência da concepção cananeia, segundo a qual era com a construção de um templo que se demonstrava a dignidade régia de um deus, no seio do povo de Israel logo os Salmos irão cantar a realeza de Javé (Sl 47; 93; 96; 99), cuja ação criadora é expressão de sua soberania sobre o mundo (Sl 24,1ss; 96,5-10).
Com os profetas, o Reino de Deus passa a ser compreendido como menos terreno e mais escatológico. Em lugar de templo e território, os profetas anunciam o Reino como salvação universal. Isaías alimenta a esperança do povo em um reinado de paz, de um novo Davi sobre Sião. Jeremias fala do Reino como nova aliança, pela qual serão transformados os corações (Jr 31,31ss). Outros descrevem o novo reinado de Javé como felicidade consumada, que, por meio de Israel, será oferecida a todos os povos (Ez 34; Mq 4; Is 9,25). Por fim, do Reino de Javé faz parte a supressão da morte (Is 25,6ss), pois se trata de Reino escatológico.
No judaísmo tardio, a esperança no Reinado de Deus adquire três configurações distintas: a) uma escatologia nacional, na qual o Messias esperado aparece como o libertador e fundador político de um Israel novo e justo, como concebiam os zelotes; b) uma realeza recebida por Israel e oferecida aos gentios, a concepção da tradição rabínica; c) o Reino como o universo transladado ao céu, tal como apregoava a apocalíptica, em que se calculam as semanas dos anos até o “dia de Javé” (Dn 2,37-45).
No Novo Testamento, o Reino de Deus, que “está próximo” (Mc 1,15; Mt 4,17) ou está “no meio de nós” com a presença do Messias esperado, é a realização da promessa do Antigo Testamento. Na pregação de Jesus, a soberania de Deus não é o domínio do Criador, mas o Reinado escatológico de Deus que, no seio da história, sem transformação cósmica e sem nova constituição política de Israel, já começou. Ele se destina a todos – publicanos e meretrizes, enfermos, crianças e pobres (Mc 2,15; 10,15-16). O Reino de Deus é salvação, e não juízo, pois a alegria de Deus é perdoar aos pecadores arrependidos (Lc 15). A separação entre bons e maus só terá lugar no juízo final (Mt 13,24ss).
Por sua vez, as obras de Jesus mostram que o Reino de Deus está presente, no meio de nós. As curas e exorcismos são sinais da presença histórica do Reino: “Ide dizer a João: os cegos veem, os coxos andam…” (Mt 11,4; Lc 14,18). Consequentemente, Jesus não só anuncia o Reino de Deus, como também o torna presente. Os discípulos são chamados bem-aventurados, porque ouvem e veem o que muitos profetas e reis desejaram ver e não viram (Mt 13,16). Jesus convida a acolher esse Reino, que, entretanto, não lhe pertence, e sim ao Pai (Lc 12,32; 22,29ss). Só o Pai conhece a hora (Mt 24,36). O Reino tem um caráter consumador da história, definitivo, e, como tal, as realidades históricas só podem ser dele sinais imperfeitos, ainda que dele estejam impregnadas. Nem mesmo o grupo dos discípulos e o círculo dos Doze se identificam com a grande família de Deus no Reino dos céus, pois será integrada por pessoas vindas “do Oriente e do Ocidente” que “se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8,11).
Na pregação de Jesus, três são as características principais do Reino de Deus: a) o Reino é Boa-nova de luz e vida, é uma semente, um tesouro, uma pérola; em resumo, ele é plenitude para o ser humano, felicidade, o desabrochar total prometido àqueles que viverem segundo as bem-aventuranças (Mt 5), aqui e agora; b) ainda que devamos trabalhar para construí-lo (Cl 4,11), não podemos edificá-lo com nossas próprias mãos, pois ele é sempre dom, do qual Deus tem sempre a iniciativa; ainda que o Reino esteja no meio de nós, sua plenitude é uma realidade escatológica, que começa aqui e se consuma na outra vida; c) o Reino de Deus é realidade coletiva. Ainda que a conversão pessoal seja a porta de entrada, ele tem uma dimensão comunitária. Ele é “paz de Deus”, justiça e amor oferecidos a todos. É comunhão sem fronteiras: “amai vossos inimigos” (Mt 5,44). Consequentemente, nenhum grupo, em particular, nem a comunidade dos discípulos são destinatários únicos das promessas do Reino. Ele é oferecido a todos, tanto que os que o integram “virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul…” (Lc 13,29).
2. O Reino de Deus como Reino de Vida em plenitude
O Reino de Deus, símbolo de seus desígnios para a globalidade da criação, é, no Documento de Aparecida, nomeado como “Reino de Vida” (DAp 143), a vida em plenitude que Jesus veio trazer: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, consequente com o mistério da encarnação do Verbo e de sua ressurreição como transfiguração de tudo o que está desfigurado na criação, o cristianismo não propõe a seus adeptos e à humanidade nada mais do que sermos plenamente humanos (BIGO; BASTOS DE ÁVILA, 1986, p. 89). Tanto que pareceu evidente a Santo Irineu de Lion, na aurora do cristianismo, que “a glória de Deus é o ser humano pleno de vida” (gloria Dei homo vivens). João Paulo II, alinhado a essa tradição, na Redemptor Hominis e na Centesimus Annus tira as consequências para a ação evangelizadora, afirmando que “o ser humano é o caminho da Igreja” (RH 13; CA 53). Jesus é o caminho da salvação; o caminho da Igreja é o ser humano, pois ela existe para o serviço da vida plena para todos, a única razão e fim da obra de Jesus.
Para o cristianismo, a Boa-nova do Reino de Deus não é portadora de valores estritamente confessionais, que só serviriam aos cristãos ou a pessoas identificadas com uma vida castradora ou repressora do humano, à margem da história da humanidade. Ao contrário de certas religiões que propõem a anulação dos desejos e o aniquilamento do “eu” como caminho de salvação, o cristianismo não reprime nada do que é autenticamente humano, antes potencializa e plenifica a natureza criada por Deus (“a graça se apoia sobre a natureza” – Tomás de Aquino). À luz do mistério da encarnação do Verbo, Jesus de Nazaré é “verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus”: o plenamente humano é divino e o divino é o autenticamente humano.
Na aurora da modernidade, com a irrupção do humanismo – que, em grande medida, se erigiu contra a Igreja –, místicos medievais puseram em evidência a congruência entre o humano e o divino: enquanto São João da Cruz diviniza o humano, Santa Teresa de Ávila humaniza o divino (BARRIENTOS; RODRÍGUEZ, 1988, p. 21). Tal como afirmou L. Boff (1972, p. 193) a respeito de Cristo: “Humano assim como Jesus, só pode ser Deus mesmo”. O cristianismo não é uma religião que aponta para o mundo e para a aventura humana como um “vale de lágrimas”, nem é contra o progresso e os avanços que contribuem para uma vida mais plena para todos. Fé cristã não é fuga mundi, alienação, refúgio na esfera da subjetividade da alma ou escapismo da concretude da história, mas um itinerário que tem, em Jesus de Nazaré, a convergência do olhar humano e do olhar divino num único olhar. No Emanuel, Deus se “humanizou” e, com sua ressurreição, o ser humano é “cristificado”, divinizado. Para o Vaticano II, “o mistério do ser humano só se esclarece à luz do mistério do Verbo encarnado” (GS 22); e Paulo VI, ao encerrar o Concílio, foi ainda mais consequente: “Para conhecer o ser humano verdadeiro e integral, é necessário conhecer a Deus… e para conhecer a Deus, é necessário conhecer o ser humano” (PAULO VI, 1965). Assim, na aventura humana, o processo de humanização prolonga-se num processo de divinização, e o processo de divinização prolonga-se num processo de humanização (BIGO; BASTOS DE ÁVILA, 1986, p. 89). É o que Paulo VI falava, na Populorum Progressio, de “humanismo aberto ao absoluto” (PP 43).
3. A Vida como ponto de chegada e de partida da proposta cristã
Vida em plenitude é o horizonte e o centro da proposta cristã, que é a Boa-nova do Reino de Deus. No Ressuscitado, a vida ganha “V” maiúsculo. Foi a razão da encarnação do Verbo, um “descenso” de Deus em vista de um “ascenso” de toda a obra da criação, em cujo centro está o ser humano, criatura cocriadora, imagem e semelhança de Deus. A ação da Igreja, continuação da obra de Jesus, não tem outra finalidade. Tudo na Igreja precisa, portanto, estar em função da “vida em abundância”, que constitui o centro da diakonía da Igreja no mundo (RAHNER, 1973, col. 752-775) e, sobretudo, do culto a Deus. A exigência bíblica: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Os 6,6), posta duas vezes na boca de Jesus, expressa bem seu zelo pela vida, preferencialmente daqueles que a têm, infelizmente, não em abundância, mas minguada, profanada, agredida, sufocada.
Dado que a Igreja existe para ser mediação da Boa-nova do Reino de Vida para todo o gênero humano, a missão dos cristãos é defender e promover a vida dos seres humanos e seus ecossistemas, no cuidado da obra da criação. Como disse Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, há os laços profundos que unem “evangelização e promoção humana”, “plano da redenção e plano da criação” (EN 31), o que supera todo dualismo entre corpo e alma, mundo material e espiritual, profano e sagrado, oração e trabalho… Juntamente com o Vaticano II, a encíclica Deus caritas est de Bento XVI pôs um ponto final a todo escapismo da concretude da história, a uma espiritualidade de fuga mundi, que reduz a proposta cristã a uma realidade intimista ou à interioridade da consciência individual. O documento de Medellín, fundamento da tradição eclesial latino-americana de corte transformador e profético, juntamente com a Gaudium et Spes, verá a salvação como a passagem de situações menos humanas para mais humanas (CELAM, 1969, 1,4.5; 8,4.6; 9,4). O papa Bento XVI, no discurso inaugural de Aparecida, retomando a Populorum Progressio em seus 40 anos de publicação, associa a obra evangelizadora com o “humanismo integral” e, na esteira da teologia latino-americana, a salvação com “libertação autêntica” (DAp 146).
Na medida em que a Palavra de Deus, como afirma a Dei Verbum, é salvação para nós hoje, e a paixão de Jesus se prolonga na “paixão do mundo”, não há fidelidade ao Evangelho sem fidelidade à realidade. A religião pode ser, mas não é alienação, escapismo – “fuga para o intimismo, para o individualismo religioso” –, como frisou Bento XVI em Aparecida (DAp, Discurso Inaugural, 3). A conversão ao Evangelho da Vida implica “conversão à realidade” histórica concreta, ao compromisso transformador da realidade desfigurada do presente em realidade futura, plena de vida. A “conversão à realidade”, à luz do Evangelho, leva, portanto, a uma inserção, por contraste, na realidade presente, assumindo suas contradições com os desígnios do Reino de Deus. Em outras palavras, “conversão à realidade” implica assumir os conflitos do próprio contexto e, diante deles, não fazer concessões em relação aos princípios do Evangelho da Vida, o que pode redundar em perseguição e martírio. É aqui que nos encontramos, como diz Aparecida, com “nossa constelação de mártires” das causas sociais, embora “ainda não canonizados” (DAp 98), com exceção de dom Romero. Sem dúvida, trata-se de novo modelo de santidade, estranho e chocante sobretudo aos acostumados a ver virtudes cristãs mais na piedade pessoal intraeclesial do que no heroico compromisso com a defesa e a promoção da vida, diante dos poderosos e inescrupulosos interesses de “uma economia que mata” (EG 56).
Viver na Igreja de Jesus a fé cristã implica “contato direto” do cristão com sua própria realidade pessoal, familiar, eclesial e social, sobretudo em tempos em que se tende a transformar o real em virtual. A missão dos cristãos no mundo não pode perder de vista “o real da realidade” (Jon Sobrino), sob pena de não contribuir para redimi-la e de fazer da religião alienação. Evangelizar “é, antes de tudo, não ignorar” (CASALDÁLIGA, 1992, p. 72). Essa perspectiva questiona o modo de relação com a Palavra de Deus na Bíblia, a costumeira hermenêutica dos textos revelados divorciada da vida concreta da comunidade eclesial, inserida no contexto de uma sociedade marcada por escandalosos sinais de morte, que comprometem o Reino de Vida inaugurado por Jesus. Questiona certas “leituras orantes”, sem relação dialética com a realidade histórico-social, que fazem da Palavra de Deus mais um anestésico para a consciência do que um apelo ao cuidado, à defesa e promoção da vida, especialmente daqueles que a têm profanada.
A modo de conclusão
A fé cristã é mais do que novo modo de ver ou de pensar. É, antes de tudo, novo modo de agir. O cristianismo é uma vivência, um comportamento, uma ética, um compromisso de conversão pessoal e de transformação da sociedade segundo o Evangelho do Reino de Deus. Consequentemente, a proposta cristã é caminho de conversão, a qual abrange mais do que uma mudança pessoal e do coração. Como bem advertiu Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, para que a evangelização não se reduza a um “verniz superficial” ou a uma fé sem adesão a Jesus Cristo, sem pertença à comunidade de seus seguidores e sem compromisso com a edificação do Reino de Vida no mundo, precisa abarcar, simultaneamente, conversão do coração das pessoas e das estruturas (EN 36).
Em outras palavras, a Boa-nova de Jesus, que é o Reino de Deus, não é só transcendência ou tão somente imanência, mas, precisamente, um Reino transcendente, a ser acolhido, vivido e edificado na imanência da história, na esperança ativa do Reino definitivo na meta-história. Como afirma o Vaticano II na Gaudium et Spes:
A esperança de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra […] (GS 39). Afastam-se da verdade os que, sabendo não termos aqui morada permanente, mas buscamos a futura, julgam, por conseguinte, poderem negligenciar seus deveres terrestres, sem perceberem que estão mais obrigados a cumpri-los, por causa da própria fé, de acordo com a vocação à qual cada um foi chamado. Mas não erram menos aqueles que, ao contrário, pensam que podem entregar-se de tal maneira às atividades terrestres, como se elas fossem absolutamente alheias à vida religiosa, julgando que esta consiste somente em atos de culto e ao cumprimento de alguns deveres morais. Esse divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana de muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves de nosso tempo. […] Ao negligenciar seus deveres temporais, o cristão negligencia seus deveres para com o próximo e o próprio Deus e coloca em perigo sua salvação eterna (GS 43).
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Agenor Brighenti*
*é doutor em Ciências Teológicas e Religiosas pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica; professor visitante no Instituto Teológico-Pastoral do Conselho Episcopal Latino-americano, em Bogotá, Colômbia; membro da Equipe de Reflexão Teológica do Celam e da Comissão Teológica do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade. Foi perito do Celam na Conferência em Santo Domingo (1992), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em Aparecida (2007) e do Sínodo da Amazônia (2018). Autor de dezenas de livros e mais de uma centena de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais. E-mail: [email protected]