A promoção da unidade entre todos os cristãos é um dos principais propósitos do Vaticano II, pois em Cristo somos todos irmãos. A Sagrada Escritura é um dos elementos que nos une, por isso somos convidados a meditar sobre a palavra de paz, amor e união que Jesus nos deixou; e a buscar a unidade e a comunhão sob a luz do Concílio.
Por Darlei Zanon, jornalista e assessor editorial da PAULUS Editora
Eis o artigo:
Um dos principais documentos do Vaticano II, a Lumen Gentium (LG), que vimos anteriormente e trata basicamente da constituição da Igreja (o que é a Igreja), foi aprovado no dia 21 de novembro de 1964. Nesse mesmo dia foram aprovados outros dois documentos importantes: o decreto Orientalium Ecclesiarum, sobre as Igrejas Orientais Católicas, e a Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo. Isso é muito significativo e demonstra grande preocupação do Concílio com a unidade de todos os cristãos. Além da mudança de olhar sobre a própria concepção, a Igreja procurou, assim, estabelecer novo relacionamento com nossas Igrejas irmãs.
Ecumenismo é o movimento entre as diversas denominações cristãs na busca do diálogo e cooperação comum, buscando superar divergências históricas e culturais. O termo provém do vocábulo grego oikoumene, derivado da palavra oikos, que significa casa, lugar onde se vive, espaço onde se desenvolve a vida doméstica, onde as pessoas encontram seu bem-estar. No Novo Testamento, esta palavra é usada em várias ocasiões para se referir ao “mundo inteiro”, a “toda a terra”, e também ao “mundo vindouro”. No sentido tomado pelo Concílio, o termo ecumênico representa a unidade da Igreja de Cristo que vai além das diferenças geográficas, culturais e políticas entre as diversas Igrejas.
Como muitos outros documentos do Vaticano II, o que transparece nestes dois decretos é o esforço de buscar a unidade na diversidade, de compreender a Igreja enquanto relação e não como sociedade perfeita. A Igreja enquanto Povo de Deus e Corpo de Cristo procura dialogar para promover sempre mais a comunhão deste único Corpo, conforme nos ensina o apóstolo Paulo: “Há um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados a uma só esperança: há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,4-5).
O decreto Unitatis Redintegratio (UR) teve uma gestão bastante complicada e demorada. Passou por várias fases de trabalho e enfrentou muitas intervenções, observações e questões relativas à linha a ser seguida até ser aprovado com 2137 votos a favor e 11 contra.
Logo em seu proêmio, vemos expresso o desejo do Vaticano II em restaurar a unidade entre os cristãos, pois a divisão contradiz o desejo e o ensinamento de Cristo. A união de todos os cristãos é testemunho saudável para a sociedade e gera bons frutos na difusão do evangelho e do nome de Jesus Cristo no mundo.
Dividido em três capítulos, o documento inicia abordando os princípios católicos do ecumenismo, que tem suas bases na teologia paulina: há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. O Concílio recorda que Cristo atribuiu aos Doze a função de ensinar, governar e santificar, tendo Pedro como centro (UR, n. 2). Desde os primórdios, houve cisões na Igreja (vejamos por exemplo 1Cor 11,18-19 e Gl 1,6-9). Ao longo da história, porém, houve grandes cisões, as quais o movimento ecumênico procura unir, superando obstáculos doutrinais e disciplinares. Os passos dados pelo Concílio são importantes, pois reconhecem as Igrejas separadas como “meios de salvação” onde Deus age e incentiva à comunhão através da ação ecumênica (UR, n. 3-4).
O capítulo II é reservado à prática do ecumenismo, que deve ser uma preocupação de todos os cristãos. O desejo de unidade deve partir do íntimo de cada cristão, “do coração” (UR, n. 7). Para tal, é preciso que se incentive uma formação ecumênica e uma mentalidade de comunhão e não de cisão, como prevaleceu durante séculos, vendo os irmãos separados como hereges ou inimigos da verdadeira fé. Todos os cristãos devem dar testemunho do evangelho, sendo o primeiro passo a oração em comum (UR, n. 8).
Por fim, Unitatis Redintegratio tece algumas considerações gerais para a ação ecumênica prudente e eficaz (capítulo III, nn. 13-23). Ali são abordados diversos elementos históricos, teológicos, espirituais, organizacionais e doutrinais das igrejas e comunidades eclesiais separadas da Sé Apostólica Romana. O objetivo é destacar pontos que auxiliem, possibilitem e fortaleçam o diálogo e a comunhão. Por exemplo, reconhece nas Igrejas Orientais (Ortodoxa) a profunda tradição litúrgica, a autonomia para se governar, a teologia enraizada na Escritura e na Tradição. Das Igrejas separadas ocidentais destaca o forte estudo da Escritura, a centralidade de Cristo e o único batismo.
Sobre a Igreja Oriental, ocupa-se também o decreto Orientalium Ecclesiarum (OE), aprovado após três apresentações e cerca de 200 intervenções com 2110 votos a favor e 39 contra. O documento procura mostrar o apreço e reconhecimento da Igreja Católica em relação à Igreja Ortodoxa.
Em uma estrutura muito simples, apresenta questões relacionadas aos ritos: a variedade de ritos não ameaça a unidade, ao contrário, enriquece a Igreja (n. 2); aos direitos e obrigações das igrejas particulares (n. 3); ao patrimônio espiritual da Igreja Oriental, que deve ser conservado, pois enriquecem a Igreja Universal (nn. 5-6); aos patriarcas (n. 7-9); à disciplina dos sacramentos, onde se reconhece a autoridade dos padres ortodoxos em ministrar sacramentos aos católicos e vice-versa (nn. 12-18); ao culto divino (nn. 19-23); e à boa convivência entre todos os cristãos (nn. 24-29).
Enfim, há um compromisso para que se promova sempre mais a colaboração mútua e a unidade, concretizando a ordem de Cristo de “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. A semana de oração pela unidade dos cristãos, celebrada tradicionalmente de 18 a 25 de janeiro na Europa, enquanto no Brasil é celebrada entre a Ascensão e o Pentecostes, é uma boa oportunidade para os que desejam estreitar os laços de unidade com os membros de outras Igrejas cristãs.
Com os dois documentos aqui apresentados, chegamos ao fim da nossa viagem pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Recordar os preciosos ensinamentos do Concílio é certamente uma ótima forma de torná-los atuais e vivos, é dar-lhes nova força e vigor, é mostrar que eles são de extrema utilidade para nossa vida. Esperamos que esta série de artigo tenha provocado questionamentos e reflexões, mas principalmente o desejo de aprofundar o conhecimento e a vivência do que o Vaticano II nos ensina.
Após este percurso, creio que todos podemos responder à pergunta mais pertinente que surge no nosso tempo: é ainda atual o Concílio do Vaticano II? Como ele pode iluminar a nossa vida eclesial que enfrenta tantas conturbações?
Com ele a Igreja se tornou mais comunitária e dialogante, rejuvenesceu e reavivou a sua esperança, assumiu compromissos e abriu-se a uma nova forma de ser e estar no mundo. Abriu-se a uma transformação interior que é exigente, mas também muito gratificante para os que querem realmente assumir e viver o seu “ser cristão”.