O “céu” não é uma realidade distante, sem relação com a condição terrena da Igreja.
A COMUNHÃO ENTRE TODOS OS FIÉIS
por Giacomo Canobbio, professor de teologia
Tradução de Darlei Zanon, assessor editorial da PAULUS
(Publicado originalmente em abril de 2024 na Vita Pastorale, Itália)
Eis o artigo:
A tradição catequética cristã resumiu a visão global da Igreja distinguindo três estados: militante, padecente e triunfante. A linguagem, embora obsoleta, preserva a verdade da comunhão entre todos os fiéis, estejam eles na condição terrena, de purificação ou de glória. Na reflexão eclesiológica, a ênfase recaiu sobre o estado “militante”. O Vaticano II ajudou a redescobrir a dimensão escatológica da Igreja, seja superando a identificação entre Igreja e reino de Deus (que é mais amplo e é a meta tanto da Igreja como da humanidade), seja ilustrando a própria tendência da Igreja para a realização já alcançada por muitos dos seus membros.
Este segundo aspecto é desenvolvido no sétimo capítulo da Constituição Dogmática sobre a Igreja, dedicado precisamente à dimensão escatológica da Igreja peregrina. A partir da leitura sistemática da Lumen Gentium, ele surge como consequência lógica do sexto capítulo, no qual, no n. 44, está escrito que os religiosos têm antes de tudo a missão de recordar a todos os outros membros da Igreja a orientação da vida cristã rumo à realização do Reino de Deus. Tal orientação é recordada já no n. 9 da Constituição, que descreve a Igreja como povo de Deus peregrino, como Israel no deserto. O paralelo é sintomático: sugere que o que foi prefigurado na experiência de Israel se realiza de forma completa na Igreja; de modo que as estruturas vitais daquela experiência são repropostas, ainda que através de uma transvaloração do caminho e da meta.
Como pano de fundo, reconhecemos uma convicção que atravessa os séculos e é proposta em particular na Primeira Carta de Pedro, na qual os cristãos são chamados de “estrangeiros” e “peregrinos”, para dizer que a vida terrena não é a condição definitiva dos seres humanas. Além disso, se os cristãos são configurados a Jesus Cristo através do batismo, é evidente que estão destinados a ser conformados com Ele, que ressuscitou e vive na glória do Pai. E isto não singularmente, mas juntos, pois não estão primeiro os cristãos e depois a Igreja, mas sim o contrário. A este respeito, parece útil retomar uma perspectiva da teologia medieval, que Henri de Lubac já tinha redescoberto nos anos 1930, segundo a qual a realização de cada pessoa só poderá ser alcançada quando toda a Igreja completar seu caminho nas “bodas eternas” com Cristo, seu esposo.
O capítulo sete da Constituição sobre a Igreja é fruto de um acréscimo necessário para evitar a dispersão em demasiados documentos de aspectos da realidade eclesial considerados dignos de atenção. Na sua origem está um Esboço sobre o culto dos santos, cuja redação João XXIII confiou ao cardeal Larraona, então prefeito da Congregação dos Ritos. O Esboço elaborado por uma comissão nomeada pelo referido cardeal, porém, nunca chegou à sala conciliar. Era intitulado De consummatione sanctitatis in gloria sanctorum (“O cumprimento da santidade na glória dos santos”).
Paulo VI, após a conclusão do segundo período, reenviou o texto à Comissão Doutrinária com a tarefa de inserir o Esboço na Constituição sobre a Igreja, em local adequado: os especialistas deveriam conectá-lo organicamente com toda a Lumen Gentium, tentando afastar a impressão de que se tratava de um apêndice, pois o “céu” não é uma realidade distante, sem relação com a condição terrena da Igreja. Tratava-se de repropor uma doutrina já consolidada, recordando que as três fases da vida da Igreja não são cronologicamente diferentes: coexistem na atual condição histórico-salvífica, à espera que seja estabelecido definitivamente o senhorio de Cristo em sua parusia.
Igreja: sinal e instrumento do Reino de Deus
O objetivo do capítulo é ilustrar a dimensão peregrina da Igreja conectada à situação dos santos, isto é, daqueles que terminaram a peregrinação e se encontram na condição de purificação ou de bem-aventurança: com a sua intercessão, eles nos protegem, vêm em auxílio da nossa fraqueza. E nós os acolhemos como testemunhas, seguimos seu exemplo e, na celebração eucarística, que é fonte de unidade, os veneramos.
A exposição se articula em duas partes: na primeira (nn. 48-49) é apresentada a relação entre a condição escatológica da Igreja (e nela a dos fiéis) e a realização definitiva a que alguns discípulos já alcançaram, e com os quais aqueles que são ainda peregrinos estão em comunhão. Na tensão entre os dois “momentos”, vivemos na expectativa da bem-aventurada esperança, sem a pretensão de estabelecer o dia e a hora da manifestação da glória de Cristo Salvador. A perspectiva é claramente soteriológica, embora tenha em conta a possibilidade de falhar o destino estabelecido por Deus.
Nas entrelinhas, faz-se também referência aos chamados novíssimos, segundo uma ordem diferente daquela herdada da tradição catequética: morte, paraíso, inferno, juízo. A ordem não é aleatória; reflete a perspectiva soteriológica já mencionada: os seres humanos não estão destinados ao inferno, mas ao paraíso. À proposito da morte, primeiro dos novíssimos, é apresentada como a conclusão do “curso único da vida terrena”, para contrastar a ideia de reencarnação.
Na segunda parte (nn. 50-51) é descrita a consequência da orientação escatológica na prática da veneração dos santos, recolhendo o patrimônio bimilenário da Igreja e repropondo as disposições dos Concílios de Niceia II, de Florença e de Trento. Nesta segunda parte (n. 51), identificamos uma atenção ecumênica: devem ser corrigidos os abusos, os excessos e os defeitos, lembrando que o verdadeiro culto dos santos consiste no amor operoso que deles se pode aprender.
Apesar das limitações da exposição (o estilo não é homogêneo; alguns temas parecem ser introduzidos sub-repticiamente…), o capítulo continua a ser um exemplo de superação do isolamento em que se encontrava a reflexão escatológica escolástica, bem como da dimensão predominantemente individual segundo a qual era tratado o destino final dos seres humanos. Aqui escatologia, cristologia e eclesiologia se coordenam entre si e convergem para ilustrar a meta para a qual a humanidade e o cosmos são orientados pela disposição de Deus e graças à Igreja, que é sinal e instrumento do Reino de Deus.