por Pasquale Bua, teólogo
Tradução de Darlei Zanon, assessor editorial da PAULUS
(Publicado originalmente em abril de 2024 na Vita Pastorale, Itália)
Eis o artigo:
O terceiro capítulo da Lumen Gentium – “A constituição hierárquica da Igreja e em especial o episcopado” – foi o mais sofrido de toda a constituição, aquele em torno do qual o Vaticano II correu o risco de naufragar, como mostra a crônica da chamada “semana negra” do Concílio, no início de novembro de 1964. As razões desta gestação conturbada são múltiplas. A primeira diz respeito à necessidade de completar o ensinamento do Concílio Vaticano I sobre o papado com o correspondente desenvolvimento doutrinal em torno do episcopado.
O Concílio de Pio IX, interrompido pelos eventos bélicos de 1870, deixou ao catolicismo uma eclesiologia mutilada, centrada apenas no primado e na infalibilidade do bispo de Roma, delineada na constituição Pastor Aeternus. Isso porque não teve tempo para desenvolver também uma teologia do episcopado, objeto de um documento que nunca foi aprovado. Perante esta lacuna, o novo Concílio reconhece a tarefa de reequilibrar o discurso. Tarefa difícil: como podemos afirmar que “também” o colégio dos bispos possui autoridade sobre a universa Ecclesia sem infringir os direitos do romano pontífice? Ao fim de um debate exaustivo, a assembleia é bem-sucedida, mas apenas através de um complexo sistema de contrapesos que, ao mesmo tempo que permite esclarecer o papel dos bispos, salvaguarda as prerrogativas do Papa.
1) Sucessão apostólica dos bispos. O colégio dos bispos sucede naturalmente ao colégio dos apóstolos, de modo análogo ao que o papa sucede a Pedro: consequentemente, assim como o papa é herdeiro das promessas feitas somente a Pedro, o colégio dos bispos é herdeiro das promessas feitas a todo o grupo dos apóstolos (cf. LG 19-20).
2) Sacramentalidade do episcopado. Passa-se a fazer parte do colégio dos bispos com a ordenação episcopal, que confere à pessoa nova identidade sacramental, chamada pela Tradição de “sumo sacerdócio”: o bispo não é um sacerdote a quem foi simplesmente conferido um “poder” maior, mas aquele a quem o Espírito Santo concede a plenitude do sacramento da ordem para governar a Igreja (cf. LG 21).
3) Dimensão local e universal do ministério episcopal. Cada bispo, com a ordenação, não se torna apenas responsável pela liderança de uma diocese, mas é inserido num corpo – o colégio episcopal – que possui autoridade plena e suprema sobre toda a Igreja, de modo que cada bispo é ao mesmo tempo responsável pela sua Igreja local e corresponsável por todo o “corpo das Igrejas”. O colégio, no entanto, só existe junto com o papa, sua cabeça, e nunca sem ou contra ele, de modo que é abominado o surgimento de antagonismo entre a autoridade colegial e a autoridade primacial (cf. LG 22-23).
4) Exercício episcopal dos tria munera Christi. A autoridade de cada bispo exprime-se em três munera ou “funções”: munus docendi, a tarefa de pregar e ensinar como testemunha da verdade de Cristo; munus sanctificandi, a tarefa de dispensar a graça sacramental que faz com que os fiéis participem da Páscoa de Cristo; munus regendi (ou pascendi), a tarefa de guiar a comunidade com a mesma autoridade de Cristo, que é uma autoridade marcada pelo serviço e destinada a promover a comunhão (cf. LG 24-27).
O capítulo III da Lumen Gentium, porém, não trata apenas dos bispos. Os dois últimos parágrafos falam também dos presbíteros e, respectivamente, dos diáconos. Em relação aos primeiros, a principal inovação diz respeito à terminologia: não mais sacerdotes, como desde tempos imemoriáveis costumávamos chamá-los, mas presbyteri, devido à necessidade de maior fidelidade ao vocabulário bíblico e patrístico. Com efeito, o sacerdotium é antes de tudo prerrogativa de todos os batizados, sendo a Igreja um povo inteiramente sacerdotal (cf. LG 10), e mesmo estreitando o campo ao sacerdócio ordenado é agora evidente que os sacerdotes são sobretudo os bispos, e os presbíteros participam sem possuir o “vértice”. Disto deriva uma consequência fundamental sobre a própria identidade sacramental dos presbíteros: eles, “unidos aos bispos na honra sacerdotal”, são por sua essência “colaboradores da ordem episcopal” nos tria munera de pregar o Evangelho, celebrar o culto e pastorear os fiéis (LG 28).
Em relação à concepção escolástica, ocorre uma espécie de revolução “copernicana”: não é o bispo que se explica a partir do padre, mas o padre que é compreendido a partir do bispo. Além disso, à semelhança dos bispos, também os presbíteros, através da ordenação, são incluídos em um colégio, o presbyterium, em virtude do qual existe entre eles uma solidariedade sacramental que necessita ser traduzida em laços de verdadeira fraternidade.
Quanto aos diáconos, o texto da Lumen Gentium 29 não exprime o rico debate conciliar em torno da possibilidade e oportunidade de desvincular o diaconato de uma concepção reducionista que, a partir da antiguidade tardia, o tinha limitado quase exclusivamente a um passo rumo ao presbiterado. O texto conciliar redescobre a identidade sacramental específica dos diáconos, ordenados “não para o sacerdócio, mas para o serviço”. Embora esta fórmula talvez crie mais problemas do que resolva, duas coisas parecem claras: existe, no sacramento da ordem, um grau não sacerdotal; este grau encarna um ministério de serviço, que se expressa na tríade diaconiae verbi, liturgiae e caritatis, de certa forma modelada nos tria munera.
Além disso, a Lumen Gentium 29 estabelece que “o diaconato poderá ser, para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da Hierarquia”, ou seja, desvinculando-se do cursus honorum rumo ao presbiterado. E, neste caso, pode ser conferido inclusive a homens casados, superando a rígida fusão – pelo menos na Igreja latina – do ministério ordenado com a escolha do celibato. Sessenta anos depois, o encorajador, embora por vezes caótico, florescimento do “diaconato permanente” coloca-nos face a face com esta realidade inédita, que – graças à escassez de sacerdotes – está impactando significativamente nas nossas estruturas pastorais.
Concluindo, resta um elemento a ser destacado. Diz respeito a todo o ministério pastoral em lógica de serviço, segundo a qual o sacerdócio ministerial pertence à ordem dos meios, enquanto só o batismal está inscrito na ordem dos fins: os pastores são constituídos para “estar a serviço dos seus irmãos” – os christifideles não são destinados a ser súditos, mas irmãos, dotados como são da “verdadeira dignidade cristã”! – para ajudá-los a alcançar o fim comum a todos, a salvação.
Compreendemos assim que o atual momento sinodal – cujo objetivo é a redescoberta do protagonismo eclesial dos batizados – nada mais é do que a retomada oportuna da lição conciliar, cuja recepção ainda está longe de afirmar-se concluída.